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Vulnerabilidade legislativa de grupos minoritários

Vulnerabilidade legislativa de grupos minoritários

Autores:

Carlos Eduardo Artiaga Paula,
Ana Paula da Silva,
Cléria Maria Lôbo Bittar

ARTIGO ORIGINAL

Ciência & Saúde Coletiva

versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561

Ciênc. saúde coletiva vol.22 no.12 Rio de Janeiro dez. 2017

http://dx.doi.org/10.1590/1413-812320172212.24842017

Introdução

Para fins deste estudo, minoria refere-se a um grupo humano ou social que esteja em uma situação de inferioridade ou subordinação em relação a outro, considerado majoritário ou dominante. Essa posição de inferioridade pode ter como fundamento diversos fatores, como socioeconômico, legislativo, psíquico, etário, físico, linguístico, de gênero, étnico ou religioso. Em outras palavras, minorias são “um grupo não dominante de indivíduos que partilham certas características nacionais, étnicas, religiosas ou linguísticas, diferentes das características da maioria da população”1. Ou, também, são “todos os grupos sociais que são considerados inferiores e contra os quais existe discriminação”2.

Vale destacar que as minorias nem sempre são, em termos numéricos, em quantidade inferior. Séguin2 traz a constatação de que a mulher e os pobres são grupos minoritários, embora sejam a maioria na sociedade. Os idosos correspondem a uma parcela relevante da população mundial (8%), mas é uma minoria. Logo, o fator numérico não é capaz de caracterizar uma minoria e sim a posição de subordinação e inferioridade que se encontra em uma determinada sociedade.

O fato de se encontrarem em uma posição desprivilegiada no seio social faz com que as minorias também estejam em uma condição de vulnerabilidade. Como noção geral, vulnerabilidade consiste em um grau de suscetibilidade das pessoas em adquirir problemas de saúde3. A vulnerabilidade se distingue do risco, pois este são probabilidades ou chances de alguém adoecer ou morrer em razão de um agravo de saúde. “A vulnerabilidade expressa os potenciais de adoeci- mento, de não adoecimento e de enfrentamento, relacionados a todo e a cada indivíduo”3. Compreender a vulnerabilidade não implica em observar quantitativamente aspectos estatísticos e probabilísticos, mas sim analisar de uma forma ampla e universal quais questões sociais ou individuais afetam saúde e como enfrentá-las4.

Na óptica de Nichiata et al.4, grupos vulneráveis são pessoas que se encontram expostas a agravos ou com deficiências que as tornam suscetíveis de adquirir abalos na saúde. As pessoas possuem “um limiar de vulnerabilidade que, quando ultrapassado, resulta em adoecimento”4. Nichiata et al.4 exemplificam, como grupos vulneráveis, os “jovens e idosos, mulheres, minorias raciais, pessoas com pouco suporte social, pouco ou nenhum acesso à educação, baixa renda e desempregados”4. Pode-se, então, observar que a vulnerabilidade na saúde está relacionada a elementos, como idade, raça, etnia, pobreza, escolaridade, suporte social, dentre outros.

Os referidos grupos minoritários encontram- se em consonância com a pesquisa desenvolvida pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada -Ipea5. Esta consistiu em um estudo sobre as conferências nacionais de minorias e seu impacto em ações tanto do Executivo quanto do Legislativo. Para tanto, aquele estudo constatou a existência de 9 (nove) grupos minoritários, quais sejam: idosos, pessoas com deficiência, LGBT (lésbicas, gays, bisexuais, travestis, transexuais e transgêneros), mulheres, crianças e adolescentes, negros e outras minorias étnicas e religiosas, jovens e brasileiros no exterior.

Logo, os grupos minoritários, descritos pelo Ipea5 assemelham-se aos grupos vulneráveis descritos por Nichiata et al.4 e, dentre os apontados, os seguintes foram adotados nesse estudo, a saber: idosos, pessoas com deficiência, LGBT, índios, mulheres, crianças e adolescentes.

Ocorre que a análise da vulnerabilidade é muito ampla, pois pode se dar em diversos âmbitos, por exemplo, nas relações de trabalho, nas políticas públicas, no acesso à saúde e à educação entre outros, mesmo porque, segundo Bertolozzi et al.3, é ínsito ao conceito de vulnerabilidade a multidisciplinaridade, pois, como a saúde é algo complexo, são necessários diversos pontos de vista para analisar e enfrentar a questão como um todo, evitando-se, dessa forma, ações e tarefas pontuais, insuficientes para modificar o problema.

O presente estudo limita-se a analisar a vulnerabilidade sob o ponto de vista legislativo, ou seja, em relação às leis que regulamentam, asseguram e protegem os direitos dessas minorias, verificando se esta proteção jurídica pode ser considerada “forte” ou “fraca”. Por proteção jurídica “forte”, entende-se aquela que contempla de modo amplo as cinco seguintes áreas jurídicas: cível, processual, penal, administrativa e trabalhista. E por “fraca” entende-se aquelas que não possuem normas em todas as categorias mencionadas.

Visa-se ainda categorizar e estabelecer graus de proteção legislativa a esses grupos, buscando- se reconhecer algumas de suas idiossincrasias.

Metodologia

Trata-se de uma pesquisa qualitativa em que foi feita a análise documental de trinta (30) leis de âmbito federal. As referidas legislações foram identificadas após a consulta ao Vade Mecum6, no intuito de se conhecer as principais leis no âmbito federal que protegem e regulamentam os direitos desses grupos minoritários. Deve-se esclarecer que o Vade Mecum é uma coletânea das principais leis federais, periodicamente atualizado, desenvolvido e reconhecido por estudiosos do direito e publicado por diversas editoras.

As leis, em seguida, foram organizadas e agrupadas em cinco categorias: cível, criminal, administrativo, processual e trabalhista. Essas categorias foram escolhidas por serem as basilares no sistema jurídico nacional e usadas como fundamento para as outras mais específicas. Logo, outras áreas do direito, como, ambiental, financeiro, tributário, previdenciário e demais, não foram consideradas neste estudo.

A primeira categoria, cível, comportaram o conjunto de dispositivos que se fazem presente no: Código Civil (CC7) e na Lei dos Registros Públicos (Lei 6.015/738). Na criminal, tem-se: Código Penal (CP), Lei de Execução Penal (Lei 7.2 1 0/19849) e Lei das Contravenções Penais (Decreto-lei n.° 3.688/194110). Na área administrativo, as leis: Lei do Processo Administrativo Federal (Lei 9.784/9911), Estatuto do Servidor Público (Lei 8.112/9012) e Lei da Prioridade a atendimento (Lei 10.048/0013). Na processual (civil e penal), tem- se: Código de Processo Civil (CPC14), Código de Processo Penal (CPP), Leis dos Juizados Especiais (Lei 9.099/9515, 10.259/0116 e Lei 12.153/200917), Lei da Ação Civil Pública (Lei 7.347/198518), Lei da Ação Popular (Lei 4.717/6519) e Lei do Mandado de Segurança (Lei 12.016/200920). Por fim, a trabalhista está composta da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e da Lei da Discriminação no Emprego (Lei 9.029/9521).

Além das leis mencionadas no Quadro 1, foram analisadas as da ação popular19, a do mandado de segurança20 e dos juizados especiais, tanto da justiça estadual10 quanto da federal16, e das varas de fazenda pública17, mas não foram localizados nenhum dispositivo legal que se vinculassem a uma proteção das minorias em análise.

Quadro 1 Dispositivos legais organizados nas cinco áreas jurídicas. 

Grupos minoritários Cível Criminal Administrativo Processual Trabalhista
Idoso CC: Art. 1.736, II. CF: Art. 203, V; 229; 230. CP: Art. 61, II, h; 121, § 4°; 121, § 7°, II; 133, III; 140, § 3°; 141, IV; 148, § 1°, I; 159, § 1°; 171, § 4°; 183, III; 203, § 2°; 207, § 2°; 244. 7.210/1984 9: Art.. 32, § 2°; 82, § 1°. 3.688/41 10: Art. 21, par. único. 10.048/00 15: Art. 1° a 3° CPC: Art. 53, III, e; 1048, I. X
Mulher CC: Art. 1736, I. CP: Art. 37; 61, II, f e h; 121, VI; 125; 203, § 2°; 207, § 2°. 7.210/1984 9: Art.. 14, § 3°; 19, 77, § 2°; 82, § 1°; 83, § 2°; 89, I, II; 117, IV; 152. CF: Art. 40, § 1°, II, a, b. 8.112/90 14: Art 69, par. único; 102, a; 185, e; 207. 10.048/00 15: Art. 1° a 3° X CF: Art. 7°, XX. CLT: Art. 198; 373-A; 389, II, III, § 1°; 390; 390-E; 391, par. único; 391-A; 392, § 3°; 392; 393; 394; 394-A; 395; 396; 397.
Criança/adolescente CC: Art. 1.740, III. CF: 227, 228, 229. CF: 5°, L. CP: Art. 27; 61, II, h; 111, V; 135; 148, § 1°, IV; 149, § 2°, I; 149-A, § 1°, II; 159, § 1°; 203, § 2°; 207, § 2°; 213, § 1°; 217-A; 218; 218-A; 218-B; 225, par. único; 227, § 1°; 230, § 1°; 244; 245; 247; 248; 249; 288, par. único. 7.210/1984 9: Art. 52, III; 89; 117, IV. 3.688/41 10: Art. 19, b, c; 50, § 1°. 8.112/90 14: Art. 83; 97, b; 98, § 2°, § 3°; 99, par. único; 196; 197, I; 208; 209; 210, par. único; 217, IV; 217, § 3°; 241, par. único. CPC: Art. 189, II; 725, III; 1.048, II. CPP: Art. 313, III; 318, V e VI. CF: Art. 7°, XXV. CLT: Art. 429, § 2°; 389, § 1°; 392-A.; 397; 399; 400; 403; 405, § 2°, § 4°; 406; 409; 415; 416; 417, III; 422; 424; 425; 427, par. único; 430, II; 434; 440; 544, IX; 792.
Deficiente CC: Art. 1.550, § 2°, 1.779 a 1783- A. CF: 208, III; 227, § 1°, II e § 2°; 244. CP: Art. 121, § 7°, II; 129, § 11; 140, § 3°; 141, IV; 149-A, § 1°, II; 203, § 2°; 207, § 2°; 217-A, § 1°; 218-B. 7.210/1984 9: Art. 32, § 3°; 117, III. CF: Art. 40, § 4°, I. 9.784/99 13: Art. 69-A, II. 8.112/90 14: Art. 5o, § 2°; 98, § 2°, § 3°; 217, c, d. 10.048/00 15: Art. 1° a 5° CF: Art. 100, § 2°. CPC: Art. 199. CPP: Art. 313, III; 318, III. CF: Art. 7°, XXXI. CLT: Art. 428, § 3°, 6° §, 5° §, 8° §; 433, I; 461, 4° §.
Índio 6.015/73 8: Art. 50, § 2°; 246, § 2° e § 3°. CF: 209, § 2°; 215, § 1°, 231 e 232. CP: Art. 203, § 2°; 207, § 2°. X CF: 129, V; 232 X
Negro CF: Art. 215, § 1°. CP: Art. 140, § 3°; 149, § 2°, II. CF: Art. 5°, XLII. X 7.347/85 18: Art. 1°, VII; 5°, b; 13, § 2°. X
LGBT X X X X X

Em seguida, cada uma das leis foi acessada no site oficial da União (planalto.gov). Optou-se pelo acesso direto no site da Internet, a fim de se obter a versão atualizada do diploma legislativo. Em seguida, foi realizada a leitura das leis, buscando-se pelas normas que se referissem aos sete grupos minoritários. Foram consideradas apenas aquelas normas e dispositivos que conferiam proteção específica aos sete grupos minoritários. Por proteção específica, compreende-se aquela que assegura prerrogativas legais em razão de ser uma minoria.

Embora a presente organização das leis nas cinco áreas tenha sido adotada para fins do presente estudo, ressalta-se que a Constituição Federal contempla outros dispositivos legais de áreas distintas. Observa-se que há leis específicas como a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/0622), Lei da notificação compulsória de violência contra a mulher (Lei 10.778/0323), Lei dos Alimentos Gravídicos (Lei 11.804/0824), Estatuto do Idoso (Lei 10.741/0325), Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/9026), Estatuto do Deficiente (Lei 13.146/201527), Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (Decreto 6.949/200928), Estatuto do Índio (Lei 6.001/7329), Lei da Fundação do Índio-FUNAI (Lei 5.371/6730), Estatuto da Igualdade Racial (Lei 12.22 8/20 1 031), Lei dos crimes contra preconceito de raça ou de cor (Lei 7.716/8932) e a Lei 9.029/9521, referente à proibição de discriminação no emprego, que não estão apresentadas no Quadro 1, por contemplarem todas as prerrogativas de tutelas das minorias adotadas nesse estudo, exceto o grupo LGBT.

A partir dessa organização previamente constituída foi possível classificar os tipos de proteção legislativa as quais estes grupos minoritários estão sujeitos, como “fraca” ou “forte”, segundo critérios previamente estipulados, adotando-se o método hermenêutico para a análise e interpretação destes.

Resultados

Em um primeiro momento, foram organizados os artigos de lei que se relacionavam aos direitos das minorias nas cinco áreas jurídicas (cível, criminal, administrativo, processual e trabalhista), adotadas para análise neste estudo, conforme Quadro 1.

Observou-se, inicialmente, que o idoso possui uma legislação própria que é o Estatuto do Idoso, que já contempla normas que atendem às cinco categorias elencadas. Além de possuir lei própria, há a prioridade integral na tramitação que abrange processos judiciais e administrativos25. É possível, para assegurar o direito daqueles com idade igual ou superior a sessenta anos, decretar a prisão preventiva do acusado criminalmente (art. 313, inc. III, CPP33). Ainda, destaca-se a ampla legitimidade de órgãos para atuar na defesa dos direitos do referido grupo minoritário em demandas coletivas, difusas etc. (art. 81 e 8225), além da intervenção no Ministério Público (MP).

Quanto à atuação do MP, destaca-se o art. 87 do Estatuto do Idoso25 que estabelece que, caso haja uma sentença judicial impondo uma condenação ao Poder Público e o idoso não promover a execução, o Ministério Público deverá fazê-lo em 60 (sessenta) dias.

Também se destaca, no aspecto criminal, a existência de penalidades mais severas quando o crime é praticado contra o idoso. No Código Penal, destaca-se o estelionato (art. 171, § 4°), a frustração de direito trabalhista (art. 207) e o crime de aliciar pessoas para diversas finalidades (art. 149-A)34. No âmbito trabalhista, os arts. 26 a 28 do Estatuto do Idoso25 proíbem a discriminação laboral do idoso, estabelece prioridade do critério da idade para o desempate em concursos públicos e fomenta programas de estímulo ao trabalho na velhice.

As mulheres dispõem de um estatuto, que é a Lei “Maria da Penha”22 que regulamenta, no âmbito criminal, processual e administrativo seus direitos na situação de violência doméstica. Destaca-se, ainda, no âmbito processual, a possibilidade de decretação de prisão preventiva para assegurar o direito da mulher (art. 313, inc. II do CPP)33. Civilmente, destaca-se a proteção da mulher gestante, notadamente por meio de alimentos gravídicos24. No âmbito penal, há crimes mais severamente punidos quando praticados contra a mulher, em que se destaca o feminicídio (art. 121, IV), a frustração de direito trabalhista (art. 203 do CP), aliciar trabalhadores para outra localidade (art. 207 do CP)34 e, ademais, a Lei 10.778/0323 estabelece a necessidade de notificação compulsória nos casos de violência contra a mulher que for atendida em serviços de saúde públicos e privados23.

Por fim, no âmbito trabalhista, são amplas as normas jurídicas de proteção à mulher em respeito aos limites físicos (limite no carregamento de peso), proibição de discriminação, além de proteção à gestação e também à amamentação no ambiente de trabalho, estabelecidos sobretudo nos artigos 389 e seguintes da CLT35.

Quanto às crianças e aos adolescentes, estes possuem um diploma legislativo próprio que é a Lei 8.069/9026, cujos dispositivos legais contemplam as cinco categorias de análise elencadas neste estudo.

Contudo, destaca-se, no âmbito processual, a possibilidade de se decretar a prisão preventiva para assegurar o direito da criança e do adolescente (art. 313, inc. III do CPP33). Na seara criminal, notadamente no CP, há crimes com penas mais graves quando praticados contra membros desse grupo minoritário, tais como os tipificados pelos arts. 149-A, 203 e 20734. Ainda, há, no âmbito laboral, toda uma regulamentação própria de proteção à criança e ao adolescente.

Em relação aos deficientes, estes possuem uma lei específica que é de n.° 13.146/201527 (Estatuto da Pessoas com deficiência) com normas jurídicas de diversas áreas. Ainda, há a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (Decreto n.° 6.949, de 25 de agosto de 2009)28, que foi ratificado no Brasil na forma de emenda à Constituição. Logo, possui um status superior, quando comparado às demais normas do sistema jurídico brasileiro. As mencionadas leis por si só já atendem às cinco categorias elencadas neste estudo.

Destaca-se, contudo, no âmbito penal, crimes com penas mais graves, caso praticados contra deficientes (art. 149-A, 203 e 207)34 e, no âmbito processual, a possibilidade de decretação de prisão preventiva para assegurar o direito do deficiente (art. 313, inc. III, CPP)33. Na área trabalhista, a proteção é garantida para evitar discriminações no trabalho e também fomentar a contratação desse grupo minoritário35. Por fim, no âmbito administrativo, destaca-se a existência de vagas em concursos públicos reservadas para deficientes físicos12 e a prioridade no atendimento prestado pelo serviço público13.

A população indígena também possui um diploma legislativo próprio que é o estatuto do índio, que contempla as cinco categorias analisadas. Há ainda crimes mais severamente punidos quando praticados contra o índio, tais como os previstos nos arts. 203 e 207 do CP34. Ainda quanto ao índio, no âmbito administrativo, destaca-se a Lei n° 5.371 que criou a Fundação Nacional do Índio-FUNAI30, que é o órgão administrativo de proteção aos interesses indígenas.

Em relação à população negra, esta possui uma legislação específica própria que é o Estatuto da Igualdade Racial31. Nele, leis de cunho civil, administrativo e trabalhista garantem o direito dessa minoria.

Destaca-se, ainda, no âmbito criminal, o art. 5°, XLIII da CF36 que estabelece ser o crime de racismo inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão nos termos da lei. Ademais, a lei 7.716/8932 estabelece os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor.

Já no âmbito trabalhista, é relevante consignar a lei 9.029/95, que proíbe práticas discriminatórias, tanto para admissão quanto permanência no trabalho21. Ela se aplica não apenas à questão racial, mas de sexo, origem, estado civil, situação familiar, deficiência, reabilitação profissional, idade, entre outros (art. 1° da referida lei). Finalmente, no âmbito processual, destacase a Lei da Ação Civil Pública (7.347/85)18, que estabelece a possibilidade de ajuizar esse tipo de ação para proteção da honra e dignidade de grupos raciais.

A população LGBT, diferente das demais categorias, encontra-se, no âmbito federal, à margem da lei, ou seja, não há legislações assegurando, de forma direta, os direitos dessa população nas cinco categorias analisadas. Apesar de se ter observado a existência de normas no âmbito estadual, a partir da informação obtida no Ministério dos Direitos Humanos37, a criação de uma lei protetiva para a categoria é de competência do âmbito federal, que ainda não foi editada. Contudo, no Brasil, houve avanços em assegurar o direito de união estável e casamento dessa população, c4 como o direito à adoção, em razão de decisões judiciais, referendadas por normativas do Conselho Nacional de Justiça. Porém, crimes cometidos contra a categoria LGBT são julgados da mesma forma que qualquer outro, sem prerrogativas processuais penais ou agravamentos de pena. A inexistência de leis, regulamentando a questão, fica, muitas vezes, a critério do Juiz, que diante do caso concreto, tem que decidir a questão, o que leva o caso a uma incerteza jurídica, pois há fortes divergências interpretativas entre os magistrados.

Discussão

Dos grupos analisados, é possível concluir que existe uma ampla regulamentação de lei que perpassa as esferas civil, criminal, administrativa, trabalhista e processual. Logo, a regulamentação jurídica desses grupos pode ser considerada como “forte”, segundo os critérios inicialmente adotados. A única exceção é quanto ao grupo LGBT, que apresenta poucos direitos regulamentados legislativamente, sendo que, para esse grupo a regulamentação legislativa é considerada fraca.

Essa conclusão está em dissonância com a característica da vulnerabilidade jurídico-social, estabelecida por Sodré38. Segundo o autor, as minorias, compreendidas como “uma recusa de consentimento, uma voz de dissenso em busca de uma abertura contra-hegemônica no círculo fechado das determinações societárias”38, possuem quatro características principais que são: 1) a identidade in statu nascendi; 2) a luta contra-hegemônica, 3) estratégias discursivas e 4) a vulnerabilidade jurídico-social.

A característica da identidade in statu nascendi implica que as minorias são uma entidade em formação, pois, ainda que já exista há anos, está em eterno recomeço e reformulação. Quanto à luta contra-hegemônica, a minoria visa diminuir o poder hegemônico e, quanto às estratégias discursivas, implica que as minorias lutam, não com armas, mas com os meios sociais legítimos, como passeatas, invasões episódicas, gestos simbólicos, manifestos, revistas, jornais etc., visando o reconhecimento social e a consagração de direitos.

Por fim, quanto à vulnerabilidade jurídico social, as minorias, por não serem institucionalizadas pelas regras do sistema jurídico social vigente, encontram-se marginalizadas da legitimidade institucional e das políticas públicas. Portanto, para o autor, essas minorias podem ser consideradas grupos vulneráveis, pois demandam um reconhecimento social que não possuem.

Tal característica está em contraposição com a conclusão deste estudo, pois as minorias não se encontram à margem da lei, já que possuem diversos direitos regulamentados, embora não se possa afirmar que a totalidade dos interesses desses grupos encontra-se legislativamente prevista. Essa pesquisa, portanto, está em conformidade com o pensamento de Sarlet39, o qual afirma que o grande desafio da atualidade não consiste em regulamentar ou reconhecer direitos, mas, sim, efetivá-los na realidade social, o que se aplica às minorias.

O fato dos direitos dos grupos minoritários estarem previstos em lei (e não em atos infralegais, como as políticas públicas) somente reforça a conclusão de que a sua proteção jurídica pode ser caracterizada como ‘forte’, exceto no caso específico da população LGBT, que carece de proteção específica de seus direitos, em todas áreas jurídicas consideradas. Couto e Lima40 observaram que, quando uma política pública apresenta baixo grau de resiliência, é importante que ela seja constitucionalizada, isto é, convertida em uma lei constitucional, que garanta, em princípio, a sua continuidade. Logo, legalizar políticas públicas gera, então, uma estabilidade, na medida em que as mudanças de governo e de gestão não podem, a bel arbítrio, alterá-las. Para tanto, é necessário a criação de uma nova lei, alterando a anterior, o que exige um trâmite político lento e burocrático, o qual envolve interesses diversos e inclusive a possibilidade de ingerência pelo Poder Judiciário. Portanto, quando legalizada, tende-se a se manter a política, privilegiando o status quo.

Couto e Lima40 asseveram que a característica da estabilidade não pode ser interpretada apenas de forma positiva, pois pode ser usada por grupos económicos para fazer valer seus interesses ou preferências políticas, independentemente das mudanças governamentais, conclusão esta que não se aplica aos direitos das minorias, cujo reconhecimento gera um aprimoramento na dignidade humana dos grupos marginalizados sem relação direta a interesses dos detentores do capital.

O fato dos direitos estarem previstos em lei também fortalece a característica das “estratégias discursivas”, apontada por Sodré38, uma vez que a previsão legislativa abre um leque maior de meios legítimos para que as minorias exijam seus direitos, notadamente mediante a intervenção do Poder Judiciário, o qual possui a prerrogativa de intervir, caso haja um descumprimento legal (art. 5°, XXXV, CF)36.

Contudo, a característica da vulnerabilidade jurídico-social, descrita por Sodré38, encontra-se em consonância com o grupo LGBT, pois a falta de leis protetivas desse grupo minoritário o tornam vulneráveis sob o aspecto legislativo. Logo, o exercício de seus direitos tem sido submetido pelo Judiciário, cuja intervenção apresenta peculiaridades, sobretudo porque as decisões, em regra, apresentam amplo grau de variabilidade e, por isso, o que se aplica a um caso não se aplica, necessariamente, a outro. Ademais, as decisões judiciais, em regra, não vinculam a administração pública como um todo nem garantem a estabilidade das relações sociais. Logo, é possível resgatar e aplicar integralmente o entendimento de Sodré38 de que o grupo LGBT se encontra a margem da lei.

Embora os grupos analisados faticamente sejam considerados vulneráveis, o que faz exigir uma especial proteção do Estado, o amparo legislativo dado a eles não é homogêneo.

Logo, no âmbito legal, há uma discriminação dessas categorias. Isso ocorre porque, em tese, todos serão idosos, mas nem todos serão, por exemplo, integrantes do grupo LGBT. Isso faz inferir que, até nas leis que abrangem os grupos minoritários, há a interferência da posição de grupos majoritários que dominam o campo político. Nesse sentido, Trevizan e Amaral41 concluem que “intuitivamente se percebe que é hierarquicamente mais importante atender os grupos vulneráveis, no caso dos idosos, do que a minoria que são os índios”, evidenciando o reconhecimento em pesquisas quanto à discriminação entre as categorias.

Por fim, o presente trabalho tem como escopo nortear futuros estudos que podem ser desenvolvidos no âmbito federal e estadual e ainda analisar o grau de descompasso entre a realidade e a previsão legislativa dos direitos das minorias.

REFERÊNCIAS

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12. Brasil. Lei n° 8.112, de 10 de Dezembro de 1990. Dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais. Diário Oficial da União 1990; 19 abr.
13. Brasil. Lei n° 10.048, de 8 de Novembro de 2000. Dá prioridade de atendimento às pessoas que especifica, e dá outras providências. Diário Oficial da União 2000; 9 nov.
14. Brasil. Lei n° 13.105, de 16 de Março de 2015. Código de Processo Civil. Diário Oficial da União 2015; 17 mar.
15. Brasil. Lei n° 9.099, de 26 de Setembro de 1995. Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências. Diário Oficial da União 1995; 27 set.
16. Brasil. Lei n° 7.347, de 24 de Julho de 1985. Disciplina a ação civil pública. Diário Oficial da União 1985; 25 jul.
17. Brasil. Lei n° 4.717, de 29 de Junho de 1965. Regula a ação popular. Diário Oficial da União 1965; 5 jul.
18. Brasil. Lei n° 12.016, de 7 de Agosto de 2009. Disciplina o mandado de segurança individual e coletivo e dá outras providências. Diário Oficial da União 2009; 10 ago.
19. Brasil. Lei n° 9.029, de 16 de Abril de 1995. Proíbe a exigência de atestados de gravidez e esterilização, e outras práticas discriminatórias, para efeitos admissionais ou de permanência da relação jurídica de trabalho, e dá outras providências. Diário Oficial da União 1995; 17 abr.
20. Brasil. Lei n° 10.259 de 12 de Julho de 2001. Dispõe sobre a instituição dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal. Diário Oficial da União 2001; 13 jul.
21. Brasil. Lei n° 12.153, de 22 de Dezembro de 2009. Dispõe sobre os Juizados Especiais da Fazenda Pública no âmbito dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios. Diário Oficial da União 2009; 23 dez.
22. Brasil. Lei n° 11.340, de 7 de Agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Diário Oficial da União 2006; 8 ago.
23. Brasil. Lei n° 10.778, de 24 de Novembro de 2003. Estabelece a notificação compulsória, no território nacional, do caso de violência contra a mulher que for atendida em serviços de saúde públicos ou privados. Diário Oficial da União 2003; 25 nov.
24. Brasil. Lei n° 11.804, de 5 de Novembro de 2008. Disciplina o direito a alimentos gravídicos e a forma como ele será exercido e dá outras providências. Diário Oficial de União; 6 nov.
25. Brasil. Lei n° 10.741, de 1 de Outubro de 2003. Dispõe sobre o Estatuto do Idoso e dá outras providências. Diário Oficial da União 2003; 3 out.
26. Brasil. Lei n° 8.069 de Julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Diário Oficial da União 1990; 27 set.
27. Brasil. Lei n° 13.146, de 6 de Julho de 2015. Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência). Diário Oficial da União 2015; 7 jul.
28. Brasil. Decreto n° 6.949, de 25 de Agosto de 2009. Promulga a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova York, em 30 de março de 2007. Diário Oficial da União 2009; 26 ago.
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30. Brasil. Lei n° 5.371, de 5 de Dezembro de 1967. Autoriza a instituição da “Fundação Nacional do Índio” e dá outras providências. Diário Oficial da União 1967; 6 dez.
31. Brasil. Lei nª 12.228, de 20 de Julho de 2010. Institui o Estatuto da Igualdade Racial. Diário Oficial da União 2010; 21 jul.
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