versão impressa ISSN 1808-8694versão On-line ISSN 1808-8686
Braz. j. otorhinolaryngol. vol.82 no.3 São Paulo mai./jun. 2016
http://dx.doi.org/10.1016/j.bjorl.2015.04.005
Pacientes com zumbido pulsátil (ZP) devem ser avaliados com critérios diferentes daqueles que apresentam zumbido neurossensorial, pois esta característica sugere, na maioria das vezes, etiologia específica (tabela 1). A causa mais comum de ZP vascular é a doença aterosclerótica, devido às mudanças do fluxo endovascular que passa de laminar a turbulento e gera o som percebido pelo paciente.1,2 O uso de métodos anticoncepcionais tem se popularizado e os efeitos colaterais da exposição aos hormônios deve sempre ser considerada.3
Tabela 1 Causas de zumbido pulsátil
Vascular | |
Arterial | Doença aterosclerótica; carótida aberrante na orelha média; deiscência da carótida interna na orelha média; persistência da artéria estapediana; "loop" vascular intrameatal |
Venoso | "Hum" venoso; bulbo jugular deiscente ou alto na orelha média |
Tumores | Paraganglioma; malformações arteriovenosas |
Muscular | |
Mioclonia | Palato mole; musculatura da faringe; músculos da orelha média |
Tuba auditiva | Tuba auditiva patente |
Síndrome da Terceira Janela | Deiscência de canal semicircular superior; síndrome do aqueduto vestibular alargado; fístula perilinfática |
O objetivo deste estudo foi relatar o caso de uma paciente que apresentou zumbido pulsátil relacionado ao progestágeno (levonorgestrel) de dispositivo intrauterino.
C.L.P., 32 anos, feminino, caucasiana, natural de SP, foi atendida com queixa de zumbido pulsátil em orelha direita há cerca de um ano, síncrono com o batimento cardíaco. Relaciona o início dos sintomas meses após o nascimento de seu filho. Negava trauma craniano, tontura ou perda auditiva. Não consegue dormir devido à intensidade do zumbido (Nota 8 na escala visual analógica, EVA). Referia discreto inchaço vespertino de membros inferiores. Antecedentes pessoais: negava doenças sistêmicas como hipertensão arterial, diabetes, hiper ou hipotireoidismo. Em uso de dispositivo intrauterino (DIU) há cerca de seis meses.
Ao exame físico, apresentava-se normotensa e com otoscopia normal bilateral. Referia diminuição do zumbido à manobra de compressão cervical sobre os grandes vasos à direita, mas sem variação à rotação da cabeça. Ausência de frêmitos ou sopros à ausculta cervical com estetoscópio. Exames laboratoriais: hemoglobina 14 g/dL, hematócrito 41%. Colesterol total e frações, triglicérides e hormônios tireoidianos normais. Audiometria tonal e vocal e imitanciometria normais.
Foi submetida à avaliação por imagem (ultrassonografia com Doppler de carótidas e vertebrais, tomografia de ossos temporais, ressonância magnética de orelhas internas e angiorressonância craniana), sem alterações (fig. 1).
Figura 1 Ressonância magnética (A), angiorressonância (B) e tomografia computadorizada de ossos temporais em corte coronal (C) e axial sem alterações vasculares que justificassem a queixa de zumbido pulsátil.
Uma vez descartadas as causas mais frequentes de ZP de origem vascular, foi feita a hipótese de relação com o progestágeno do dispositivo intrauterino. A paciente foi orientada quanto à causa do zumbido e medicada com betabloqueador (metoprolol 50 mg/dia), apresentando melhora significativa do sintoma, passando a dormir melhor (zumbido nota 3 na EVA). Suspendeu a medicação após dois meses, com aumento da intensidade do zumbido. Como a paciente mantinha alto grau de incômodo, foi sugerida a retirada do DIU, com remissão completa do zumbido.
O levonorgestrel é um progestágeno (progesterona sintética) amplamente utilizado como contraceptivo hormonal de eficácia e segurança já definidos. As vias de administração possíveis são a oral e o implante intrauterino.4
A progesterona em quantidades maiores aumenta a reabsorção de sódio, cloreto e água nos túbulos renais distais, com consequente mudança da crase sanguínea, sua dinâmica e fluxo endovascular. A investigação com métodos de diagnóstico por imagem, como ultrassonografia com Doppler, ressonância magnética e angiorressonância, são os métodos mais indicados.2,5 Neste caso, a ausência de lesões que pudessem justificar o ZP reforçaram a hipótese de alteração da hemodinâmica secundária ao uso do levonorgestrel.
Apesar de a orelha interna ser muito suscetível a alterações e variações hormonais, não acreditamos que seja esse o mecanismo de geração do zumbido, já que não foram identificados receptores específicos para progesterona na cóclea.3 O uso de anticoncepcionais orais foi relacionado a distúrbios vestibulares com alteração do exame vestibular e zumbido,5 mas não localizamos trabalhos com dispositivos intrauterinos na revisão da literatura.
A grande diversidade de diagnósticos relacionados ao ZP requer uma investigação minuciosa, que demanda tempo e recursos financeiros.1,6 A revisão da Academia Americana de Otorrinolaringologia (AAO-HNS) recomenda a investigação em casos de zumbido unilateral, zumbido pulsátil, anormalidades neurológicas focais (sintomas neurológicos focais) ou perda auditiva assimétrica.7
Dos fatores que poderiam estar associados à geração do zumbido pulsátil de origem vascular no presente caso, destacamos a hipertensão arterial, doença aterosclerótica, alteração dos hormônios tireoidianos ou da crase sanguínea e as alterações da dinâmica do fluxo endovascular por retenção de líquido relacionado ao progestágeno. Como os exames clínicos e subsidiários (laboratoriais e por imagem) afastaram as primeiras causas e houve melhora do sintoma com o uso de betabloqueador em baixa dose, sugerimos suspender o uso do contraceptivo. A melhora do zumbido logo após a retirada do dispositivo intrauterino nos fez inferir que o progestágeno estava relacionado com a sua geração, mesmo sem termos reintroduzido a droga para avaliação de seu efeito.
A investigação do ZP com métodos de diagnóstico por imagem deve ser criteriosa, em busca de lesões que justifiquem sua geração e que possuem tratamento específico. Os dados clínicos e a história do paciente são igualmente importantes para estabelecer o diagnóstico. Os efeitos colaterais das medicações contraceptivas devem ser considerados como possíveis causadores de zumbido pulsátil.