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Câncer gástrico: saiba o essencial | Colunistas

Câncer gástrico: saiba o essencial | Colunistas

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INTRODUÇÃO

            O câncer é uma das grandes patologias da atualidade, e seu número vem crescendo substancialmente nos últimos anos. Neste artigo, iremos abordar de maneira sintética, os principais tópicos acerca do câncer gástrico.

ANATOMIA

            Antes de iniciarmos a discussão sobre o câncer gástrico em si, vamos discutir minimamente sobre a anatomia do estômago.

Figura 1. Anatomia do Estômago.
Imagens Google.

            Existem cânceres que acometem a região de antro, fundo ou corpo do estômago. Precisaremos desses conceitos posteriormente.

EPIDEMIOLOGIA

            O adenocarcinoma gástrico foi o câncer mais difundido no mundo na década de 80. O tipo de câncer gástrico que acomete o indivíduo, parece ter relação com a localização geográfica, pois o indivíduo adota determinados hábitos alimentares oriundos da região que mora e eles, por sua vez, predispõem níveis diferentes de risco.

A maioria dos casos de câncer gástrico ocorre entre 50-70 anos e é incomum antes dos 30 anos. Percebe-se também, uma predileção pelo sexo masculino. A sobrevida de 5 anos, chega a ser menor que 20%.

FATORES DE RISCO

   Os fatores de risco podem ser ambientais e genéticos (Figura 2).
Figura 2. Fatores de Risco para o Câncer Gástrico. GOLDMAN, 2018.

            A relação entre a infecção por H. pylori e o câncer gástrico ainda está em discussão na literatura, mas o que se acredita é que, a infecção por H. pylori, provoca na mucosa do estômago, uma gastrite atrófica crônica, que a longo prazo, gera acloridria, ou seja, a diminuição significativa da produção de ácido clorídrico, um importante regulador da flora bacteriana da região. Por conta da proliferação bacteriana, há a conversão de nitrato em nitrito e o nitrito associado com fatores genéticos intrínsecos do indivíduo, estimulam a proliferação celular e finalmente, o câncer.

            As causas genéticas também contribuem muito para o câncer gástrico, pois, percebeu-se que indivíduos com mutações nas proteínas E-caderina e alfa-catenina e no gene p53, têm mais chance de desenvolver o câncer de estômago. Parentes de 1º grau, como pai, mãe e irmãos, também predispõem um elevado risco de câncer gástrico.

            Além dos fatores de risco, há também algumas condições predisponentes para o desenvolvimento de câncer gástrico, dentre elas (Figura 3):

Figura 3. Condições predisponentes para o Câncer Gástrico.
GOLDMAN, 2018.

HISTOPATOLÓGICO

            A classificação de Lauren divide o carcinoma gástrico em dois tipos: intestinal e difuso.

Figura 4. Classificação de Lauren.
Site do Sanarmed,

            Ao se avaliar um carcinoma gástrico, é necessário descrever suas características:

  • Grau de diferenciação
  • Invasão pela parede gástrica
  • Comprometimento de linfonodos
  • Presença ou ausência de células em anel de sinete no tumor
  • Massa polipóide

            As células recebem o nome de “anel de sinete”, pois possuem o núcleo periférico, devido à excessiva produção de mucinas.

Figura 5. Células em anel de sinete.
Imagens Google.

            Além da classificação de Lauren, ainda há a classificação de Borrmann, que descreve características da lesão tumoral.

Figura 6. Classificação de Borrmann.
Site Endoscopia Terapêutica.

QUADRO CLÍNICO

            Geralmente, quando o câncer está nos estágios iniciais, o paciente pode se apresentar assintomático ou com sintomas inespecíficos.

            Porém, com o decorrer do tempo, o paciente pode referir inchaço, disfagia, dor epigástrica ou saciedade precoce. Sintomas como vômitos constantes e saciedade, podem indicar crescimento tumoral com obstrução parcial do lúmen esofágico. A dor epigástrica não melhora com antiácidos ou com alimentação, o que já faz diagnóstico diferencial com a doença do refluxo gastroesofágico. Quando há metástases para o pâncreas, a dor pode ser irradiada para a região lombar.

            O paciente também pode apresentar sinais como sangramentos, que podem causar anemia ferropriva, e posteriormente fraqueza, fadiga, mal-estar ou consequências cardiovasculares e cerebrovasculares. Raramente há perfuração da mucosa gástrica.

            As metástases podem se instalar no fígado, causando dor em hipocôndrio direito, icterícia e febre. Já as metástases pulmonares, causam tosse, soluços e hemoptise. Se o carcinoma se estender para o peritônio, pode gerar uma ascite que não responde bem a diuréticos. Também há a possibilidade de metástases ósseas.

EXAME FÍSICO

            Inicialmente, o exame físico se apresenta normal, entretanto começa a evoluir com caquexia, presença de massa epigástrica, hepatomegalia, icterícia e ascite. Quando há invasão da veia porta ou esplênica, pode-se encontrar trombose e esplenomegalia.

            O exame de linfonodos se mostra muito importante, pois ao encontrar o Nódulo de Virchow, geralmente o linfonodo supraclavicular esquerdo, indica-se conduta rápida, devido a extensão da doença. Também se pode encontrar o linfonodo da Irmã Maria José, o periumbilical, durante o exame do abdome.

            Ao avaliar um provável portador de câncer gástrico, o teste de sangue oculto nas fezes deve ser pedido e se positivo, contribui para o diagnóstico. O paciente também pode apresentar um estado de hipercoagulabilidade que cursa com tromboflebite superficial migratória, denominado Síndrome de Trousseau.

            Outros sinais podem ser notados, como acantose nigricans em áreas de flexão e alterações do estado mental e ataxia.

Figura 7. Acantose nigricans.
Imagens Google.

EXAMES LABORATORIAIS

            Basicamente, pode-se encontrar anemia ferropriva, hemolítica microangiopática e hipoalbuminemia, devido a desnutrição. Os resultados dos testes sorológicos, como os do antígeno carcinoembrionário e CA 72.4, podem estar anormais. Esses testes não são essenciais para o diagnóstico, mas para a evolução do paciente.

DIAGNÓSTICO

            A acurácia diagnóstica da endoscopia digestiva alta com biópsia e citologia atinge 95% a 99% para ambos os tipos de câncer gástrico.

Os tumores podem surgir como pequenas ulcerações da mucosa, um pólipo ou uma massa. Uma úlcera gástrica benigna é sugerida pela presença de uma base regular e lisa, enquanto uma úlcera maligna se manifesta com uma massa em torno da lesão, pregas irregulares e uma base irregular.

Atualmente a endoscopia digestiva alta com biópsia e citologia é obrigatória sempre que se encontra uma úlcera gástrica no estudo radiológico.

Figura 8. Úlcera gástrica benigna (à esquerda) e maligna (à direita) observada na Endoscopia Digestiva Alta.
GOLDMAN, 2018.

A ultrassonografia endoscópica pode ajudar a orientar as biópsias aspirativas de linfonodos para determinar seu caráter maligno. A Tomografia Computadorizada de tórax e abdome deve ser realizada para documentar linfadenopatia e comprometimento de outros órgãos (especialmente pulmão e fígado).

Em alguns lugares, o estadiamento do câncer gástrico inclui a realização de cintilografia óssea devido à tendência do câncer gástrico de metastatizar para os ossos.

ESTADIAMENTO

            Para o correto tratamento do paciente com câncer, é necessário investigar em qual estágio o câncer se encontra. Isso é possível pelo estadiamento TNM (Figuras 9 e 10).

Figuras 9 e 10. Estadiamento TNM do Câncer Gástrico.
GOLDMAN, 2018.

TRATAMENTO

            A ressecção cirúrgica ainda é a única modalidade terapêutica que isoladamente fornece chance de cura, que é possível em 25% a 30% dos casos. Se o tumor estiver confinado ao estômago distal, realiza-se uma gastrectomia subtotal com ressecção dos linfonodos na porta hepatis e na cabeça do pâncreas. Em contrapartida, os tumores do estômago proximal merecem uma gastrectomia total para obter margem cirúrgica adequada e remover linfonodos; a pancreatectomia distal e a esplenectomia também podem ser realizadas como parte desse procedimento, o que acarreta taxas de mortalidade e morbidade mais elevadas. Mesmo se um procedimento de cura não for possível por causa de metástase, a ressecção gástrica limitada pode ser necessária para os pacientes com sangramento excessivo ou obstrução. A maior parte das recorrências em ambos os tipos de câncer gástrico encontra-se no local ou na região do tumor primário.

            O câncer gástrico é um dos poucos tumores gastrointestinais que é relativamente responsivo à quimioterapia. Em pacientes com câncer gástrico que se submetem à gastrectomia e à dissecção estendida do linfonodo com intenção curativa,  e à quimioterapia com fluoropirimidina oral, 80 mg por dia, por 4 semanas seguida por 2 semanas sem, repetindo em ciclos de 6 semanas por 1 ano, começando 6 semanas após a cirurgia, como estratégia adjuvante, melhora significativamente a sobrevida de 70% a 80%. A quimioterapia com combinação de epirrubicina, cisplatina e fluorouracil, administrada antes e após a cirurgia, aumenta significativamente a sobrevida em 5 anos, de 23% a 36%, em pacientes com câncer gastroesofágico ressecável.

            Da mesma maneira, a combinação de quimioterapia (fluorouracil e leucovorina) com radioterapia após a cirurgia demonstrou melhorar a sobrevida mediana de 27 para 36 meses, em comparação com a cirurgia isoladamente, em pacientes com adenocarcinoma do estômago ou da junção gastroesofágica. Com um seguimento médio de mais de 10 anos, a sobrevida global e a sobrevida livre de recidiva demonstram contínuo forte benefício da quimiorradioterapia pós-operatória.

PROGNÓSTICO

            Aproximadamente um terço dos pacientes submetidos à ressecção curativa encontra-se vivo após 5 anos. Em geral, a taxa de sobrevida global do câncer gástrico em 5 anos é inferior a 10%. Os fatores prognósticos incluem localização anatômica e estado nodal. Os tumores gástricos distais sem comprometimento dos linfonodos apresentam melhor prognóstico do que os tumores gástricos proximais com ou sem comprometimento linfonodal. Outros fatores prognósticos compreendem a profundidade de penetração da parede gástrica e a presença de aneuploidia no DNA da célula tumoral.

CONCLUSÃO

            O câncer gástrico acomete geralmente homens na faixa etária de 50 a 70 anos e possui uma apresentação clínica característica, que associada aos exames laboratoriais e de imagem, possibilitam o seu diagnóstico. O tratamento engloba a terapia cirúrgica, quimioterapia e radioterapia, que unidos, podem estender a sobrevida do paciente em torno de 5 anos. O conhecimento acerca dessa patologia é imprescindível, pois com uma equipe preparada, o paciente recebe os cuidados em saúde necessários.


O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.

Observação: material produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar junto com estudantes de medicina e ligas acadêmicas de todo Brasil. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido. Eventualmente, esses materiais podem passar por atualização.

Novidade: temos colunas sendo produzidas por Experts da Sanar, médicos conceituados em suas áreas de atuação e coordenadores da Sanar Pós.


REFERÊNCIAS

Goldman, Lee. Goldman-Cecil Medicina. Grupo GEN, 2018. [Minha Biblioteca].