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Diretrizes de reanimação neonatal: a Dra. Nathália Sousa vai abordar as atualizações feitas pela Sociedade Brasileira de Pediatria. Continue a leitura para saber tudo!
Em Maio de 2021, a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) publicou uma atualização das Diretrizes de reanimação neonatal. Essa atualização, teve como principal objetivo a inclusão de revisões e recomendações do International Liaison Commitee on Resuscitation (ILCOR) de 2020, trazendo evidências científicas recentes para as modificações sugeridas no documento de 2016, sendo poucas as modificações efetivas no protocolo de reanimação neonatal.
Além disso, a atualização reforça a existência de um outro documento, também publicado pela SBP em 2020. Esse documento traz as recomendações acerca do manejo do recém-nascido filho de mãe com suspeita ou confirmação de Covid-19.
As diretrizes da Sociedade Brasileira de Pediatria são divididas em dois documentos:
- Um que versa sobre o recém-nascido maior ou igual a 34 semanas
- Outro sobre o manejo do recém-nascido menor de 34 semanas
Vamos ver as principais atualizações em cada um dos grupos:
As diretrizes de reanimação neonatal para recém-nascido maior ou igual a 34 semanas
Na diretriz foram ncluídas evidências científicas acerca do benefício do clampeamento tardio do cordão umbilical. Quando comparado com o clampeamento precoce, o clampeamento após 1 a 3 minutos da extração uterina aumenta:
- A concentração de hemoglobina nas primeiras 24 horas de vida
- A concentração de ferritina nos primeiros 3 a 6 semanas.
Entretanto, essa prática pode elevar a frequência de policitemia e de icterícia neonatal.
Além disso, reforça-se a não recomendação de ordenha do cordão umbilical nesse grupo. Isso ocorre devido a ausência de dados de segurança do procedimento. Apesar de haver um pequeno número de pacientes mostrarem melhora da hemoglobina e do hematócrito.
As primeiras horas após o nascimento
Foram incluídas evidências robustas acerca dos benefícios do contato pele-a-pele nos recém-nascidos com boa vitalidade ao nascer. Esse fator está associado a:
- Maior probabilidade de sucesso da primeira mamada
- Aumento da duração do aleitamento em 1 a 4 meses
Define a realização do contato pele-a-pele como a primeira hora pós-parto. Já na amamentação como os primeiros 30 minutos de vida. Além disso, foram incluídas evidências que justificam a não realização da aspiração traqueal imediata (já proposta no documento de 2016) do recém-nascido com líquido amniótico meconial não-vigoroso. Esse resultado for obtido através de:
- 4 estudos randomizados e controlados com 581 recém-nascidos
- Estudo observacional com 131 recém-nascidos não identificaram diferença quanto à incidência de síndrome de aspiração meconial, encefalopatia hipóxico-isquêmica e sobrevida à alta hospitalar quando comparados recém-nascidos com líquido amniótico meconial não-vigorosos submetidos à aspiração traqueal sob visualização direta e à ventilação com pressão positiva com máscara sem a aspiração traqueal.
Oxigenação do recém-nascido de acordo com as diretrizes de reanimação neonatal
Além disso, a atualização corrige a explicação acerca da suplementação de oxigênio nos recém-nascidos. Mostra-se que a ventilação com pressão positiva não traz melhora ou não atingem os valores desejáveis de SatO2. Essa suplementação pode ser via máscara facial ou cânula traqueal em ar ambiente.
Além disso, nesse grupo a ventilação sempre deve começar em ar ambiente (21%). Caso seja necessário, devemos aumentar de 20 em 20% a oferta de oxigênio (O2). Ou seja, inicialmente aumenta-se a oferta para 40% e, se não houver melhora da SatO2, indica-se o aumento para 60%. Assim sucessivamente até atingir, caso seja necessário, a fração inspirada de O2 (FiO2) de 100%. Reforça a orientação de que é mais importante ventilar o recém-nascido com a técnica correta do que ofertar grandes concentrações de oxigênio.
Desde 2020,o International Liaison Commitee on Resuscitation (ILCOR) sugere o uso preferencial do ventilador mecânico manual em T. Deve ser usado esse ventilador ao invés do balão autoinflável, para a ventilação de todos os recém-nascidos. Entretanto, ainda não existem evidências que indiquem a superioridade desse dispositivo nos recém-nascidos com idade gestacional de 34 semanas ou mais.
Já a máscara laríngea, que pode ser utilizada como interface para a VPP em vias aéreas difíceis, está disponível para uso em crianças de 1500-200g até 5000g (número 1). Além disso, Recomenda-se o início da ventilação com pressão inspiratória de 20cm H2O no balão autoinflável, devendo-se ajustar essa pressão após 3 a 5 ventilações com o objetivo de visualizar movimento torácico leve e auscultar a entrada de ar em ambos os pulmões.
Utilização da via intraóssea
Indica o uso da via intraóssea como alternativa para a administração de medicações quando:
- O cateterismo umbilical não é possível
- Os profissionais envolvidos na reanimação não são habilitados para sua realização
Entretanto reforça que esse procedimento não é isento de riscos, além de requerer material adequado e treinamento profissional, sendo o cateterismo umbilical ainda a via preferencial de administração das medicações no período neonatal.
Duração da reanimação
Elabora a discussão acerca da interrupção da reanimação em sala de parto. Sabe-se que a falha em atingir o retorno da circulação espontânea do recém-nascido após 10 a 20 minutos de procedimentos de reanimação está associada ao alto risco de óbito e à presença de sequelas neurológicas moderadas a graves.
Entretanto, não existem evidências que consigam predizer qual duração de reanimação estará sempre associada com óbito ou sequelas moderadas a grandes nos sobreviventes. Alguns estudos mostram desfechos favoráveis em recém-nascidos com:
- Assistolia aos 10 minutos de vida, especialmente quando submetidos à hipotermia terapêutica
- Algumas poucas publicações mostram que 38% de 39 recém-nascidos reanimados por mais de 20 minutos sobreviveram e que 6 (40%) desses 15 sobreviventes não possuíam lesão neurológica moderada ou grave.
Sendo assim, a SBP recomenda que a decisão de interromper ou não a reanimação seja sempre discutida com os familiares. Essa decisão é individualizada e considerando-se fatores como:
- Adequação das manobras de reanimação neonatal
- Disponibilidade de recursos humanos e equipamentos técnicos
- Idade gestacional
- A pressão de malformações congênitas
- Duração da agressão asfíxica
- Desejo familiar.
Por fim, a SBP reflete sobre a presença da família no ambiente em que as manobras de reanimação neonatal estão ocorrendo. A análise das poucas evidências disponíveis sugere ser razoável a presença dos familiares. Para isso, devem existir condições institucionais e vontade da família. Não se sabe, entretanto, se existe interferência da presença da família no desempenho do profissional de saúde.
Diretrizes de reanimação neonatal para recém-nascido menor que 34 semanas
Nessa atualização, foi discutida a importância para o desempenho da equipe de reanimação da realização de um “briefing” pré-parto. Isso inclui:
- Anamnese materna
- Preparo do material necessário para reanimação neonatal
- Divisão das funções de cada membro da equipe
Clampeamento tardio do cordão umbilical
A´lém disso, houveram evidências acerca dos benefícios do clampeamento tardio do cordão umbilical. Normalmente indicado após 30 segundos nesse grupo se o prematuro estiver ativo e respirando ou chorando (boa vitalidade).
Essa prática está associada ao:
- Potencial benefício na sobrevida à alta hospitalar
- Maior estabilidade cardiovascular nas primeiras 24 horas de vida
- Menor uso de inotrópicos
- Melhora dos parâmetros hematológicos na primeira semana de vida em comparação ao clampeamento imediato do cordão umbilical.
Em compensação, várias metanálises de ensaios clínicos randomizados não mostraram diferenças quanto à frequência da:
- Hemorragia peri e intraventricular grave
- Displasia broncopulmonar
- Enterocolite necrosante
- Neurodesenvolvimento.
É sugerido que a ordenha do cordão umbilical possa ser uma alternativa. Dessa forma, haverá uma possibilidade ao invés do clampeamento tardio nos prematuros com idade gestacional de 28 a 33 semanas que não necessitam de reanimação imediata ao nascimento.
Nesses pacientes a ordenha pode apresentar benefícios com relação à sobrevida, alta hospitalar e a melhora dos parâmetros hematológicos no primeiro dia de vida em relação ao clampeamento imediato. Ao comparamos a ordenha com o clampeamento após 30 segundos de vida (tardio) não foram identificadas diferenças com relação à:
- Sobrevida na alta hospitalar
- Prevalência de hemorragia peri e intraventricular grave
- Displasia broncopulmonar
- Enterocolite necrosante
- Hiperbilirrubinemia
A ordenha para recém-nascidos prematuros abaixo de 28 semanas está contraindicada. Isso ocorre devido ao risco aumentado para hemorragia peri e intraventricular grave. Além disso, não há dados de segurança para a ordenha nos prematuros que necessitam de manobras de reanimação.
Normotermia no prematuro
Reforça a importância da manutenção de normotermia no prematuro (temperatura axilar de 36,5 a 37,5ºC). Essa normotermia pode ser conseguida através do:
- Pré-aquecimento da sala de parto (temperatura ambiente de 23 a 26ºC)
- Uso do saco plástico para envolver o corpo e da touca dupla para envolver a cabeça do prematuro
- Uso do colchão térmico em prematuros com peso inferior a 1000g
Entretanto, ressalta a necessidade de atenção no uso do colchão térmico. Visto que, ele pode levar a hipertermia e ao aparecimento de queimaduras. Além disso, reafirma-se a importância do uso do CPAP em sala de parto. Esse uso é essencial para a manutenção da patência das vias aéreas durante a respiração espontânea, facilitando a manutenção da abertura da glote.
Oxigenação do recém-nascido
Em rematuros que não melhoram ou não atingem os valores desejáveis de SatO2 para os minutos de vida com a VPP por máscara facial ou cânula traqueal deve-se:
- Começar em ar ambiente (21%) e, caso seja necessário devemos aumentar de 20 em 20% a oferta de oxigênio (O2)
- Inicialmente aumenta-se a oferta para 40% e, se não houver melhora da SatO2, indica-se o aumento para 60%
- Continua-se aumentando, caso seja necessário, a fração inspirada de O2 (FiO2) de 100%.
Reforça-se a orientação de que é mais importante ventilar o recém-nascido com a técnica correta do que ofertar grandes concentrações de oxigênio. Além disso, recomenda-se o início da ventilação com ventilador manual em T.
- Fluxo gasoso de 5 a 15 L/min
- Pressão máxima de 30 a 40 cmH2O
- Pressão inspiratória de 20-25 cmH2O
- PEEP de 4 a 6 cmH2O
Deve-se ajustar a pressão inspiratória após 3 a 5 ventilações. A finalidade disso é visualizar o movimento torácico leve e auscultar a entrada de ar em ambos os pulmões. Vale lembrar que não há indicação do uso de máscara laríngea em prematuros abaixo de 34 semanas. Isso ocorre devido à escassez de evidências científicas que determinem sua eficácia e segurança nesse grupo.
Segundo a diretriz, não há indicação de intubação do prematuro em sala de parto apenas com o intuito de administrar surfactante profilático. Isso porque grandes ensaios clínicos demonstram:
- Redução da displasia broncopulmonar
- Óbito
Sobrevida de recém-nascidos prematuros
Na diretriz foram atualizados os dados epidemiológicos da sobrevida de recém-nascidos prematuros de acordo com a idade gestacional. Uma revisão sistemática de 65 estudos de países desenvolvidos publicados entre 2000 e 2017 mostra que:
- 53,9% dos recém-nascido por volta de 24 semanas, sobrevivem à alta hospitalar (IC 95% de 48 a 59,6%).
- No Brasil, dados de 2019, apontam que de 14.474 prematuros nascidos entre 22 e 27 semanas, 6.969 sobreviveram (48%) ao período neonatal.
A Rede Brasileira de Pesquisas Neonatais, composta por 20 hospitais universitários públicos, ao analisar a sobrevida hospitalar de 4.644 recém-nascidos com idade gestacional entre 23 e 27 semanas, peso de 400 a 1499g e sem malformações, nascidos entre 2011 e 2019, reporta que com 26 semanas de idade gestacional a sobrevida é superior a 50% (56,2%).
Conclui, portanto, que recém-nascidos com menos de 22 semanas são muito imaturos para sobreviver com a tecnologia atual. Já os recém-nascidos com 25 semanas ou mais tem taxas significativas de sobreviva, sem sequelas graves em sua maioria. Já recém-nascidos entre 22 e 24 semanas, estão na chamada “zona cinzenta”, já que a sobrevivência e o prognóstico são incertos.
Reanimação neonatal de acordo com as diretrizes de reanimação neonatal
Elabora a discussão acerca da interrupção da reanimação em sala de parto. Estudos multicêntricos de prematuros de muito baixo peso que foram submetidos a reanimação avançada em sala de parto (ventilação acompanhada de massagem cardíaca e/ou medicações) mostram pior prognóstico em termos de morbidade, mortalidade e desenvolvimento neurológico até 18 a 24 meses.
Outro estudo, da Rede Neonatal Norte-Americana, com 8655 recém-nascidos com peso de nascimento inferior a 1000g e idade gestacional entre 23 e 30 semanas, demonstrou que grupo de 1333 recém-nascidos que recebeu ventilação acompanhada de massagem cardíaca e/ou medicações, apresentou maior frequência de:
- Pneumotórax
- Hemorragia peri e intraventricular
- Displasia broncopulmonar
- Morte nas primeiras 12 horas e nos primeiros 120 dias
- Maior risco de sequelas graves do neurosenvolvimento até 18 a 22 meses
Sendo assim, reforça que a decisão de continuar ou interromper as manobras de reanimação avançadas em prematuros deve ser individualizada.