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Volumes pulmonares e resistência das vias aéreas em pacientes com possível padrão restritivo à espirometria

Volumes pulmonares e resistência das vias aéreas em pacientes com possível padrão restritivo à espirometria

Autores:

Kenia Schultz,
Luiz Carlos D'Aquino,
Maria Raquel Soares,
Andrea Gimenez,
Carlos Alberto de Castro Pereira

ARTIGO ORIGINAL

Jornal Brasileiro de Pneumologia

versão impressa ISSN 1806-3713versão On-line ISSN 1806-3756

J. bras. pneumol. vol.42 no.5 São Paulo set./out. 2016

http://dx.doi.org/10.1590/S1806-37562016000000091

INTRODUÇÃO

A força-tarefa da American Thoracic Society (ATS)/European Respiratory Society (ERS) sugeriu definições para os diversos distúrbios funcionais.1 Distúrbio ventilatório restritivo (DVR) foi definido pela redução da CPT abaixo do 5º percentil do valor previsto com relação VEF1/CV normal. Distúrbio ventilatório obstrutivo (DVO) foi definido por uma relação VEF1/CV abaixo do 5º percentil do valor previsto. Distúrbio ventilatório misto ou combinado (DVC) foi caracterizado por ambos, VEF1/CV e CPT abaixo do 5º percentil dos valores previstos.

A redução da CV com a relação VEF1/CV(F) preservada é utilizada para inferir a presença de DVR; entretanto, em torno de 40% desses casos, não há redução da CPT. 2,3 A força-tarefa da ATS/ERS sugeriu que a presença de CV(F) reduzida, relação VEF1/CV(F) acima do limite inferior do normal e CPT na faixa prevista caracterizariam doença obstrutiva.1) Esta anormalidade funcional foi posteriormente denominada distúrbio ventilatório inespecífico (DVI).4) Em uma amostra de 100 pacientes com essa combinação, em 68 casos havia evidência de doença de vias aéreas, enquanto o restante mostrava sinais de restrição.4

A redução proporcional da CVF e do VEF1 em doenças obstrutivas pode ser explicada pelo fechamento de vias aéreas, com aprisionamento aéreo.5 A obesidade, ao reduzir mais a CV(F) do que o VEF1,6 pode resultar em uma relação VEF1/CV(F) preservada na presença de doença obstrutiva concomitante. A obesidade, isoladamente, bem como doenças que afetam a mecânica respiratória ou a força dos músculos da respiração, também pode resultar em DVI.4 Embora a DPOC e a asma respondam pela maioria das doenças pulmonares obstrutivas, um amplo espectro de outras doenças, incluindo doenças bronquiolares e algumas doenças intersticiais, são associadas com obstrução ao fluxo aéreo, podendo resultar em uma redução proporcional da CVF e do VEF1.7 Além disso, pacientes com doenças pulmonares diversas são ou foram fumantes, o que pode contribuir com um componente obstrutivo.

A espirometria é considerada o método primário para a detecção de limitação ao fluxo aéreo decorrente de doenças pulmonares obstrutivas. Contudo, a limitação ao fluxo aéreo é o resultado final de muitos fatores. Um desses fatores é a resistência das vias aéreas (Rva) elevada.8 A medida da Rva poderia levar à detecção de obstrução ao fluxo aéreo em muitos pacientes com possível restrição à espirometria. É usual afirmar que a Rva é um parâmetro pouco sensível em doenças que envolvem as vias aéreas periféricas; porém, um estudo clássico mostrou uma correlação estreita da condutância das vias aéreas (Gva) com o diâmetro bronquiolar.9 A Gva pode ser anormal isoladamente na bronquiolite.10 Em 2012, valores de referência para a resistência específica foram derivados em uma grande amostra.11

O objetivo do presente estudo foi avaliar o papel da medida dos volumes pulmonares e da Rva para a classificação funcional final de pacientes com possível restrição à espirometria.

MÉTODOS

A coleta dos dados foi realizada nos laboratórios de função pulmonar do Centro Diagnóstico Brasil (n = 217) e do Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo (n = 83), no período entre dezembro de 2011 e dezembro de 2013. Pneumologistas certificados em função pulmonar pela Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT) e a autora principal do estudo selecionaram de forma prospectiva as espirometrias com possível restrição. O diagnóstico clínico foi definido pelo pneumologista solicitante do exame, pela aplicação de um questionário respiratório padronizado e adaptado (Anexo 1: http://www.jornaldepneumologia.com.br/detalhe_anexo.asp?id=46)12 e pela revisão ou indicação de exames complementares adicionais, como radiografia e tomografia de tórax, ecocardiograma, etc., de acordo com a suspeita clínica. Os exames de função pulmonar foram realizados por técnicas certificadas (SBPT).13 Todos os pacientes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido.

Critérios de inclusão

Os critérios de inclusão foram os seguintes: 1) indivíduos adultos com idade e estatura dentro da faixa de referência das equações utilizadas14; 2) redução da CVF, definida por valores situados abaixo do limite inferior do previsto, definido pelo 5º percentil da população de referência14; 3) relação VEF1/CVF e VEF1/CV igual ou acima do limite inferior do previsto, definido pelo 5º percentil da população de referência14; 4) diagnóstico clínico final definido (O diagnóstico de asma foi baseado no diagnóstico clínico feito por um médico e no relato de dois ou mais episódios de sibilância aliviados com broncodilatador. O diagnóstico de DPOC se baseou igualmente no médico assistente, na presença de tosse crônica e/ou dispneia pelo escore da escala do Medical Research Council ≥ 2, associados a tabagismo pregresso ou atual. Os pacientes com diagnóstico de obesidade foram encaminhados, na maioria dos casos, para avaliação pré-operatória de cirurgia bariátrica, ou devido à queixa de dispneia, sem preencherem critérios para outros diagnósticos, tais como asma); e 5) testes de função pulmonar com critérios de aceitabilidade e reprodutibilidade adequados (SBPT/ATS/ERS).13,15-17

Foram excluídos os pacientes com testes inadequados e os casos sem diagnóstico definido ou com diagnóstico duvidoso ao final da análise.

Os testes de função pulmonar foram realizados em um sistema Sensor Medics 6200 Bodybox e em um sistema Collins (Ferraris Respiratory, Louisville, CO, EUA). Os volumes pulmonares foram determinados através de pletismografia de corpo inteiro. Os valores previstos para os volumes pulmonares foram os sugeridos por Crapo et al.18 A CPT reduzida foi caracterizada por valores situados abaixo do 5º percentil. Tanto o VR como a relação VR/CPT elevados foram caracterizados por valores acima do 95º percentil dos valores de referência.18). As espirometrias foram repetidas após a aplicação de broncodilatador (400 µg de salbutamol spray). A resposta ao broncodilatador considerada significativa foi aquela proposta por Soares et al. (VEF1 ≥ 0,20 l e 7% do previsto).19

A Rva foi medida pelos valores médios por interpolação linear, como sugerido por Matthys et al., após a análise de pelo menos cinco alças de pressão/fluxo adequadas.20 Foram aceitas apenas alças satisfatórias e reprodutíveis. Os valores previstos utilizados para o cálculo foram os sugeridos por Piatti et al.11) Valores acima de 8,0 cmH2O/s em mulheres e acima de 8,6 cmH2O/s em homens foram considerados elevados (média ± 1,64 dp).

Medidas adequadas da DLCO pelo método da respiração única foram obtidas em 260 pacientes. Os valores de referência foram baseados em Miller et al.21

Após a obtenção de todos os dados, os distúrbios ventilatórios foram classificados em quatro grupos:

Grupo DVR: definido por CPT abaixo do limite inferior do previsto, sem achados de obstrução associada.1

Grupo DVO: caracterizado por um ou mais dos seguintes: Rva específica, corrigida para o volume pulmonar (Rva × Vp) elevada; variação significativa pós-broncodilatador (ΔVEF1 > 0,20 l e 7% do previsto); e/ou FEF25-75% < 50% do previsto associado à relação VR/CPT elevada (ver seção Resultados).

Grupo DVC: caracterizado quando achados dos dois grupos acima se encontravam combinados, isto é, CPT reduzida e Rva × Vp elevada; FEF25-75% < 50% associado à relação VR/CPT elevada; ou resposta significativa ao broncodilatador.

Grupo DVI: caracterizado por CPT na faixa prevista na ausência de dados funcionais indicadores de obstrução.

Os valores foram expressos como média ± desvio-padrão. As comparações entre os grupos foram feitas por meio do teste t de Student e por ANOVA, no caso de variáveis independentes contínuas, e através do teste do qui-quadrado para variáveis nominais. Correlações entre Rva × Vp e parâmetros funcionais foram realizadas pelo teste de Spearman. A Rva × Vp exibiu distribuição log-normal, e seus valores foram transformados para comparações. A análise de curvas ROC foi utilizada para correlacionar os parâmetros funcionais e a relação VR/CPT com a resistência específica de vias aéreas. A análise estatística foi realizada com pacote estatístico IBM SPSS Statistics, versão 20 (IBM Corp., Armonk, NY, EUA). O nível de significância foi estabelecido em α = 0,05.

RESULTADOS

Foram incluídos 300 pacientes no estudo. As características gerais desses são mostradas na Tabela 1, enquanto os valores médios ± dp dos testes de função pulmonar, na Tabela 2.

Tabela 1 Características gerais dos pacientes com possível restrição à espirometria (n = 300).a 

Características gerais Resultados
Idade, anos 56,2 ± 14,4
Sexo masculino/feminino, n/n 117/183
Não fumantes/fumantes/ ex-fumantes, n/n/n 187/34/79
Índice de massa corpórea, (kg/m2) 31,0 ± 7,9

aValores expressos em média ± dp, exceto onde indicado.

Tabela 2 Características funcionais dos pacientes com possível restrição à espirometria (N = 300).a 

Características funcionais Resultados
CV% 66,2 ± 11,0
CVF% 65,0 ± 10,6
VEF1% 64,5 ± 10,8
VEF1/CVF 0,81 ± 0,06
FEF25-75% 74,6 ± 28,8
VR% 99,5 ± 32,0
VR/CPT 0,44 ± 0,10
CPT% 78,6 ± 14,2
Rva × Vp 8,44 (4,17-9,09)

Rva × Vp: resistência das vias aéreas específica, corrigida para o volume pulmonar. aValores expressos em média ± dp ou em mediana (intervalo interquartil).

Os diagnósticos clínicos do total de pacientes foram separados em quatro grupos: doenças obstrutivas, doenças intersticiais, obesidade e diversas, conforme detalhado na Figura 1.

Figura 1 Diagnósticos clínicos dos pacientes com possível restrição à espirometria (N = 300). ICC: insuficiência cardíaca congestiva; DNM: doença neuromuscular; FPI: fibrose pulmonar idiopática; DTC: doenças do tecido conectivo; e PH: pneumonia de hipersensibilidade. 

Dos 300 pacientes, 151 (50,3%) eram obesos, mas apenas 52 (17,3%) tiveram diagnóstico final de obesidade sem outras condições associadas. Dos 300 pacientes, 172 (57,3%) tinham CPT abaixo do limite inferior do previsto (DVR), e 128 (42,7%) tinham CPT na faixa prevista (n = 127) ou elevada (em apenas um caso).

O VR situou-se acima do limite superior em 46 (15,3%) e a relação VR/CPT em 126 (42,0%). Elevada Rva, corrigida para o volume pulmonar, foi observada em 97 (32,3%) dos casos. A correlação da Rva × Vp (e Gva/Vp) foi mais elevada com o FEF25-75% (rs = 0,55) em comparação à relação VEF1/CVF (rs = 0,50) e VEF1 em % do previsto (rs = 0,27; p < 0,01 para todos). A Rva × Vp também se correlacionou significativamente com a relação VR/CPT (rs = 0,46; p < 0,001). Por análise de curvas ROC, o FEF25-75% teve a maior área sob a curva (0,75; p < 0,001) para separar os pacientes com Rva × Vp elevada daqueles com Rva × Vp não elevada, em comparação à relação VEF1/CVF e ao VEF1 em % do previsto. O FEF25-75% abaixo de 50% teve sensibilidade de 40% e especificidade de 89% para detectar resistência específica elevada. Dentre os volumes pulmonares, a relação VR/CPT teve a maior área sob a curva para caracterizar obstrução ao fluxo aéreo (0,75; p < 0,01). Como a relação VR/CPT elevada e o FEF25-75% < 50% podem ser observados de maneira isolada em DVR ou DVI, eles foram associados para caracterizar obstrução ao fluxo aéreo. Esses dois parâmetros estavam anormais em conjunto em 46 casos. Desses, tais parâmetros foram o único dado indicativo de distúrbio obstrutivo em 14 casos.

Respostas significativas pós-broncodilatador à espirometria foram observadas em 23 casos (7,7%). Os diagnósticos clínicos mais comuns nesse grupo foram doenças obstrutivas (n = 12) e obesidade (n = 5). Apenas um caso de insuficiência cardíaca congestiva (ICC) dentre 14 (7,0%) respondeu significativamente ao broncodilatador.

Por um ou mais dos critérios anteriormente apresentados, 120 pacientes (40,0%) tinham obstrução ao fluxo aéreo. Dos 120 pacientes com DVO, 64 (53,3%) tinham CPT abaixo do limite inferior do previsto, sendo considerados, portanto, portadores de DVC. Dos 128 casos com CPT situada na faixa prevista, 72 (56,2%) não tinham obstrução ao fluxo aéreo, sendo, portanto, classificados como portadores de DVI.

A classificação final dos tipos de distúrbios encontrados e os diagnósticos clínicos respectivos são mostrados na Figura 2. Os pacientes com diagnóstico de obesidade e com doenças variadas se distribuíram por todos os quatro grupos. Observa-se que 4 pacientes com diagnóstico de asma tinham DVR, enquanto 17 pacientes no grupo DVC tinham diagnóstico de doença obstrutiva, mais frequentemente asma (n = 10).

Figura 2 Diagnóstico funcional final (segundo os distúrbios ventilatórios) dos 300 pacientes com possível restrição à espirometria, após medida de volumes pulmonares e de resistência das vias aéreas, e seus diagnósticos clínicos. DVR: distúrbio ventilatório restritivo; DVO: distúrbio ventilatório obstrutivo; DVC: distúrbio ventilatório combinado; DVI: distúrbio ventilatório inespecífico; PH: pneumonia de hipersensibilidade; DTC: doenças do tecido conectivo; e FPI: fibrose pulmonar idiopática. 

Nos 72 pacientes com diagnóstico funcional final de DVI, 24 (33,3%) tinham diagnóstico clínico de doença obstrutiva: asma, em 11; DPOC, em 8; bronquiectasias, em 3; e bronquiolite, em 3. Somando-se esses 24 pacientes aos 120 com diagnóstico funcional de DVO e DVC, 144 dos 300 casos (48,0%), portanto, teriam doença obstrutiva.

Diversas variáveis, incluindo idade, sexo e resultados funcionais, foram comparadas entre os quatro grandes grupos de diagnóstico clínico (Tabela 3). O grupo com diagnóstico final de obesidade era mais jovem e com índice de massa corpórea acima de 35 kg/m2 em 79% dos casos, refletindo que a maioria foi encaminhada para avaliação de cirurgia bariátrica. Funcionalmente, o grupo com diagnóstico de obesidade apresentava menor volume de reserva expiratório (VRE) em comparação aos demais grupos; valores percentuais de CV, CVF, VR e CPT maiores do que o grupo com doenças intersticiais; DLCO mais preservada; e Rva × Vp semelhante ao do grupo com doenças intersticiais.

Tabela 3 Variáveis antropométricas e funcionais dos pacientes com possível restrição à espirometria (N = 300), separados por categorias diagnósticas clínicas.a 

Variáveis Diagnóstico clínico p
Doenças intersticiais Doenças obstrutivas Doenças diversas Obesidade
(n = 102) (n = 76) (n = 70) (n = 52)
Idade, anos 57,3 ± 12,9* 59,0 ± 15,7* 55,9 ± 14,4 50,2 ± 13,7 0,006
Sexo feminino,% 70* 68* 49 50 0,007
IMC, kg/m2 28,3 ± 5,9* 29,8 ± 7,0* 28,6 ± 5,8* 41,3 ± 7,1 < 0,001
CV% 64,3 ± 10,9* 69,5 ± 8,6 62,4 ± 12,2* 70,3 ± 10,2 < 0,001
CVF% 63,0 ± 10,8* 67,8 ± 8,0 61,8 ± 11,9* 69,0 ± 9,3 < 0,001
VEF1/CVF 0,83 ± 0,06 0,77 ± 0,06 0,80 ± 0,05 0,81 ± 0,04 < 0,001
CRF% 70,8 ± 19,1 96,6 ± 23,6* 85,2 ± 18,6 77,0 ± 17,7 < 0,001
VRE% 65,0 ± 36,3* 59,7 ± 41,4* 53,4 ± 27,3* 33,9 ± 18,1 < 0,001
VR% 77,3 ± 23,8* 118,6 ± 29,6 105,7 ± 29,7 99,5 ± 32,0 < 0,001
VR/CPT 0,40 ± 0,09 0,49 ± 0,09* 0,46 ± 0,10* 0,41 ± 0,10 < 0,001
CPT% 70,2 ± 12,9* 88,6 ± 12,8* 77,4 ± 13,0 82,2 ± 10,2 < 0,001
DLCO, %b 53,3 ± 16,8* 79,3 ± 19,8 59,1 ± 19,4* 82,9 ± 17,7 < 0,001
Rva × Vp, log n 1,42 ± 0,43 2,41 ± 0,43* 2,39 ± 0,70* 1,60 ± 0,37 < 0,001

CRF: capacidade residual funcional; VRE: volume de reserva expiratório; e Rva × Vp: resistência das vias aéreas específica, corrigida para o volume pulmonar. aValores expressos em média ± dp, exceto onde indicado. bn = 260. *p < 0,05; obesidade vs. demais grupos. Teste de Tukey.

DISCUSSÃO

O presente estudo confirma estudos anteriores2-4 que mostraram que o padrão de redução da CVF e do VEF1 com a relação VEF1/CVF preservada à espirometria tem um valor limitado no diagnóstico funcional final. Além disso, o estudo mostra que, incorporando medidas de volumes pulmonares e de Rva, a caracterização funcional torna-se mais consistente.

É amplamente reconhecido que, para a caracterização de redução da CVF à espirometria, os critérios de esforço e o tempo expiratório adequados devem ser preenchidos. Uma expiração incompleta resulta frequentemente em possível restrição à espirometria. No presente estudo, os testes foram cuidadosamente realizados e revistos.

A força-tarefa da ATS/ERS definiu DVR como uma redução da CPT abaixo do 5º percentil do valor previsto com relação VEF1/CVF não reduzida.1 Os valores de referência utilizados para a CPT são, portanto, de grande importância. No presente estudo, foram adotados os valores de Crapo et al.18 Embora um estudo tenha derivado valores de referência para os volumes pulmonares em uma amostra da população no Brasil,22 o número de indivíduos incluídos foi pequeno. Não podemos excluir a possibilidade de que pacientes com doenças obstrutivas que foram classificados no presente estudo como portadores de DVR ou DVC seriam mais bem classificados com a disponibilidade de uma equação mais adequada para a determinação dos volumes pulmonares previstos. Entretanto, casos de asma com verdadeira restrição (CPT reduzida) não associados à obesidade são descritos na literatura, incluindo aqueles com variações na função pulmonar. 23 Esses casos são por vezes encontrados na prática clínica.

Doenças pulmonares restritivas podem se dever a doenças intersticiais, como fibrose pulmonar; a condições não respiratórias que secundariamente impedem a expansão pulmonar, como fraqueza muscular, doenças pleurais, obesidade ou cifoescoliose; e/ou às que afetam diretamente a função pulmonar, como a ICC. Diversos estudos têm encontrado uma prevalência de DVR na população, definida por espirometria, de 7-14%.24-26 A prevalência é maior no sexo masculino, em fumantes pesados, em idosos, em pessoas com menor nível educacional, em diabéticos, naqueles com ICC e em indivíduos nos extremos de índice de massa corpórea. Grandes fumantes não raramente têm doenças intersticiais relacionadas ao tabaco, podendo resultar em padrão restritivo ou misto.27

A epidemia de obesidade não poupa países em desenvolvimento. A obesidade introduz fatores de confusão na interpretação da função pulmonar por diversos motivos. A obesidade afeta as medidas dos volumes pulmonares e os valores espirométricos, com especial ênfase na redução da capacidade residual funcional, por redução do VRE.28 No presente estudo, o VRE foi significativamente menor no grupo com diagnóstico de obesidade. Reduções proporcionais da CVF e do VEF1 com resultante preservação ou discreta elevação da relação VEF1/CVF têm sido observadas em indivíduos obesos. Contudo, as reduções da CVF e do VEF1, embora estatisticamente significantes, são tipicamente pequenas, e o VEF1 e a CVF, bem como a CPT, usualmente permanecem dentro da faixa de valores previstos.6,28

Em nosso estudo, metade da amostra era constituída por obesos. A presença de obesidade foi observada nos quatro tipos de distúrbios funcionais. A interação entre obesidade, função pulmonar, asma e DPOC tem sido objeto de diversos estudos e excelentes revisões. 6,29-31) A obesidade se associa com um risco aumentado para asma.30,31).A presença de dispneia em obesos pode ser atribuída à obesidade ou à presença de asma, resultando tanto em diagnósticos excessivos como em subdiagnósticos.32 O teste de broncoprovocação induzida por metacolina é útil nesses casos.4

A medida dos volumes pulmonares poderia ser de auxílio na separação dos distúrbios restritivo e obstrutivo em pacientes com possível restrição à espirometria. 1 Um estudo mostrou que a concordância entre os diagnósticos clínicos e aqueles baseados nos testes de função pulmonar, com a adição das medidas de volumes pulmonares, é baixa para diferenciar DVR de DVO.33

No presente estudo, a inclusão de medidas da Rva e a combinação do FEF25-75% com relação VR/CPT elevada permitiu o diagnóstico de obstrução ao fluxo aéreo em diversos casos, com concordância significativa com os diagnósticos clínicos. Devido a considerações geométricas, onde a área total de secção transversal das vias aéreas diminui dramaticamente da periferia para as regiões centrais do pulmão, medidas de resistência teoricamente seriam menos sensíveis a alterações periféricas. Contudo, a medida da Rva específica pode ser útil. Um estudo mostrou que a medida da Gva foi mais sensível que a espirometria para detectar obstrução ao fluxo aéreo em pacientes com a síndrome de bronquiolite obliterante.10

Na DPOC, na qual o local de obstrução situa-se perifericamente e em muitos casos com obstrução leve, a relação VEF1/CVF é reduzida e a Rva ou a Gva específica está na faixa prevista, mas casos na prática de laboratório de função pulmonar mostram que o contrário também ocorre. Um estudo realizado há quase 30 anos mostrou que a análise dos dados obtidos por pletismografia associado a dados clínicos detectou isoladamente 18% de casos com obstrução ao fluxo aéreo.34) Um estudo clássico mostrou, em 26 pulmões submetidos à necropsia obtidos de vítimas de morte súbita, uma correlação hiperbólica quase perfeita entre o diâmetro bronquiolar médio e a Rva (r = 0,89), enquanto a correlação entre o diâmetro médio dos brônquios segmentares e a Rva não foi significativa. 9) No presente estudo, Rva × Vp elevada se associou significativamente com a redução do FEF25-75% e a elevação da relação VR/CPT, sugerindo uma correlação com a obstrução de vias aéreas periféricas. Todos os casos tinham relação VEF1/CVF na faixa prevista.

Semelhante ao observado no grupo com obesidade como diagnóstico final, o grupo com diagnósticos diversos distribuiu-se pelas quatro categorias diagnósticas funcionais. Nesse grupo de doenças, situavam-se pacientes com ICC, doenças de pleura e de parede (especialmente cifoescoliose), doenças neuromusculares e outras condições variadas. Dos 102 pacientes com doenças pulmonares intersticiais, apenas 66 (65,0%) tinham confirmação de DVR isolado pela medida da CPT. Os demais tinham DVO isolado (n = 4), DVC (n = 18) ou DVI (n = 14). Enfisema acompanhando fibrose pulmonar é uma condição relativamente comum, já que ambos se relacionam com o tabagismo.35 Nas doenças do tecido conectivo, bronquiolites ou enfisema associado à doença intersticial e fraqueza muscular podem resultar em um componente obstrutivo ou inespecífico, respectivamente.36,37 Na pneumonia de hipersensibilidade e na sarcoidose, o envolvimento de vias aéreas é frequente, podendo resultar em um componente obstrutivo.38,39

No estudo de Hyatt et al.,4 68% dos pacientes com DVI tinham diagnóstico final de doença obstrutiva, corroborando a diretriz da ATS/ERS que a redução proporcional da CVF e do VEF1 com a CPT na faixa prevista indicaria doença obstrutiva. Entretanto, no grupo com doenças de vias aéreas, muitos pacientes tinham relação VEF1/CV lenta reduzida. No presente estudo, esses casos foram excluídos, e, ao final, apenas um terço dos portadores de DVI tinha diagnóstico clínico de doença obstrutiva.

A seleção da amostra para a inclusão no presente estudo é uma limitação para a generalização dos resultados. Os pacientes incluídos não foram consecutivos, devido ao grande fluxo de casos atendidos na rotina. Eventuais diagnósticos funcionais discordantes do diagnóstico clínico podem ter ocorrido, visto que nem todos os exames para a investigação de causas adicionais de restrição foram aplicados. Entretanto, o objetivo do estudo foi, a nosso ver, alcançado.

Em conclusão, medidas dos volumes pulmonares e da Rva são de auxílio para a caracterização adequada do distúrbio funcional em diversos casos com possível restrição à espirometria. Doenças com obstrução ao fluxo aéreo podem resultar em padrão restritivo na espirometria.

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