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As células T podem ajudar a manter a imunidade duradoura contra Covid-19? | Colunistas

As células T podem ajudar a manter a imunidade duradoura contra Covid-19? | Colunistas

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Aprenda mais sobre relação entre as células T e a covid-19!

Os estudos atuais mostram que uma resposta imune modulada contra o SARS-CoV-2 se dá pela produção coordenada de citocinas pró-inflamatórias (IFN-γ e TNF-α) e anti-inflamatórias (IL-10), a qual, junto com a atuação celular e das imunoglobulinas (Ig), corroboram para o combate efetivo contra o vírus.  

O tempo e a importância da manutenção de uma imunidade duradoura contra a Covid-19 são objeto de pesquisas que podem proporcionar uma prevenção e até tratamento para essa doença: afinal, qual o papel das células T nesse contexto?

O papel das células T

As células T são importantes reguladoras da imunidade celular e humoral. A resposta mais eficaz contra uma variedade de infecções virais é a ativação da resposta imune celular, especialmente através da ativação dessas células. Mas como ocorre com o SARS-CoV-2?

Após a entrada do vírus no corpo humano, há uma ativação da imunidade inata e das células dendríticas (CD), que irão conduzir a indução de células T e células B específicas contra esse patógeno.

Essas células T são recrutadas a partir de um conjunto de células T pré-existentes e formadas aleatoriamente, capazes de reconhecer epítopos virais específicos.

Além disso, se diferenciam em uma variedade de tipos de células efetoras adaptadas para controlar o organismo invasor, que geralmente incluem células T CD4, que induzem células B a produzir anticorpos de alta afinidade capazes de neutralizar o patógeno, e células T CD8 + citotóxicas que matam as células infectadas pelo vírus. Abaixo, temos resumidamente como esse processo se dá em pequena escala:

Imagem 1: Fluxograma da imunidade contra o SARS-CoV-2 / Fonte: adaptação da autora da imagem trazida no artigo “Not just antibodies: B cells and T cells mediate immunity to COVID-19”.

A imunidade duradoura

Felizmente, já foi demonstrado em resultados pré e pós-clínicos de testes em humanos que as vacinas aprovadas para uso na maioria dos países contra a Covid-19 geram anticorpos neutralizantes específicos do vírus por vários meses após a vacinação.

Além deles, há a respostas de células T específicas contra o vírus, que ainda precisam de mais estudos para se determinar o exato tempo de ação. Tendo como base a resposta contra o SARS-CoV-1, por exemplo, as células T geradas contra esse vírus permaneceram detectáveis ​​17 anos depois da infecção.

Para tanto, ao contrário dos anticorpos, as células T não podem bloquear a infecção novamente, pois só reconhecem o vírus quando as células infectadas apresentam peptídeos virais. As células T de memória podem eliminar qualquer célula infectada que tenha passado por uma primeira camada de defesa normalmente fornecida por anticorpos. Assim, a memória das células T no momento da reexposição pode impedir o desenvolvimento de doenças graves ou pode até levar a uma infecção subclínica abortada, mas não impedem a infecção inicial. 

É importante salientar que as amostras de sangue clínicas não permitem avaliações abrangentes da memória funcionalmente relevante das células T em pessoas que se recuperaram da infecção por SARS-CoV-2 ou foram vacinadas.

Gravidade e Células T

Muitos estudos buscam associar a gravidade da infecção pelo corona vírus com o aumento ou diminuição do número e função das células do sistema imunológico humano. Tan et al. (2021), por exemplo, demonstraram uma associação direta entre a indução precoce de células T específicas contra SARS-CoV-2 produtoras de IFN-γ com a eliminação viral mais rápida e doença mais leve.

Em outro estudo, Wang et al. (2020) demonstraram que os números de células T CD4, T CD8 e células B diminuíram gradualmente com o aumento da gravidade da doença, enquanto seus marcadores de ativação, como HLA-DR, aumentaram em pacientes graves em comparação com pacientes leves. Corroborando com esse estudo, Rodrigues et al. (2020) correlacionaram que os pacientes mais graves possuem números baixos de células T acompanhados por uma produção geral mais baixa de citocina Th1 em células T CD4. Além disso, há aumento da expressão de marcadores de exaustão e diminuição de secreção de citocinas pelas células T CD8, ou seja, uma resposta citotóxica prejudicada.

Tais resultados salientam a importância das células T na patogênese da infecção, principalmente em casos graves, onde muitos trabalhos apontam para uma hiperativação e exaustão dessas células, mesmo com uma quantidade detectada menor. Contudo, não é claro se os defeitos na resposta das células T contribuem ou são uma consequência da progressão para COVID-19 grave.

Imunossupressão e Covid-19

Tendo em vista a importância das células do sistema imunológico no combate ao vírus, alguns estudos buscaram associar a prevalência de imunossupressão entre coortes de pacientes com COVID-19. A metanálise de Tassone et al. (2021) sugere que o risco de desenvolver COVID-19 não é significativamente maior nessa população. Uma das hipóteses levantadas é a capacidade de modulação de mecanismos de inflamação oferecida pelo uso de imunossupressores, que poderiam limitar as complicações da doença.

Além disso, Soresina et al. (2020) descreveram dois pacientes com agamaglobulinemia ligada ao X, uma ausência completa de células B do sangue periférico, que desenvolveram COVID-19 e se recuperaram da infecção sem necessidade de tratamento intensivo ou ventilação. Apesar da pequena amostra do trabalho, pode-se depreender que a resposta das células B apesar de importante, não é crucial para o desenvolvimento da imunidade contra o SARS-CoV-2. Logo, o sistema imunológico deve utilizar outras vias para neutralizar o patógeno e uma resposta imunológica normal de células T pode ser suficiente para combater a doença em indivíduos que não podem sintetizar imunoglobulinas específicas.

Conclusões

Temos que o estudo da imunofisiologia relacionada à infecção pelo SARS-CoV-2 pode fornecer o entendimento acerca de diversas questões que buscamos responder, como: Por que alguns pacientes ficam mais graves e morrem? Por quê ocorre a reinfecção? Como as vacinas agem e quanto tempo de imunidade elas oferecem? As células T podem ajudar a manter essa imunidade?

Muitas dessas perguntas já foram parcial ou totalmente respondidas, mas lacunas importantes ainda estão abertas e mais pesquisas são necessárias para a real compreensão da doença e, por conseguinte, para que mais tratamentos eficazes sejam disponibilizados à população. Em relação às células T de memória, sua participação na imunização contra a Covid-19 é inegável, apesar de não ser documentado ainda a sua duração no organismo após a vacinação ou infecção viral. Contudo, espera-se resultados promissores com base na duração dessas células em outras infecções causadas por diferentes corona vírus, como já abordado durante o texto.

Autora: Lyvia Fernandes

Instagram: @lyvia_f

Referências

COVID-19 vaccines: modes of immune activation and future challenges – https://doi.org/10.1038/s41577-021-00526-x

Early induction of functional SARS-CoV-2-specific T cells associates with rapid viral clearance and mild disease in COVID-19 patients – https://doi.org/10.1016/j.celrep.2021.108728

Human immune response to SARS-CoV-2: What is known? A scoping review – https://doi.org/10.22354/in.v24i3.898

Immunosuppression as a risk factor for COVID-19: a meta-analysis

https://doi.org/10.1111/imj.15142

Not just antibodies: B cells and T cells mediate immunity to COVID-19 – https://doi.org/10.1038/s41577-020-00436-4

T Cell Memory: Understanding COVID-19 – https://doi.org/10.1016/j.immuni.2020.12.009

T cells in COVID-19 — united in diversity – https://doi.org/10.1038/s41590-020-0798-y

The laboratory tests and host immunity of COVID-19 patients with different severity of illness – https://doi.org/10.1172/jci.insight.137799

Two X-linked agammaglobulinemia patients develop pneumonia as COVID-19 manifestation but recover – https://doi.org/10.1111/pai.13263



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