Carreira em Medicina

Atresia de esôfago: Uma visão geral | Colunistas

Atresia de esôfago: Uma visão geral | Colunistas

Compartilhar
Imagem de perfil de Comunidade Sanar

A atresia de esôfago (AE) é uma malformação congênita que leva à interrupção da luz esofágica, podendo ou não estar associada a uma comunicação com a traqueia, a saber, a fístula traqueoesofágica.

É um tema com grande relevância na cirurgia pediátrica, afinal a atresia de esôfago apresenta uma incidência de 1 para 1500 a 3000. Aproximadamente 60% dos casos apresentam associação com outras malformações que conhecemos pelo acrônimo VATERL (vertebral, anorretal, traqueal, esofágica, renal e “limbs” – membros).

Para obter um melhor entendimento dessa patologia, é necessário ter um conhecimento básico da embriologia e anatomia do esôfago e estruturas relacionadas.

Embriologia

No desenvolvimento embriológico, o sistema gastrointestinal e o sistema respiratório compartilham sua origem. Ambos serão originados a partir da formação de um tubo endodérmico que surge por volta do 21º dia no assoalho do intestino anterior, onde há a formação de um sulco laringotraqueal que se desenvolve no sentido cranial. Concomitantemente, ocorre uma septação lateral que separa a porção ventral ou traqueobrônquica da porção dorsal ou esofágica. Ocorre também uma proliferação epitelial com obliteração da luz que é em seguida recanalizada pela disposição de vacúolos.

Nesse processo pode haver uma falha que explicaria a origem da atresia esofágica. Ela pode ocorrer tanto pelo aumento da pressão intraembriônica (aumento da área cardíaca, aumento da subclávia. Acúmulo de líquido no processo pneumoentérico e cavidade pericárdica), pela oclusão epitelial, pela falha na recanalização, pelo desequilíbrio no crescimento diferencial entre os esboços esofágicos e traqueal ou por uma insuficiência vascular.

Anatomia

O esôfago é uma estrutura tubular situada posterior à traqueia. É seguinte à faringe e termina ao nível da cárdia no estômago.  Pode ser dividido em 3 porções: cervical, torácica e abdominal. Sua parte cefálica tem um desvio discreto à esquerda. A porção torácica ocupa o mediastino posterior e é cruzada pela veia ázigos. A porção abdominal, abaixo do diafragma, é peritonizada.

Classificação

As diferentes apresentações da atresia de esôfago são classificadas de acordo com a presença e localização da atresia e da fístula traqueoesofágica. As principais são:

  • Tipo A: Atresia de esôfago sem fístula (cerca de 7%);
  • Tipo B: Atresia do esôfago com fístula proximal (cerca de 2%);
  • Tipo C: Atresia de esôfago com fístula distal (85-90%);
  • Tipo D: Atresia de esôfago com fístula distal e proximal (cerca de 1%).

A clínica vai se apresentar de maneira distinta de acordo com o tipo de atresia. Nas atresias do tipo A e B, não será visualizado ar na cavidade abdominal na radiografia de tórax e abdome, diferente dos demais tipos pois não há comunicação entre o sistema respiratório com o estômago.

O quadro mais típico, presente na atresia mais frequente (atresia com fístula distal), temos a presença de salivação excessiva e espumosa, regurgitação, sinais de aspiração como tosse, cianose, dispneia e sufocação e distensão abdominal.

Como o esôfago, nesse tipo, termina em fundo cego, a saliva volta à boca do bebê podendo ser aspirada. Se isso ocorrer, os sinais de aspiração antes descritos estarão presentes. Além disso, há aumento de ar no sistema gastrointestinal por conta da fístula, gerando a distensão abdominal e também aumentando o refluxo gástrico que também pode ocasionar aspiração e uma pneumonia química. Na ausculta pulmonar podem estar presentes roncos e estertores subcrepitantes.

Diagnóstico

A suspeita da atresia de esôfago pode ter início na vida intrauterina se houver um quadro de polidrâmnio explicado pela impossibilidade do feto absorver o líquido amniótico no intestino delgado. Ao nascer, somado aos sintomas antes descritos, a não progressão da sonda nasogástrica calibrosa (8 a 12) pode ser outro indicativo.

Frente a esse quadro, deve ser realizada uma radiografia torácica e abdominal com auxílio de uma sonda radiopaca ou com contraste evidenciando a impossibilidade de progressão. Outro achado é a visualização de uma bolha de ar no coto proximal do esôfago atrésico. Através da radiografia também é possível estimar a distância entre os cotos, medindo, em corpos vertebrais, a distância entre a bolha do coto proximal até a altura da carina, altura onde ocorre a fístula, na maioria dos casos.

Além do diagnóstico da própria atresia, deve ser feita a busca por outras malformações associadas como citado anteriormente (VACTERL).

Conduta

Feito o diagnóstico da atresia, o bebê deve ser colocado em decúbito lateral direito elevado para reduzir os riscos de aspiração. Além disso, é colocada uma sonda de aspiração contínua de duplo lumen (Raplogle) onde há a infusão de soro fisiológico concomitante à aspiração.

Pode ser instituído um antibiótico profilático se houver fístula traqueoesofágica.

Outro passo imprescindível antes do procedimento cirúrgico, é a realização de um  ecocardiograma tanto para avaliar a presença de malformações, como para identificar a posição da aorta, a fim de determinar o lado em que o procedimento será feito.

A correção cirúrgica é feita após 24 a 72 horas de vida geralmente através uma toracotomia por acesso infraescapular. No procedimento, a veia azigos é rotineiramente ligada, com ligadura da fístula e reconstrução primária do esôfago. Se o paciente estiver em condições limitantes para a cirurgia ou a distância dos cotos esofágicos seja muito grande, pode-se realizar uma gastrostomia e cirurgia em dois tempos.

Autor: Marcela Facina dos Santos

Instagram: @marcela_facina


O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.

Observação: material produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar junto com estudantes de medicina e ligas acadêmicas de todo Brasil. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido. Eventualmente, esses materiais podem passar por atualização.

Novidade: temos colunas sendo produzidas por Experts da Sanar, médicos conceituados em suas áreas de atuação e coordenadores da Sanar Pós.


Referências

Livro de Cirurgia Pediátrica: Holcomb and ashcraft’s pediatric surgery. 7th edition ed. Philadelphia, PA: Elsevier Inc, 2019.

Livro de Cirurgia Pediátrica: MAKSOUD, João Gilberto. Cirurgia pediátrica. Rio de Janeiro: Livraria e Editora Revinter Ltda, 2003.