A COVID-19 é a Síndrome Respiratória Aguda Grave causada pelo vírus SARS-CoV-2 e foi inicialmente descrita na cidade de Wuhan, na China, em dezembro de 2019. A princípio, foi detectado um grupo de pacientes com pneumonia apresentando febre, tosse e dispneia de etiologia desconhecida. Uma investigação preliminar demonstrou que a primeira geração de pacientes com esses sintomas estava geograficamente ligada ao Mercado Atacadista de Frutos do Mar de Huanan, e os pacientes com esses sintomas que viviam fora de Wuhan tinham viajado para a cidade há pouco tempo ou tinham tido contato com residentes da cidade.
Atualmente, sabe-se que a transmissão da doença ocorre principalmente por gotículas respiratórias, por contato, e há evidências que pode ocorrer por transmissão fecal-oral, porque identificou-se que em estágios mais tardios da infecção o vírus pode ser detectável em swabs anais. Além disso, ainda não há indícios de que há transmissão vertical da doença. Um estudo realizado em Shangqiu, na China, foi publicado no dia 7 de maio de 2020 mostrando que dos 38 pacientes avaliados, 6 apresentavam o vírus SARS-CoV-2 no sêmen (15,8%), o que levanta a necessidade de serem realizados mais estudos para esclarecer se há transmissão sexual do vírus.
O vírus SARS-CoV-2 é o 7º coronavírus que infecta humanos já identificado, sendo que alguns desses outros coronavírus são o vírus da SARS (síndrome respiratória aguda grave), identificado em 2002 e o vírus da MERS (síndrome respiratória do Oriente Médio), identificado em 2012. A família dos coronavírus apresenta 4 gêneros, os alfa, beta, gama e teta. O SARS-CoV-2 é do gênero beta, e tem a aparência de uma coroa quando visto à microscopia eletrônica, o que dá nome ao vírus, e são vírus envelopados do tipo RNA. Inclusive, o genoma do novo coronavírus é o maior genoma já identificado em qualquer RNA vírus e é bem semelhante ao coronavírus dos morcegos, com 96,2% de semelhança, indicando que o morcego pode ter sido o hospedeiro original do SARS-CoV-2.
Em relação às manifestações clínicas, pode haver um período de incubação de 1 a 14 dias, sendo que na maioria das vezes dura de 3 a 7 dias, e os sintomas mais comuns são febre, fadiga e tosse seca. Vale destacar que em pacientes imunocomprometidos e idosos a febre pode estar ausente. Além disso, o paciente pode apresentar cefaleia, congestão nasal, dor de garganta, mialgia, artralgia, alteração de palato e olfato e em uma minoria dos pacientes, principalmente nas crianças, pode ocorrer sintomas gastrointestinais como vômitos, náuseas e diarreias.
Alguns dos fatores de risco descritos para a doença evoluir para uma maior gravidade são idade avançada, hipertensão arterial sistêmica, diabetes, obesidade e doenças cardiovascular e cerebrovascular.
Em relação aos achados dos exames de imagem, estudo realizado por Guan et al evidenciou que 86,2% dos pacientes avaliados manifestaram anormalidades na TC de tórax e mais de 75% tiveram envolvimento pulmonar bilateral, reforçando assim a importância dos estudos de imagem para o diagnóstico. Além disso, há uma tendência para encontrarmos em doenças de baixa gravidade achados de opacidade em vidro fosco foco, com uma evolução gradual para lesões bilaterais ou multilobulares com o aumento da gravidade. Também podem ser encontradas lesões como espessamento da pleura, alargamento vascular, efusão pericárdica, entre outras.
Ainda nesse estudo, verificou-se que a maioria dos pacientes apresentou contagem de leucócitos normais, mas um terço apresentou leucopenia principalmente às custas de linfocitopenia, além de aumento do D-dímero, tempo de protrombina prolongado, aumento de VHS, PCR, interleucina-6 e de outras citocinas, caracterizando a chuva de citocinas. Essas alterações acontecem principalmente nos pacientes com doença mais grave.
Apesar de muitos ensaios clínicos já realizados, como com remdesivir, cloroquina e hidroxicloroquina, lopinavir e ritonavir, lopinavir, ritonavir e interferon-beta, além de estudos para o desenvolvimento de vacinas, ainda não há opções de profilaxia e tratamento específicas e eficazes o suficiente. Nesse contexto, então, a utilização do plasma convalescente nesse contexto se mostra muito importante e promissora.
Ao contrário do que muitos pensam, a utilização do plasma convalescente não é uma prática nova, e já foi utilizada em outras epidemias de coronavírus do século 21, a SARS em 2003 e MERS em 2012, além das epidemias de H1N1 e Ebola.
O plasma convalescente é a parte líquida do sangue coletada de pacientes que se recuperaram de uma infecção. No caso da infecção pelo novo coronavírus, é o plasma contendo imunoglobulinas contra o SARS-CoV-2. Ele pode ser obtido por coleta de sangue total ou por aférese, que é a mais indicada pois há uma separação de forma automatizada do hemocomponente desejado, nesse caso o plasma, com retenção dessa porção do sangue no equipamento e devolução dos outros componentes para o doador. Essa coleta demora um pouco mais que a coleta de sangue total, demorando cerca de 90 minutos, mas o plasma de um único doador poderia tratar de dois a três pacientes, sendo que o efeito terapêutico vai depender da qualidade e da quantidade de anticorpos do doador. Além disso, o doador deve ser voluntário e há preferência da utilização de plama de homens ou de mulheres sem histórico de gravidez, incluindo abortos, por menor incidência de lesão pulmonar aguda associada a transfusão, a TRALI.
Ele apresenta como vantagens a possibilidade de ser utilizado tanto como profilaxia ou como tratamento, com melhores resultados quando instituído até 14 dias do início dos sintomas e ser de grande acessibilidade devido ao grande número de pacientes recuperados contra a COVID-19. Porém, ele apresenta como desvantagens ser um tipo de imunização passiva, o que implica imunização de curta duração, de semanas até meses, além do risco inerente a qualquer transfusão de reações transfusionais, com destaque para a TRALI.
Em um estudo realizado em Hong Kong em 2004, 80 pacientes com SARS receberam plasma convalescente ao redor do 14º dia após o início dos sintomas, entre 7-30 dias, no qual foi observado uma mortalidade de 12,5%, sendo que a mortalidade global era de 17%. Além disso, eles observaram que quanto mais cedo o plasma foi administrado, menor o tempo de permanência no hospital e menor mortalidade dos pacientes. Porém, os próprios autores do estudo reconheceram que ele tinha várias limitações, como o fato de não ser um estudo randomizado, não ter grupo controle e de alguns pacientes terem recebido titulações mais altas de anticorpos do que outros.
Já esse estudo foi realizado em 2009 para avaliar os efeitos do plasma convalescente contra o H1N1, e diferentemente do anterior, é um estudo randomizado, e evidenciou uma redução da mortalidade dos pacientes com redução da carga viral.
No que se refere ao uso do plasma convalescente na COVID-19, um estudo foi realizado por Shen e outros pesquisadores em um hospital em Shenzhen, na China de 20 de janeiro de 2020 a 25 de março de 2020 com 5 pacientes de 30 a 70 anos clinicamente graves com diagnóstico de COVID-19. Cada paciente recebeu 2 transfusões consecutivas de 200 a 250 mL de plasma convalescente ABO compatível totalizando 400 mL de total de plasma no mesmo dia em que foi obtido a partir do doador, e eles observaram melhora dos status clínicos dos pacientes e redução da carga viral.
Outro estudo foi conduzido por Kai Duana e outros pesquisadores, também foi realizado na China, dessa vez em 3 hospitais de Wuhan de 23 de janeiro de 2020 a 19 de fevereiro de 2020. O trial incluiu 10 pacientes, foram transfundidos com 200ml de plasma com anticorpos em titulação de 1:640 e os resultados sugeriram que a inflamação e a reação exagerada do sistema imunológico foram aliviadas pelos anticorpos contidos no plasma.
Outro estudo feito em Wuhan, dessa vez por Mingxiang Ye e outros pesquisadores entre 11 de fevereiro a 12 de março de 2020, incluiu 6 pacientes com COVID-19 confirmada por PCR. Esses pacientes já tinham sido tratados com Arbidol (Umifenovir) na admissão, que é um antiviral utilizado na China e na Rússia, e os achados indicaram fortemente que a transfusão de plasma convalescente é uma terapia específica e eficaz para o COVID-19. Com isso eles levantaram a hipótese de que os anti-SARS-CoV-2 IgM e IgG neutralizam diretamente o vírus e o conteúdo anti-inflamatório pode prevenir tempestades de citocinas.
Nesse contexto, a Organização Mundial da Saúde estabeleceu recomendações para trials com plasma convalescente no tratamento da COVID-19. Dentre essas recomendações, a organização propõe que, para elegibilidade dos doadores, deve haver confirmação de infecção prévia por SARS-Cov-2 por teste validado, deve haver um intervalo de 14 dias após recuperação completa, a doação deve obedecer critérios padrão do país ou local relacionados à doação de sangue total ou plasma, deve haver não reatividade nas amostras sanguíneas para infecções como HIV, HBV, HCV, sífilis, entre outros e, para evitar o risco de TRALI, preferir plasma de doadores homens ou mulheres que nunca ficaram grávidas.
Além disso, a transfusão de plasma deve seguir recomendações e procedimentos padrão de transfusão de plasma do local, deve haver compatibilidade ABO entre doador e receptor, a organização afirma que a transfusão de plasma de pelo menos dois doadores pode ser terapeuticamente benéfico para atingir uma proteção imune mais afetiva por fornecer vários anticorpos, os pacientes poderiam receber uma dose inicial de 200mL, seguida de uma ou duas doses adicionais de 200mL, de acordo com a gravidade da doença e a tolerância às infusões e as amostras de sangue do receptor antes e após a transfusão devem ser coletadas para futuras investigações científicas em potencial.
Em março, o FDA americano aprovou o uso do plasma convalescente para tratar pacientes com COVID-19 grave. Para isso, ele estabeleceu algumas regras: o plasma deve ser coletado de pacientes sem sintomas por 14 dias e testes negativos para COVID-19 e essa terapia só pode ser empregada em pacientes com doença grave ou ameaçadora à vida. O conceito de doença grave empregado pela agência foi o de paciente com dispneia, frequência respiratória ≥30, satO2 ≤93%, PaO2/FiO2 <300 ou infiltrações pulmonares >50% em 24-48 horas. Já o conceito de doença ameaçadora à vida foi o de presença de falência respiratória, choque séptico ou disfunção ou falência múltipla de órgãos.
Ainda, pesquisadores da Universidade de Utrecht da Holanda estão estudando o uso do anticorpo monoclonal 47D11, que tem como alvo proteína “spike” da membrana, que confere o formato de coroa ao vírus. Esse anticorpo possui como ação impedir a entrada do vírus nas células e tem apresentado resultados promissores, apesar de a pesquisa ainda estar na fase pré-clínica.
No Brasil, a ANVISA publicou uma nota técnica reforçando que não existem evidências científicas conclusivas sobre a eficácia do tratamento de pacientes acometidos pela Covid-19 com o uso do plasma convalescente e orientando que o plasma convalescente para Covid-19 deve ser usado em protocolos de pesquisa clínica, com os devidos cuidados e controles necessários, sem prejuízo do disposto em legislação específica, códigos de ética ou Resoluções do Conselho Federal de Medicina sobre a autoridade e conduta médica do profissional prescritor. Além disso, ela pontuou que no Brasil, os hemocomponentes não são passíveis de registro sanitário e não precisam de aprovação de protocolos de ensaio clínico pela ANVISA, diferentemente dos Estados Unidos, onde o órgão regulador desse tipo de pesquisa é o FDA. Então, os projetos de pesquisa devem obedecer aos critérios estabelecidos pelo Ministério da Saúde.
Dentre os centros de pesquisa que estão conduzindo esse tipo de estudo estão o Hemominas, os Hospitais Albert Einstein e Sírio-Libanês em uma parceria com a USP e a Fundação Pró-Sangue de São Paulo.
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