Medicina da Família e Comunidade

Atualizações sobre 3ª dose de vacina contra a covid-19 | Colunistas

Atualizações sobre 3ª dose de vacina contra a covid-19 | Colunistas

Compartilhar
Imagem de perfil de Nataliê Sutilli

Enquanto o mundo se mobiliza para aplicação da vacina contra a COVID-19, a discussão e os estudos sobre uma terceira dose começaram, especialmente diante do surgimento e circulação de variantes do novo coronavírus.

Um estudo clínico com a terceira dose de vacina da AstraZeneca acabou de ser autorizado pela Anvisa (19/07). A terceira dose da vacina da AstraZeneca será aplicada entre 11 e 13 meses após a segunda dose. E trata-se de um estudo de fase III, controlado, randomizado e simples-cego, ou seja, em que só o voluntário não saberá o que tomou: se uma dose da vacina ou de placebo.

O estudo, patrocinado pela AstraZeneca, será realizado somente no Brasil, nos estados da Bahia (1.500 voluntários), Rio de Janeiro (1.500 voluntários), Rio Grande do Sul (3.000 voluntários), Rio Grande do Norte (1.500 voluntários) e São Paulo (2.500 voluntários).

Porém, em um informe, a Anvisa diz que não se sabe por quanto tempo a proteção dada pelas duas doses (ou dose única) durará e se haverá necessidade de doses de reforço com intervalos.

De acordo com o virologista, Maurício Lacerda, professor da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto: “Nenhuma variante em circulação provocou um escape vacinal até o momento. Sabemos que elas estão relacionadas a uma queda na sensibilidade dos anticorpos, mas não conseguimos determinar ainda a exata medida disso e qual o mínimo necessário para manter essa proteção”.

Até agora já foram aprovados três estudos clínicos, no mundo, sobre a necessidade e conveniência da terceira dose, um da Pfizer/BioNTech e dois da AstraZeneca.

O que está acontecendo no mundo

A Pfizer comunicou estar se preparando para solicitar aos órgãos reguladores nos EUA uma terceira dose de reforço de seu imunizante.

O sistema de saúde pública do Reino Unido estuda aplicar a dose de reforço em pacientes de grupos mais vulneráveis.

Israel, por sua vez, já começou a administrá-la em pacientes com câncer, transplantados e outros que possam ter sofrido uma diminuição da proteção da vacina.

Reino Unido e Israel vinham observando há várias semanas uma redução no volume de casos de covid-19, de hospitalizações e mortes, mas recentemente viram um aumento considerável nas infecções por conta da variante Delta, mais contagiosa que as outras.

No Chile, um grupo de pesquisadores sugeriu a necessidade de mais uma aplicação vacinal nos cidadãos que receberam a CoronaVac, desenvolvida pela farmacêutica chinesa Sinovac (e também usada no Brasil em parceria com o Instituto Butantan).

Assim, especialistas destes e de outros países têm estudado a possibilidade de aplicar uma terceira dose. A Organização Mundial de Saúde (OMS), contudo, tem se colocado contra, argumentando que a prioridade neste momento deve ser a doação de doses às regiões que estão atrasadas em seus programas de imunização.

“Atualmente não há dados suficientes para apoiar o uso de uma dose de reforço para nenhum paciente”, avalia o médico Andrew Badley, da Mayo Clinic, nos EUA. “Vacinas como as da Pfizer, Moderna ou Janssen são altamente eficazes na proteção contra formas graves da doença, hospitalizações e mortes por qualquer variante, incluindo a Delta”, diz ele em entrevista à BBC News Mundo.

A proteção das vacinas diminui com o tempo?

Segundo uma reportagem publicada pela BBC News e com apenas sete meses de vacinação em massa, ainda não há evidências conclusivas quanto à duração da imunidade garantida pela imunização. Apenas com o passar do tempo os cientistas vão poder avaliar melhor quando, e se, a proteção começa a diminuir.

“Algumas vacinas sabidamente protegem apenas por um curto período de tempo, como a aplicada anualmente contra a gripe ou a da febre tifóide, e para elas são necessárias doses de reforço. Outras duram muito, como a da febre amarela ou a do sarampo”, explica Wilbur Chen, da Universidade de Maryland.

Outra razão pela qual é difícil saber por quanto tempo dura a proteção das vacinas é o tipo de defesa que nosso corpo usa para neutralizar o vírus.

“Os níveis de anticorpos nem sempre são preditivos de proteção. Os dados atuais indicam que a memória das células B pode ser um marcador mais confiável. Quando isso for melhor compreendido, podemos verificar a necessidade de uma dose de reforço para evitar que a imunidade diminua com o tempo”, diz Badley, da Mayo Clinic.

Os especialistas ressaltam que há uma distinção entre dose de reforço e vacina modificada: a primeira tem como objetivo estender a proteção; a segunda, combater novas variantes.

“Se uma nova variante foge da proteção das vacinas que temos disponíveis, isso é algo bem diferente. Uma nova vacina seria necessária para neutralizar a nova variante”, destaca Schaffner, da Vanderbilt Medical University.

De qualquer forma, para evitar que novas variantes prejudiquem os esforços de imunização atuais, é necessário controlar o vírus e proteger o máximo da população mundial o mais rápido possível.

Foi por isso que a OMS se manifestou contra a possibilidade das doses de reforço sem primeiro atingir altos níveis de imunização global.

Professor da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, Lacerda cita dois estudos recentes que abordam justamente esse tema.

O primeiro deles, liderado por cientistas do Centro Médico Beth Israel Deaconess, da Universidade Harvard, nos EUA, avaliou a manutenção da imunidade em indivíduos que receberam a vacina Ad26.COV2.S, da Janssen.

O segundo, que teve a participação de investigadores do Centro de Pesquisa em Câncer Fred Hutchinson e da Universidade de Washington, também nos EUA, acompanhou um grupo de pessoas que se recuperaram da covid-19.

“Os dois trabalhos concluíram que os participantes continuavam a ter uma resposta imune após oito meses, seja pela vacinação ou pela infecção natural”, diz o especialista, que também é ex-presidente da Sociedade Brasileira de Virologia. “E por que oito meses? Porque esse foi o tempo de observação. Tudo indica que, se esses mesmos indivíduos forem avaliados daqui a quatro meses, eles continuarão com uma boa imunidade contra o coronavírus.”

Vale destacar, no entanto, que esses dois artigos incluíram pessoas de várias faixas etárias e já é consenso que a imunidade costuma funcionar um pouco pior conforme a gente envelhece — vários estudos demonstraram que os mais velhos respondem pior às vacinas e geram menos anticorpos.

Em primeiro lugar, nosso sistema imunológico é complexo e diverso, e sua atuação vai muito além dos anticorpos.

É preciso levar em conta, por exemplo, o papel das células de memória (que guardam as informações de como combater uma doença e são ativadas quando a ameaça é concreta) ou dos linfócitos T, um tipo de unidade de defesa que identifica e mata células infectadas antes que o problema se espalhe.

O segundo motivo é de ordem prática e vem da experiência dos países com a vacinação contra a covid-19 mais adiantada: como os idosos foram contemplados com as primeiras doses, o número de casos graves e mortes entre os mais velhos está em constante declínio desde então e não parece dar qualquer sinal de retomada até o momento.

“Os dados mostram que, atualmente, as mortes relacionadas ao coronavírus nos EUA acontecem naqueles indivíduos que não foram imunizados, independentemente da faixa etária”, exemplifica Bonorino, que também integra a Sociedade Brasileira de Imunologia.

E todas essas informações nos revelam uma coisa: em linhas gerais, ainda não temos evidências de que a imunidade contra a covid-19 diminui após alguns meses, mesmo entre os idosos (embora se espere que o resultado de longo prazo seja pior entre aqueles que passaram da sexta década de vida).

Para ter certeza sobre isso, precisamos de estudos maiores e mais longos que confirmem quanto tempo dura essa proteção para, aí sim, determinar a necessidade de doses de reforços no futuro e qual será a periodicidade delas, em especial em algumas idades ou grupos prioritários.

Autora: Nataliê Sutilli

Instagram: @nataliesutilli

O texto acima é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.

Referências: