Neurologia

Base da avaliação dos reflexos tendíneos para o médico generalista | Colunistas

Base da avaliação dos reflexos tendíneos para o médico generalista | Colunistas

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Reflexos tendíneos no contexto do exame neurológico

Sabe-se que existem inúmeras condições de saúde que podem cursar com alterações neurológicas. Nesse sentido, traumas, infecções, doenças neurodegenerativas e várias outras levam a alterações fisiológicas que desencadeiam em diversificadas alterações clínicas dos pacientes, podendo dificultar o diagnóstico e identificação das patologias.

É devido a isso que uma anamnese bem-feita é de suma importância, visto que é capaz de orientar uma suspeita diagnóstica inicial, levando a uma avaliação médica bem conduzida, com exames físicos melhores interpretados mediante alguma suspeita prévia. Na avaliação neurológica esse cenário não é diferente, e no contexto da avaliação clínica de um paciente, algumas peculiaridades do exame físico devem ser consideradas.

Nesse escopo, vários podem ser os objetos de estudo, destacando-se a inspeção, força e tônus muscular, equilíbrio, padrão de marcha, sensibilidade, coordenação, integridade dos nervos cranianos, sinais meníngeos, estado mental e de consciência, além dos reflexos. Os diversos achados de todos esses fatores, em associação com a história clínica do paciente, são importantíssimos na condução de casos neurológicos, e aqui vamos desdobrar de forma prática como avaliar uma dessas variáveis no contexto do médico generalista, que são justamente os reflexos tendíneos.

Generalidades

Em primeiro lugar, vamos nos preocupar em entender o que seriam esses reflexos e porque eles ocorrem, para posteriormente avaliarmos quais são e como aplicá-los na prática clínica. De uma forma simplificada, eles nada mais são que uma resposta involuntária do organismo a um determinado estímulo. Quando esse estímulo ocorre, a informação é coletada por receptores nervosos, seguirá por uma via aferente até um ponto de substância cinzenta no sistema nervoso central, local onde haverá uma conexão com a via eferente que irá se dirigir para o músculo e gerará o movimento involuntário.

Quanto à classificação, podemos dividi-los em reflexos superficiais e tendinosos. Os primeiros serão aqueles no qual o estímulo se dá em estruturas de superfície, como pele e mucosas. Já nos segundos, nosso foco neste momento, o estímulo ocorre diretamente nas regiões tendinosas de determinados grupamentos musculares, e por isso são denominados de reflexos tendíneos.

Os principais a serem avaliados na prática clínica são: patelar, aquileu, flexor dos dedos, supinador, bicipital e tricipital. No entanto, primeiramente, vamos conhecer quais são os possíveis resultados encontrados e o que eles podem indicar.

Resultados esperados

Para iniciar o raciocínio, vamos começar com um questionamento: se estamos avaliando uma resposta “automática” a um determinado estímulo, como essa resposta poderá ser manifestada? Ora, de forma até intuitiva podemos concluir que ela pode ser normal, muito forte, muito fraca ou até mesmo ausente, correto? Traduzindo para termos médicos, segundo Porto (2014) temos então resposta normal (normorreflexia), reflexo vivo, hiperreflexia, hiporreflexia ou arreflexia. Ademais, o registro desses achados, para fins de graduação, pode ser feito mediante alguns sinais, mantendo então a escala abaixo.

Arreflexia: 0

Hiporreflexia: –

Normorreflexia: +

Reflexo vivo: ++

Hiperreflexia: +++

Aqui deve-se ressaltar que essa classificação e graduação pode variar conforme alguns autores específicos. Nesse momento o leitor questiona “se existe essa variação de literatura, como que vou fazer no dia a dia?”. Na prática, o que realmente importa é saber se o reflexo está dentro do esperado, diminuído ou aumentado, mas aqui cabem duas observações interessantes.

Primeiro, caso você esteja examinando um paciente e tenha ficado em dúvida se o reflexo está pouco diminuído ou pouco aumentado, é importante avaliar a simetria, isto é, se o lado avaliado está simétrico ao outro, já que a presença de assimetria nas respostas pode evidenciar anormalidades. Como assim? Isso é simples, mas para elucidar vamos tomar o seguinte exemplo. O reflexo avaliado é o patelar do membro inferior direito e você está em dúvida se ele está levemente diminuído. Nesse momento você avalia o membro inferior esquerdo, comparando os dois lados avaliados. Fácil, não é? Principalmente levando em consideração que na medicina várias avaliações são feitas bilateralmente, e aqui não é diferente. Basta ter esse raciocínio em mente que seu exame ficará intuitivo. Em segundo lugar é preciso conhecer o clônus, que por definição são contrações musculares repetidas e involuntárias, subsequentes a um estiramento súbito de um músculo. Caso essa condição esteja presente, já é indicativo de que seu paciente apresenta hiperreflexia.

Mas e o que cada resultado desse indica? Caso o paciente curse com abolição ou redução dos reflexos, devemos entender que existe algo na via do arco-reflexo que está interrompendo essa informação, e isso pode ser causado por infecções, como a poliomielite, polineuropatias, miopatias e outras condições. Mas, se os reflexos estiverem aumentados, há alguma alteração no sentido de aumentar essa resposta involuntária, situações típicas de acidente vascular encefálico, neoplasias, doenças desmielinizantes, traumatismos e demais causas que podem afetar a via piramidal do movimento. Entretanto é sempre bom lembrar que as alterações de reflexos podem estar presentes em pacientes saudáveis e, por isso, a correlação com sua história e com outros dados do exame físico são fundamentais.

Semiotécnica dos principais reflexos

Agora que já sabemos o que é um reflexo tendinoso e o que os resultados obtidos podem indicar, podemos partir para aqueles mais comuns na prática médica diária.

Patelar

Com certeza esse é o mais famoso de todos, afinal quem nunca tomou uma martelada na região do joelho em uma consulta médica? Nesse caso, a percussão é feita no tendão do quadríceps, no ponto entre a patela e a tuberosidade da tíbia. Ele busca avaliar a integridade do nervo femoral e de suas raízes nervosas de L2-L3-L4, e sua resposta normal é a extensão da perna.

Aquileu

Nesse caso a percussão se dá no tendão de Aquiles, objetivando avaliar a integridade do nervo tibial posterior e as raízes L5-S1, esperando-se uma resposta normal de flexão do pé.

Flexor dos dedos

A percussão se dá na face anterior do punho. Aqui é possível avaliar o músculo flexor dos dedos da mão, nas raízes C7-C8-T1, em que a resposta buscada é a flexão dos dedos.

Supinador

Realiza-se o estímulo na região do processo estiloide do rádio para avaliar a integridade do músculo supinador, em que a resposta obtida é a flexão do antebraço com supinação e leve flexão dos dedos.

Biciptal

O músculo avaliado é o bíceps braquial, mediante uma percussão no seu tendão na fossa cubital. O nervo avaliado é o musculotâneo e suas raízes C5-C6. Nesse caso, a resposta normal é a flexão do antebraço.

Triciptal

A percussão é feita na região de inserção do tendão do tríceps braquial na região do olecrano da ulna. O músculo avaliado é o tríceps, inervado pelo nervo radial de raízes C6-C7-C8, com resposta de extensão do antebraço.

Conclusão

Portanto, podemos perceber que a avaliação dos reflexos tendíneos corresponde a uma importante etapa do exame neurológico. Os principais obtidos na prática clínica são o patelar, aquileu, flexor dos dedos, supinador, bicipital e tricipital. Em termos de resposta, eles podem estar ausentes, diminuídos, normais ou aumentados, de tal forma que o padrão de resposta pode indicar determinadas patologias. Por isso, saber realizá-los é fundamental, já que, juntamente com outras informações da história e da clínica do paciente, pode levar a hipóteses diagnósticas bem orientadas e mais assertivas.

O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.

Observação: esse material foi produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido.


Referências

Lent, R. Cem Bilhões de neurônios. 2o. Ed. Atheneu, RJ, 2010.

Semiologia Médica – Celmo Celeno Porto – 7ª Edição. 2013. Editora Guanabara Koogan.

Semiologia Médica – José Rodolfo Rocco. 1º Edição. 2010, Cap. 8. Editora Elsevier.

Semiologia Médica – Mario López, José Laurentys Medeiros –5ª Edição. 2009. Editora Atheneu.