versão On-line ISSN 2317-1782
CoDAS vol.28 no.2 São Paulo mar./abr. 2016
http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20162015027
A docência é uma das profissões com maior incidência de distúrbios da voz, em sua maioria em função das condições de trabalho inadequadas(1), por conta da demanda vocal excessiva e da intensidade da voz elevada, muitas vezes em consequência da presença de ruído de forte intensidade dentro da sala de aula(2).
Essa característica multifatorial do ambiente de trabalho dos professores pode causar diversos sintomas(3,4), constituindo fator de risco para o desenvolvimento de distúrbios da voz, ocasionando impacto no desempenho profissional(5-7).
Um dos principais fatores de risco para o desenvolvimento do distúrbio de voz é a elevação da intensidade vocal em sala de aula(8). Em geral, a intensidade da voz do professor se eleva de 10 a 30 dB(A) acima da intensidade dos ruídos ambientais(9,10).
Dessa forma, a avaliação do ruído de forma objetiva pelo decibelímetro em diferentes tempos e locais da escola(11) bem como a autoavaliação dos sintomas referidos pelos docentes(12) fazem parte da compreensão da relação ruído/voz e dos aspectos ambientais e organizacionais do trabalho.
De modo geral, os sintomas trazidos pelo paciente com queixa vocal, seja ele professor ou não, podem ser sensoriais, quando envolvem sensações desagradáveis no corpo, mais especificamente na região de ombros e pescoço, no momento da emissão vocal, ou auditivos, quando o paciente percebe auditivamente que a sua qualidade vocal está alterada(4,13,14). Além disso, esses sintomas podem variar em um contínuo, tanto em termos de frequência quanto de intensidade, comprometendo, em alguns casos, o bem-estar do indivíduo(4,13).
Nesse contexto, a Escala de Desconforto do Trato Vocal (EDTV) foi desenvolvida como uma ferramenta de mensuração da intensidade e da frequência dos sintomas de desconforto do trato vocal, preenchida pelo próprio indivíduo, através do uso de descritores qualitativos(13).
A compreensão das questões relacionadas aos sintomas de desconforto do trato vocal é imprescindível na avaliação de indivíduos expostos a fatores de risco para o desenvolvimento de um problema de voz, pois, muitas vezes, esses sintomas podem indicar o início de um distúrbio da voz(15).
Na presente pesquisa, parte-se da hipótese de que os sintomas de desconforto podem ser agravados por condições de trabalho inadequadas, com constante exposição ao ruído, o que pode gerar elevação na intensidade da voz do professor e, consequentemente, sobrecarga no aparelho fonador(16-18), predispondo ao desenvolvimento de distúrbios da voz.
Neste contexto, o objetivo deste estudo foi identificar se existe correlação entre a intensidade vocal das professoras e o ruído em sala de aula, assim como correlação entre a intensidade vocal e os sintomas de desconforto do trato vocal referidos pelas professoras, antes e após a aula.
Esta pesquisa é do tipo descritiva, transversal e de caráter quantitativo. Foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da instituição de origem, processo número 091/13, e dispõe dos Termos de Consentimento Livre e Esclarecido das professoras participantes.
A pesquisa foi desenvolvida em quatro escolas de rede pública de ensino participantes de um projeto de extensão de uma instituição federal de ensino cujo objetivo era implantar um Programa de Assessoria em Saúde Vocal (ASSEVOX) para professores do ensino fundamental.
Os critérios de inclusão foram: ser do sexo feminino e participar de todas as etapas propostas no presente estudo. O critério referente ao sexo teve por intuito evitar a influência das variáveis anatomofisiológicas masculinas e femininas sobre os resultados da pesquisa. Foram excluídas as professoras que apresentassem queixa auditiva e as professoras de Educação Física, visto que essas possuem ambiente de aula diferente do convencional, como quadras esportivas, não se encaixando no delineamento desta pesquisa.
Sendo assim, a amostra foi composta por 27 professoras, com idade média de 43 anos (DP = 9,42), com tempo médio de profissão de 19 anos e carga horária média de 20 horas semanais em sala de aula. Tal amostra foi constituída de forma não probabilística e por conveniência.
Com a finalidade de evitar o desgaste vocal adquirido pelas professoras ao longo de uma semana de aula, optou-se por realizar a coleta dos dados apenas às segundas-feiras. Além desse motivo, foi eleito esse dia para prevenir que outras variáveis influenciassem no resultado da pesquisa, tais como a aula de Educação Física, que poderia gerar níveis de ruído mais elevados nos dias em que ocorresse.
A pesquisa constou da aplicação de dois questionários de autopercepção. O primeiro aplicado foi o Condição de Produção Vocal do Professor – CPV-P(7), no qual as participantes responderam às questões referentes à identificação pessoal, situação funcional, características físicas do local de trabalho e aspectos vocais. O outro questionário preenchido pelas participantes foi a Escala de Desconforto do Trato Vocal – EDTV(13). Essa escala foi aplicada em dois momentos: antes do início da aula e após seu término, ou seja, após 4 horas de aula. Esse procedimento foi adotado com o intuito de verificar a frequência e intensidade dos sintomas de desconforto do trato vocal antes e após a aula. Além disso, foi medido o nível de ruído em sala de aula e a intensidade vocal das professoras no momento da aula.
O CPV-P(7) é composto por 84 questões relativas aos seguintes aspectos: identificação do questionário; identificação do entrevistado; situação funcional; aspectos gerais de saúde; hábitos e aspectos vocais. Para essa pesquisa, foram utilizados os dados referentes às variáveis: data de nascimento; sexo; tempo de profissão; jornada de trabalho; escola ruidosa; local do ruído; ruído forte; ruído desagradável; se já teve ou tem alguma alteração vocal e as causas mais citadas para essa alteração. As respostas às questões do ambiente de trabalho do questionário CPV-P são apresentadas em escala Likert de quatro pontos (nunca, raramente, às vezes, sempre).
A EDTV(4) é um questionário de autoavaliação que busca identificar a percepção sensorial do desconforto no trato vocal usando oito descritores qualitativos de acordo com a frequência e intensidade dos sintomas, em uma escala de 0 (nunca) a 6 (sempre). Nesse questionário, o sujeito pode escolher o número que melhor represente a frequência e a intensidade de cada item a seguir: queimação na garganta, aperto na garganta, garganta seca, garganta dolorida, coceira na garganta, garganta sensível, garganta irritada, bola na garganta.
As respostas às questões são apresentadas em escala Likert de seis pontos: nunca, quase nunca, às vezes, algumas vezes, muitas vezes, quase sempre e sempre para a frequência dos sintomas, e nenhuma, quase nenhuma, leve, quase moderada, moderada, forte e extrema para a intensidade dos sintomas.
A medição do ruído dentro da sala de aula foi feita com um medidor de nível de pressão sonora da marca Akso, modelo AK814, série 201208154893, com certificado de calibração n. 6508/2013. Para a medição foi utilizada a escala ponderação (A), por apresentar resposta mais próxima do ouvido humano, e circuito de resposta slow (lenta), devido à grande flutuação de valores e para facilitar a leitura. O equipamento esteve voltado para o centro da sala a 1 metro do chão e a 1 metro das paredes, com objetivo de evitar as ondas estacionárias.
A medição do nível de ruído realizada no momento da aula foi registrada pelo decibelímetro em três pontos: próximo às janelas (P1), ao quadro (P2) e à porta (P3) por um período de 5 minutos, como mostra a Figura 1. Foram considerados o menor (medida mínima) e o maior nível de pressão sonora (medida máxima) em cada sala de aula (Figura 1).
Legenda: m = metro; h = altura; P1 = ponto 1; P2 = ponto 2; P3 = ponto 3
Figura 1 Planta da sala com os três pontos de medição do ruído
A medição teve intuito de verificar se o nível de ruído estava dentro do limite preconizado pela NBR 10.152(19) – Níveis de ruído para conforto acústico, para ambientes internos, a qual estabelece que, para a sala de aula, o ruído deve estar entre 40 e 50 dB(A).
Posteriormente verificou-se o nível da intensidade vocal das professoras, no momento da aula, pelo período de 5 minutos, na qual foram consideradas as medidas mínima e máxima de pressão sonora encontradas nesse período de tempo. Para tal, o equipamento foi disposto em frente à professora e a 1 metro de distância dela e do chão. O posicionamento estabelecido teve por intuito favorecer a fonte sonora principal que é a voz da professora.
Os dados encontrados nos dois questionários e as medidas dos níveis mínimo e máximo de intensidade vocal das professoras e do ruído em sala de aula foram tabulados no programa Microsoft Excel 2010.
Para registro no banco de dados, as perguntas do questionário CPV-P que tiveram como resposta não sei, nunca e raramente, foram consideradas como ausência e as respostas às vezes e sempre, como presença.
A EDTV foi tabulada de acordo com a frequência e intensidade dos sintomas em uma escala de 0 (nunca) a 6 (sempre), antes e após a aula.
Os dados referentes a ruído foram agrupados a partir dos níveis máximo e mínimo encontrados em cada um dos três pontos.
Foi utilizado o coeficiente alfa de Cronbach para medir a confiabilidade dos questionários CPV-P e EDTV. Para análise estatística foi utilizado o software Statistical Package for Social Sciences (SPSS) versão 20.0, através do teste de correlação de Pearson, para correlacionar a intensidade vocal das professoras e as médias do nível de ruído em sala de aula. O nível de significância adotado foi de 5% (p < 0,05).
Para relacionar os dados da EDTV antes e após a aula foi utilizado o teste qui-quadrado, no qual foram consideradas as categorias nunca, quase nunca, às vezes, algumas vezes, muitas vezes, quase sempre e sempre para a frequência dos sintomas; e nenhuma, quase nenhuma, leve, quase moderada, moderada, forte e extrema para intensidade dos sintomas. O teste de qui-quadrado permite concluir se há discrepâncias entre as frequências observadas e esperadas. O nível de significância adotado foi de 5% (p < 0,05).
Para identificar o grau de correlação entre as variáveis EDTV e a intensidade vocal das professoras foi utilizado o coeficiente de Spearman, que indica a correlação entre os postos, variando de –1 (correlação negativa) a + 1 (correlação positiva), adotando-se como nível de significância 5% (p < 0,05).
Nesta pesquisa, para classificação dos coeficientes de correlação, adotou-se que valores de 0,1 a 0,3 representariam uma correlação fraca; valores entre 0,4 e 0,6 indicariam correlação moderada; e que para valores acima de 0,7, o grau de correlação entre as variáveis seria forte.
Para comparar os escores obtidos na EDTV pelas professoras que relataram ou não queixa de distúrbios da voz no CPV-P, utilizou-se o teste de Mann-Whitney. A análise do antes e depois da EDTV das professoras dentro dos respectivos grupos (com ou sem queixa de distúrbio de voz) foi realizada através do teste Wilcoxon pareado.
Ao analisar o coeficiente alfa de Cronbach encontraram-se valores de 0,843 para o questionário CPV-P e 0,971 para a EDTV.
Quanto aos aspectos de ruído no ambiente escolar, das 27 participantes do estudo, 24 (89,9%) referiram que a escola é ruidosa, 17 (63%) relataram que o ruído é proveniente da própria sala de aula, sendo ele forte (23/85,2%) e desagradável (21/ 77,8%).
No que diz respeito aos aspectos vocais, 17 (63%) informaram que já tiveram algum distúrbio da voz e 8 (29,6%) o relataram no presente. Ao comparar esses dados com os sintomas de desconforto do trato vocal, observou-se que houve diferença significativa entre as professoras com e sem queixa de distúrbio da voz para o antes (p = 0,033) e o após a aula (p = 0,038), sendo maiores os escores no grupo que alegou apresentar distúrbio da voz. Além disso, quando comparados separadamente nos dois momentos, houve um aumento significativo nos escores tanto do grupo com ausência de distúrbio da voz (p < 0,001) quanto do dos que o apresentavam (p = 0,040) (Tabela 1). As causas mais citadas para esse distúrbio foram o uso intensivo da voz (20/74,1%), a exposição ao ruído (15/55,6%) e alergia (13/48,1%).
Tabela 1 Comparação entre grupos de professores quanto aos escores da EDTV antes e após a aula, segundo a presença ou ausência de queixa de distúrbio da voz relatada no CPV-P
EDTV | Ausência | Presença | P-valor* | ||||
---|---|---|---|---|---|---|---|
Média | DP | Erro padrão | Média | DP | Erro padrão | ||
EDTV antes | 1,21 | 1,30 | 0,30 | 2,33 | 1,16 | 0,41 | 0,033 |
EDTV após | 1,94 | 1,54 | 0,35 | 3,07 | 0,92 | 0,33 | 0,038 |
P-valor** | <0,001 | 0,040 |
*Valores significantes (p < 0,05) – teste de Mann-Whitney
**Valores significantes (p < 0,05) – teste de Wilcoxon pareado
Legenda: EDTV = Escala de Desconforto do Trato Vocal; CPV-P = Condição de Produção Vocal do Professor; DP = desvio padrão
As médias mínimas e máximas de ruído coletadas no interior das salas de aula das quatro escolas variaram entre 55,5 e 85,9 dB(A), com média geral de 70,7 dB(A). Os valores médios mínimos e máximos da intensidade vocal das professoras variaram entre 54,3 e 86,6 dB(A), sendo a média geral de 71,4 dB(A) (Tabela 2).
Tabela 2 Distribuição dos valores médios dos níveis de ruído em sala de aula e da intensidade vocal das professoras, por escola
Média dos níveis de ruído em sala de aula dB(A) | Média da intensidade vocal das professoras dB(A) | ||
---|---|---|---|
Escola 1 | Mín. | 55,5 | 59,4 |
Máx. | 84,3 | 84,7 | |
Escola 2 | Mín. | 55,8 | 59,1 |
Máx. | 85,3 | 86,6 | |
Escola 3 | Mín. | 57,2 | 54,3 |
Máx. | 85,9 | 83,6 | |
Escola 4 | Mín. | 63,6 | 64,7 |
Máx. | 84,2 | 80,8 |
Legenda: Mín. = mínimo; Máx. = máximo; dB = decibéis
Foi realizada a distribuição dos valores médios do ruído em cada sala de aula e da intensidade vocal de cada professora (Figura 2).
Figura 2 Distribuição dos valores (média) de ruídos dentro das salas de aula e da intensidade vocal (média) das professoras no momento da aula
O nível de ruído e a intensidade vocal das professoras apresentou correlação positiva moderada (p = 0,041).
No que diz respeito aos sintomas de desconforto do trato vocal, verificou-se aumento nas médias de frequência e intensidade da maioria dos sintomas após a aula (Tabela 3).
Tabela 3 Média, desvio padrão e erro padrão dos escores dos sintomas, de acordo com a frequência e intensidade observadas antes e após a aula
EDTV antes | EDTV após | P-valor | |||||
---|---|---|---|---|---|---|---|
Média | DP | Erro padrão | Média | DP | Erro padrão | ||
FREQUÊNCIA | |||||||
Queimação | 1,11 | 1,67 | 0,32 | 2,11 | 1,93 | 0,37 | 0,001* |
Aperto | 0,67 | 1,44 | 0,28 | 1,63 | 1,88 | 0,36 | 0,096 |
Secura | 2,19 | 1,94 | 0,37 | 3,56 | 1,97 | 0,38 | 0,067 |
Garganta dolorida | 1,59 | 1,76 | 0,34 | 2,33 | 2,00 | 0,38 | 0,062 |
Coceira | 1,41 | 1,95 | 0,37 | 2,07 | 2,20 | 0,42 | 0,001* |
Garganta sensível | 1,78 | 2,04 | 0,39 | 2,63 | 2,12 | 0,41 | 0,029* |
Garganta irritada | 1,85 | 1,94 | 0,37 | 2,56 | 1,89 | 0,36 | 0,001* |
Bola na garganta | 1,22 | 1,55 | 0,30 | 1,11 | 1,37 | 0,26 | 0,063 |
Subtotal | 1,48 | 1,36 | 0,26 | 2,25 | 1,51 | 0,29 | |
INTENSIDADE | |||||||
Queimação | 1,07 | 1,47 | 0,28 | 1,85 | 1,70 | 0,33 | 0,083 |
Aperto | 0,70 | 1,07 | 0,21 | 1,56 | 1,70 | 0,33 | 0,081 |
Secura | 2,44 | 2,06 | 0,40 | 3,41 | 1,82 | 0,35 | 0,064 |
Garganta dolorida | 1,63 | 1,86 | 0,36 | 2,41 | 1,89 | 0,36 | 0,001* |
Coceira | 1,48 | 1,95 | 0,38 | 1,93 | 2,04 | 0,39 | 0,001* |
Garganta sensível | 2,07 | 2,27 | 0,44 | 2,82 | 2,11 | 0,41 | 0,074 |
Garganta irritada | 2,00 | 2,02 | 0,39 | 2,85 | 1,92 | 0,37 | 0,067 |
Bola na garganta | 1,37 | 1,78 | 0,34 | 1,52 | 1,91 | 0,37 | 0,001* |
Subtotal | 1,60 | 1,44 | 0,28 | 2,29 | 1,44 | 0,28 | |
Total | 3,08 | 2,69 | 0,52 | 4,54 | 2,94 | 0,56 |
*Valores significantes (p < 0,05) – teste de qui-quadrado
Legenda: EDTV = Escala de Desconforto do Trato Vocal; DP = desvio padrão
Houve associação dos sintomas antes e após a aula para as frequências de queimação na garganta (p = 0,001), coceira na garganta (p = 0,001), garganta sensível (p = 0,029) e garganta irritada (p = 0,001). Em relação à intensidade dos sintomas, observou-se diferença entre os momentos antes e após a aula para garganta dolorida (p = 0,001), coceira na garganta (p = 0,001) e bola na garganta (p = 0,001) (Tabela 3).
Ao correlacionar a frequência e a intensidade dos sintomas de desconforto do trato vocal com a intensidade vocal das professoras, observou-se correlação positiva moderada entre a intensidade vocal e a frequência e intensidade dos sintomas de garganta sensível e bola na garganta antes da aula e garganta irritada e bola na garganta após as aulas (Tabela 4).
Tabela 4 Correlação entre a intensidade vocal e os sintomas de desconforto do trato vocal, antes e após a aula
FREQUÊNCIA | INTENSIDADE | |||
---|---|---|---|---|
ANTES DA AULA | Garganta sensível | Bola na garganta | Garganta sensível | Bola na garganta |
Valor da correlação | 0,45 | 0,40 | 0,41 | 0,47 |
P- valor | 0,021* | 0,046* | 0,038* | 0,017* |
APÓS A AULA | Garganta irritada | Bola na garganta | Garganta irritada | Bola na garganta |
Valor da correlação | 0,60 | 0,46 | 0,46 | 0,48 |
P- valor | 0,001* | 0,020* | 0,019* | 0,014* |
*Valores significantes (p < 0,05) – teste de correlação de Spearman
Esta pesquisa foi composta da aplicação de dois questionários (CPV-P e EDTV) a professoras atuantes no Ensino Fundamental I de quatro escolas de uma rede pública, bem como da medição da intensidade vocal das professoras e do ruído em sala de aula.
O resultado encontrado através do teste alfa de Cronbach para o questionário de autopercepção CPV-P apresentou boa confiabilidade, o que significa um alto nível de consistência interna. A EDTV mostrou nível de confiabilidade excelente, valor superior ao encontrado em um estudo com a mesma população e escala(4).
A composição da amostra deste estudo é semelhante à de outras pesquisas relacionadas que apresentaram participantes com média de idade próxima ao final do período de eficiência vocal(8,11,20). O tempo médio de profissão encontrado foi superior ao de outros estudos(2,8,21), sendo a carga horária inferior quando comparada à de algumas pesquisas(2,21,22), o que pode estar relacionado ao fato de a maioria das professoras do Ensino Fundamental I desta pesquisa lecionarem apenas em um período do dia.
Quanto ao ruído no ambiente escolar ser forte e desagradável, resultado semelhante foi apresentado em outras pesquisas(16,18,23). Verificou-se ainda que o ruído originado dentro da sala de aula foi mais perceptível para as professoras do que aqueles gerados externamente, o que está de acordo com estudos que relatam que o ruído interno é mais notável pelos professores do que os externos, os quais são percebidos aleatoriamente(13,24).
A referência ao distúrbio da voz feita pelas professoras foi igual à pesquisa nacional(8) e semelhante à internacional(20). Os fatores de riscos mais citados como causadores desse distúrbio também foram relatados em outro estudo(25). Autores(26) destacam que o principal fator para o surgimento de um distúrbio da voz é o uso intensivo da voz relacionado a fatores ambientais prejudiciais, como a exposição ao ruído. Nesse sentido, sabe-se que o uso intensivo da voz pode gerar sobrecarga no aparelho fonador do professor, influenciando na configuração do trato vocal e no funcionamento das pregas vocais(8).
Verificou-se que, antes do início da aula, as professoras que relataram queixa de distúrbio de voz no momento da pesquisa já apresentavam escores na EDTV significativamente maiores que as professoras sem queixa. Após a aula, os escores da EDTV permaneceram maiores em professoras com queixa de distúrbio da voz, contudo, quando comparados separadamente nos dois momentos, houve um aumento significativo nos escores tanto do grupo com ausência de distúrbio da voz quanto no das que o apresentavam (Tabela 1).
A partir do exposto, podemos inferir que condições de trabalho inadequadas, com constante exposição a ruídos em níveis elevados aferidos nas salas de aula, podem ter gerado elevação da intensidade da voz das professoras participantes desta pesquisa e, consequentemente, sobrecarga no aparelho fonador, com diminuição da extensão do trato vocal, predispondo ao desenvolvimento de sintomas vocais auditivos e sensoriais ou mesmo sinalizando quadros de distúrbios da voz(8).
Em estudo que verificou, entre outras coisas, o desconforto no trato vocal em professores com e sem queixa vocal, constatou-se que os sintomas em professores com queixa têm maior frequência e maior intensidade de desconforto no trato vocal quando comparados aos de professores sem queixa, sendo mais frequentes e intensos os de garganta irritada e garganta seca(4).
A média do ruído encontrada nesta pesquisa esteve 20,7 dB(A) acima do limite ideal de conforto acústico para salas de aula, estabelecido pela NBR 10152(19), o qual não deve ultrapassar 50 dB(A) (Tabela 2). Verifica-se que, mesmo com a existência dessa norma, os níveis de ruído estão acima do valor máximo sugerido na legislação para ambientes internos, o que pode gerar efeitos negativos tanto para o professor quanto para os alunos(16).
A intensidade vocal das professoras esteve discretamente mais elevada do que o ruído em sala de aula. Estudos mostram que o mascaramento auditivo gerado pelos níveis elevados de ruído leva ao aumento da intensidade da voz em indivíduos normais(27), fenômeno conhecido por efeito Lombard, que consiste na tendência natural de o indivíduo aumentar a intensidade vocal, como por exemplo quando há exposição a ruído, o que impede que os sujeitos escutem e compreendam a mensagem de forma adequada (Tabela 2).
Ao correlacionar a intensidade vocal das professoras e as medidas de ruído dentro da sala de aula, observou-se valor positivo moderado, ou seja, quanto maior o ruído em sala de aula, maior a intensidade vocal, levando-as à competição sonora e aumentando o esforço vocal realizado durante a aula.
A correlação positiva moderada entre o ruído e a intensidade vocal tem sido observada em outros estudos(16,23) que apresentam a exposição ao ruído juntamente com a demanda vocal excessiva e intensidade de voz elevada como fatores de risco que podem gerar sobrecarga no aparelho fonador de professores, influenciando na configuração do trato vocal (diminuição das cavidades ressoadoras supraglóticas) e nos mecanismos glóticos, tanto em termos de maior adução glótica como da modificação do modo vibratório das pregas vocais, com tendência à elevação da frequência fundamental e da intensidade vocal(8).
No que diz respeito aos sintomas de desconforto no trato vocal, observa-se que, após 4 horas de aula, as professoras apresentavam maior frequência e intensidade da maioria dos sintomas. Isso pode estar relacionado ao desgaste vocal originado pela exposição a fatores de risco prejudiciais à saúde da voz, como os níveis elevados de ruído aferidos nas salas de aula e da intensidade da voz das professoras pesquisadas.
O desgaste vocal das professoras consiste em uma sobrecarga dos mecanismos glóticos, com diminuição da extensão das cavidades ressoadoras, resultando em sintomas vocais auditivos e sensoriais ou mesmo em distúrbios da voz(8).
As professoras pesquisadas apresentaram maior frequência de queimação na garganta, coceira na garganta, garganta sensível e garganta irritada após a aula, assim como maior intensidade dos sintomas de garganta dolorida, coceira na garganta e bola na garganta na situação pós-aula (Tabela 3).
Muitas vezes, os primeiros sintomas relatados em um distúrbio da voz são garganta irritada, coceira na garganta, garganta seca e sensação de bola na garganta(28,29). Além disso, professores também costumam apresentar pigarro, tosse seca, fadiga vocal e diminuição da sua capacidade de projeção vocal, especialmente em situações de esforço vocal(30).
O estudo inicial(14) realizado para a criação da EDTV observou que existem diferenças qualitativas entre os sintomas de desconforto. Os sintomas mais presentes em indivíduos com distúrbios da voz são garganta irritada e garganta dolorida. Os sintomas de garganta seca, coceira na garganta, garganta irritada, garganta sensível e queimação na garganta relacionam-se mais à presença de alteração inflamatória e/ou tecidual na laringe e hipofaringe, enquanto que os sintomas de aperto na garganta, garganta dolorida e bola na garganta apresentam maior relação com tensão muscular na região da laringe e hipofaringe.
Dessa forma, na população estudada na presente pesquisa, observou-se aumento na frequência e intensidade da sensação de bola na garganta antes e após a ministração de aulas (Tabela 4). Considerando-se que esse sintoma possui uma maior relação com a presença de tensão muscular no trato vocal(14), pode-se inferir que os professores que utilizam uma maior intensidade vocal realizam um ajuste inadequado para aumento da intensidade, com tensão excessiva no trato vocal e elevação laríngea e que, provavelmente, mantêm tal ajuste mesmo fora da situação de uso profissional da voz(5).
Os sintomas garganta sensível e garganta irritada, que se relacionaram positivamente com a intensidade vocal nas situações pré e pós-período de aula, respectivamente (Tabela 4), costumam ser mais referidos por indivíduos que apresentam lesão tecidual e/ou inflamatória na laringe e/ou hipofaringe(14). Sendo assim, professores que utilizam maior intensidade vocal em suas atividades laborais podem apresentar um grande fator de risco para desenvolver lesões na mucosa laríngea.
Na presente pesquisa, a maior frequência e intensidade de sintomas de desconforto de trato vocal em docentes que utilizam maior intensidade vocal durante a ministração de aulas pode reforçar o papel dessa variável na gênese de um distúrbio de voz nessa categoria profissional. Também foi observada uma correlação positiva entre a intensidade dos sintomas de desconforto do trato vocal e a alteração vocal(4).
A partir da discussão supracitada, verifica-se a importância deste estudo no auxílio ao planejamento e desenvolvimento de ações educativas de promoção da saúde, como campanhas de saúde vocal para professores e de conscientização sobre a necessidade da redução dos ruídos, dentro e fora das salas de aula.
Há correlação entre a intensidade vocal das professoras e o ruído em sala de aula. As medidas de intensidade vocal também se relacionam com os sintomas de desconforto do trato vocal nas situações pré e pós-ministração de aulas. Observa-se um maior número de sintomas de desconforto após o período de 4 horas de aula, havendo uma correlação entre esse aumento e o uso de maior intensidade vocal em sala de aula.