Carreira em Medicina

Caso Clínico: Carcinoma Hepatocelular Secundário a Infecção por Vírus da Hepatite C | Ligas.

Caso Clínico: Carcinoma Hepatocelular Secundário a Infecção por Vírus da Hepatite C | Ligas.

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Apresentação do caso clínico

J.S.L., 64 anos, sexo masculino, pardo, casado, motorista, natural e procedente de Salvador, Bahia, comparece à clínica de exames de imagem para realização de Ultrassonografia, que faz a cada seis meses para rastreamento de Carcinoma Hepatocelular.

Paciente refere astenia, fadiga e perda de peso. Nega outros sintomas. Refere sorologia positiva para vírus da Hepatite C com evidência de Cirrose Hepática (Classificação de Child-Turcotte-Pugh: A). Refere hipertensão arterial sistêmica, em uso irregular de losartana 50mg, e dislipidemia, em uso irregular de Sinvastatina 20mg. Nega alergias. Refere colecistectomia há 20 anos. Refere transfusão sanguínea em 1985, após trauma. Nega tabagismo, mas refere hábito etilista. Refere ser sedentário e possui alimentação rica em açúcares e gorduras. Refere mãe portadora de diabetes tipo 2 e pai hipertenso.

Ao exame físico, paciente alerta, em regular estado geral, lúcido e orientado em tempo e espaço, eupneico (FR=18ipm), normocárdico (FC= 66bpm), hipertenso (160X90mmHg), anictérico, acianótico, afebril (36,5ºC), fácies atípica e mucosas normocoradas.

Aparelho respiratório com murmúrio vesicular presente, sem ruídos adventícios. Aparelho cardiovascular sem alterações. Abdome globoso as custas de panículo adiposo, flácido, cicatriz umbilical intrusa, ausência de circulação colateral. RHA preservados. Timpânico à percussão. Sem sinais de ascite. Hepatimetria: 4 cm em LD e 4 cm em LE. Espaço de Traube livre. Abdome indolor à palpação superficial e profunda. Ausência de massas palpáveis. Baço não palpável. Fígado palpável, indolor, de bordas irregulares, superfície nodular e consistência endurecida.

A USG evidenciou nódulo de caráter heterogêneo, com regiões de diferentes graus de ecogenicidade, localizado em lobo hepático direito.

Fonte: http://www.hepcentro.com.br/hepatocarcinoma.htm

Foi encaminhado então para a realização da TC, que revelou novos achados característicos. A TC evidenciou realce do nódulo na fase arterial (“wash in”), além de hipodensidade na fase portal (“wash out”). Também, no filme sem contraste, o nódulo se apresentou hipodenso.

fonte: Clínica Médica – HCUSP – Vol. 4 – 2º edição

Diante do quadro sugestivo de CHC, o paciente foi encaminhado para uma RM na intenção de confirmar a suspeita diagnóstica. A RM, então, revelou achados característicos semelhantes aos da TC, confirmando a suspeita.

fonte: Clínica Médica – HCUSP – Vol. 4 – 2º edição

Exames laboratoriais feitos pelo paciente há um mês evidenciaram:

  • Hemoglobina…………………………………………………10g/dL (VR: 14-18g/dL)
  • Leucócitos……………………………………………………..5.855mm3 (VR: 4.000-10.000mm3)
  • Plaquetas………………………………………………………..140.000µl (VR: 150.000-400.000µl)
  • Bilirrubina………………………………………………………1,5mg/dL (VR: 0,20 a 1,00 mg/dL)
  • Albumina………………………………………………………….3,2g/dL (VR: 3,5-5,2g/dL)
  • Tempo de Protrombina………………………………………..17,6 seg (VR: 11-14,6seg)
  • AST/TGO…………………………………………………………..150U/L (VR: até 37U/L em homens)
  • ALT/TGP……………………………………………………………170U/L (VR:41U/L em homens)
  • GGT…………………………………………………………………….. 250 U/L (VR: 12-73U/L em homens)
  • DHL…………………………………………………………………….650U/L (VR: 240-480U/L)
  • Alfafetoproteina…………………………………………………..300ng/mL (VR: até 8,1ng/mL em homens)
  • Anti-HCV…………………………………………………………..Reagente

Questões para orientar a discussão sobre Carcinoma Hepatocelular

  1. Qual a etiopatogenia do Carcinoma Hepatocelular?
  2. Quais manifestações clínicas o paciente pode apresentar?
  3. Quais são os exames de imagem utilizados no diagnóstico e acompanhamento do Carcinoma Hepatocelular?
  4. Quais são as opções de tratamento do Carcinoma Hepatocelular?
  5. O que é a escala de Classificação Child-Tourcotte-Pugh?

Respostas

1. O Carcinoma Hepatocelular (CHC) é uma neoplasia epitelial maligna primária do fígado. De forma geral, o CHC surge a partir do acúmulo de mutações gênicas que levam a ativação de vias oncogênicas e inativação de genes supressores de tumor. É, em aproximadamente 71% dos casos precedida por cirrose hepática – processo difuso caracterizado por fibrose e pela conversão do parênquima normal em nódulos regenerativos – que pode ter sido causada por vírus da Hepatite C, alcoolismo, Hemocromatose Hereditária (condição na qual há deposição de ferro nos tecidos por alteração de seu metabolismo), esteato-hepatite não alcóolica (doença hepática de etiologia metabólica caracterizada por esteatose macrovesicular, balonização dos hepatócitos, inflamação e fibrose sinusoidal), colangite biliar primária (doença das vias biliares autoimune progressiva, que pode levar a cirrose), entre outros. As agressões persistentes que os hepatócitos sofrem por um ou mais desses fatores citados leva diminuição da capacidade de regeneração hepática e, consequentemente, cirrose. A cirrose, por sua vez, predispõe ao aparecimento do câncer. Entretanto, em 30% dos casos, há o aparecimento do CHC sem cirrose prévia, decorrentes de infecção por vírus da Hepatite B, aflatoxina (toxina produzida por fungos de caráter carcinogênico) ou uso de hormônios esteroides exógenos.

Os vírus causadores das Hepatites B e C são vírus de transmissão parenteral (sendo que o vírus B também pode ser transmitido pelas vias vertical e sexual) com tropismo pelo tecido hepático, que podem levar a um quadro de hepatite crônica, sucedido por alterações fenotípicas dos hepatócitos e possível surgimento do CHC. O vírus da Hepatite C é atualmente a etiologia mais comum de CHC.

2. Devido ao incentivo ao rastreamento semestral do CHC em pacientes que compõem grupos de risco, é comum que o CHC seja detectado em pacientes assintomáticos. Contudo, já que há forte associação do CHC com a cirrose hepática, o paciente pode se apresentar com quadro clínico sugestivo de doença hepática descompensada: ascite, encefalopatia hepática, sangramento de varizes esofágicas, ginecomastia, eritema palmar, telangiectasias, circulação colateral periumbilical, icterícia, entre outros sinais e sintomas típicos.

3. Como o Carcinoma Hepatocelular é um tumor maligno que tem sua população de risco formada em quase sua totalidade por pacientes portadores de cirrose, o diagnóstico da neoplasia se dá a partir do manejo desse paciente através de USG de rotina. A cada 6 meses, o paciente portador da hepatopatia crônica é avaliado pela dosagem sérica de Alfafetoproteína e pela USG. A dosagem de Alfafetoproteína, no entanto, é inespecífica e pouco sensível, mas quando em valores superiores a 400ng/mL, se torna muito sugestiva de CHC e apresenta aumento proporcional ao tamanho da lesão. A USG, de outro modo, é necessária para analisar o grau de fibrose hepática e para avaliar o surgimento de novas lesões. Caso haja alguma nova lesão, esse paciente é encaminhado para a realização da TC e RM, em busca de achados característicos que confirmem a suspeita inicial. Embora o diagnóstico de neoplasia seja histopatológico e exija biópsia confirmatória, para o CHC é diferente. Por ser um tumor freqüente na população portadora de cirrose hepática, o médico, ao perceber os achados característicos em dois exames de imagem em um paciente portador de hepatopatia crônica, pode confirmar a suspeita de CHC sem a necessidade de biópsia hepática.

4. O tratamento do Carcinoma Hepatocelular depende do grau de acometimento hepático. A ressecção cirúrgica de um ou mais segmentos do fígado é uma opção para pacientes com tumor localizado. No entanto, muitos pacientes já possuem comprometimento significativo da função hepática, o que os exclui da possibilidade de ressecção (para esse grupo de pacientes, indica-se o transplante hepático). Além disso, é comum que o CHC seja multicêntrico, ou seja, afete diferentes partes do órgão, o que também inviabiliza a cirurgia. Para esses pacientes, existe a opção de quimioembolização transarterial, que consiste na infusão de drogas citotóxicas na artéria hepática – principal fonte de suprimento sanguíneo tumoral – e embolização desta artéria, levando a isquemia.

Outra alternativa são as terapias ablativas locais, grupo de terapias de eficácia comparável a ressecção cirúrgica. Fazem parte desse grupo a Injeção Percutânea de Etanol – injeção de álcool absoluto diretamente no tumor, guiada por US ou TC –, a Ablação por Radiofrequência – consiste na introdução de agulha com eletrodo, que gera energia térmica dentro do tumor – e outras formas menos comuns.      

Por fim, aparece como novo tratamento para o CHC o uso de tosilato de sorafenibe, quimioterápico de ação sistêmica capaz de inibir a angiogênese e a proliferação celular.

Quanto à hepatite crônica pelo vírus da Hepatite C, tem-se como principais opções de tratamento as drogas Sofosbuvir, Simeprevir, Daclatasvir, Ribavirina, o Esquema 3D (Veruprevir/Ritonavir + Ombitasvir + Dasabuvir) e Peg-interferon. O esquema terapêutico de escolha vai depender do grau de fibrose, do genótipo do vírus e se houve tratamento anterior.

5. A escala de Classificação de Child-Tourcotte-Pugh é uma importante forma de estadiamento da cirrose. Ela é capaz de avaliar o prognóstico de pacientes com cirrose a partir de parâmetros clínicos e laboratoriais, calculando a sobrevida e a probabilidade de surgimento de complicações nos pacientes. O escore de Child-Pugh é calculado somando os pontos dos cinco fatores, e varia de 5 a 15. Por fim, o resultado encontrado pode enquadrar o paciente nas classes A (escore de 5 a 6 ), B ( 7 a 9 ), ou C ( acima de 10 ).

A escala possui importância também para o CHC pois atualmente é utilizada como critério padrão para o cadastro dos pacientes no transplante hepático, uma das opções de tratamento do cãncer, principalmente nos casos em que há disfunção hepática grave.

Autores e Orientador(a):

Área: Gastroenterologia e Hepatologia

Autores: Samantha Louise Sampaio Sá, Ana Caroline Dias Rasador e Larrie Rabelo Laporte

Revisor(a): Ana Beatriz Bomfim

Orientador(a): Nádia Regina Caldas Ribeiro

Liga: Liga Acadêmica de Gastroenterologia e Hepatologia (LAGH)