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Boletim de Silverman-Andersen e sua aplicação na prática pediátrica | Colunistas

Boletim de Silverman-Andersen e sua aplicação na prática pediátrica | Colunistas

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Um dos eventos mais frequentes na avaliação do recém-nascido (RN), na sala de parto, é a verificação do desconforto respiratório. Os pulmões fetais ainda não são completamente funcionais, a superfície alveolar é recoberta por líquido e a circulação, nesse território, é caracterizada por uma alta resistência vascular. Ao nascimento, o RN necessita fazer a transição da troca gasosa intrauterina, realizada através da difusão placentária, para uma troca gasosa que passa a ocorrer diretamente com o ambiente. Em um curto período de tempo, faz-se necessário que os alvéolos pulmonares sejam arejados e aumente o fluxo sanguíneo para os pulmões, tornando a resistência vascular baixa. Para que essa adaptação ocorra de forma satisfatória, é necessário que o RN apresente boa função cardiopulmonar, porém, existem vários fatores de risco comuns que dificultam essa transição, tornando o desconforto respiratório uma condição extremamente recorrente na prática pediátrica.

            Devido à presença de várias entidades clínicas que podem se apresentar através de sinais e sintomas de desconforto respiratório nesse período, sua avaliação torna-se difícil e criteriosa. Algumas dessas doenças apresentam morbidade e mortalidade altas, sendo imprescindível a classificação de gravidade para que, mesmo na impossibilidade de estabelecer um diagnóstico etiológico no momento, seja imediatamente instituída uma intervenção precoce adequada à intensidade do comprometimento pulmonar do RN, a fim de evitar maiores complicações.

            Para auxiliar na classificação inicial e no acompanhamento da evolução clínica da insuficiência respiratória, um instrumento largamente utilizado na neonatologia é o Boletim de Silverman-Andersen (BSA), sobre o qual  falaremos agora.

Histórico do Boletim de Silverman-Andersen

            Em janeiro de 1956, foi publicado na revista Pediatrics o artigo no qual os médicos estadunidenses William A. Silverman e Dorothy H. Andersen apresentaram pela primeira vez o BSA. Nesse artigo, os pesquisadores buscaram avaliar o efeito do uso profilático de nebulização com água destilada em recém-nascidos prematuros, para prevenção de distúrbio respiratório obstrutivo. Um dos desfechos avaliados foi o grau de desconforto respiratório, e, para melhor quantificar esse aspecto na pesquisa, foi desenvolvido um esquema de pontuações com a ajuda da Dra. Virginia Apgar.

            Não houve diferenças significativas nos desfechos estudados entre o grupo que recebeu a nebulização e o grupo controle. Apesar da finalidade do estudo, o esquema de pontuação criado pelos pesquisadores para avaliar o grau de dificuldade respiratória ficou conhecido mais tarde como Boletim de Silverman-Andersen, uma importante contribuição dos autores para a classificação clínica de gravidade do desconforto respiratório dos RN.

Parâmetros avaliados no Boletim de Silverman-Andersen

            Para o cálculo do escore resultante da aplicação do BSA, são avaliados cinco itens do exame físico do RN, tais como apresentados na figura 1.

Figura 1 – Boletim de Silverman-Andersen. Fonte: SBP, 2017.

Os movimentos tóraco-abdominais são as primeiras características apresentadas na figura. Nos casos em que há dificuldade respiratória importante, a contração do diafragma torna-se mais intensa, o que provoca a distensão visível do abdome. Inicialmente, há o que chamamos de declínio inspiratório, quando há distensão abdominal associada a um deslocamento da parede torácica inferior para dentro, causado pela pressão negativa intratorácica. Nessa fase, a porção superior do tórax mantém seu posicionamento devido à presença do esterno. Com a evolução do distúrbio respiratório, todo o tórax é envolvido no deslocamento, caracterizando o balancim.

            No decorrer da evolução do desconforto respiratório, as primeiras retrações observadas são as subcostais e as intercostais, representadas no BSA através dos segundo e terceiro itens da figura 1. Os recém-nascidos, principalmente os prematuros, apresentam mais propensão a evoluírem com as retrações torácicas, pelo fato de sua caixa torácica ser altamente complacente.

                O batimento de asa nasal é outro fenômeno que ocorre durante o desconforto respiratório do RN. Possivelmente, esse movimento de abertura da asa do nariz durante a inspiração provoca a diminuição da resistência à passagem do ar nas vias aéreas superiores.

            O último item do BSA diferencia-se dos anteriores por ser o único a ser avalizado na fase expiratória da respiração. A presença de gemido expiratório é resultante do fechamento parcial da glote, durante a expiração. Quando há perda de volume pulmonar, essa manobra ajuda a manter a capacidade residual funcional e os alvéolos pulmonares abertos durante a expiração.

Cálculo do escore do Boletim de Silverman-Andersen e sua interpretação

            O escore de pontuação do BSA é feito a partir da soma dos valores atribuídos a cada um dos cinco parâmetros avaliados. Cada parâmetro recebe uma pontuação de zero a dois, conforme apresentado na figura 1. É feita a soma, sendo que o zero indica ausência de retrações, e 10, o grau máximo de retrações torácicas. Uma nota acima de 4 indica dificuldade respiratória moderada-grave. Em caso de pontuação superior a 8, estamos diante de uma insuficiência respiratória grave, necessitando de conduta urgente devido à iminência da instalação de uma falência respiratória.                 O Boletim de Silverman-Andersen é um instrumento valioso na orientação da tomada de decisão diante de um recém-nascido com desconforto respiratório. É um método fácil, de baixo custo, não invasivo, de aplicação rápida e que oferece informação confiável. Além disso, tem um longo histórico de uso, o que também corrobora à sua importância e sua aplicabilidade clínica nas unidades neonatais.

O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.

Observação: esse material foi produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido.


Referências

Brasil. Atenção à saúde do recém-nascido: guia para os profissionais da saúde. 2. ed. atual. Brasília: Ministério da Saúde, 2014.

HEDSTROM, A.B.; GOVE, A.E.; MAYOCK, D.E.; BATRA, M. Performance of the Silverman Andersen Respiratory Severity Score in predicting PCO2 and respiratory support in newborns: a prospective cohort study. J Perinatol. 2018; 38(5): 505–511.

MELO, A.M.A.G.P. de. et al. Neonatologia. 2. ed. ver. e atual. Barueri: Manole, 2020.

Silverman, W.A.; Andersen, D.H. A controlled clinical trials effects of water mist on obstructive respiratory signs, death rate and necropsy findings among premature infants. Pediatrics, 1956; 17 (1): 1-10.

Tratado de pediatria: Sociedade Brasileira de Pediatria. 4. ed.  Barueri : Manole, 2017.