Gastroenterologia

Caso Clínico: Diverticulite | Ligas

Caso Clínico: Diverticulite | Ligas

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Imagem de perfil de LAGS

Paciente do sexo feminino, idosa, com queixa de dor em fossa ilíaca esquerda há 3 dias.

Identificação do paciente

M.S.L, Paciente do sexo feminino, 61 anos, branca, católica, viúva, heterossexual, aposentada, procedente e residente de Salvador-BA.

Grau de informação: Boa

Queixa principal

Dor em Região de Fossa Ilíaca Esquerda há 3 dias

História da doença Atual (HDA)

Paciente é admitida na Unidade de Pronto Atendimento local com queixa de dor abdominal intensa em Fossa Ilíaca Esquerda (FIE) com início há 3 dias, referida como em cólica e que piora com a defecação. Ao ser questionada sobre a intensidade da dor, classificou-a como 7/10. Nega irradiação e fatores de melhora. Informa Náuseas e Vômitos intermitentes como sintomas associados, além de Febre de 38°C há 1 dia, a qual cessou com o uso de Dipirona. Ainda relata ser obstipada cronicamente e ter tido episódio de Enterorragia há 4 meses, mas não sabe informar a causa.

Hábitos de Vida:

Refere ter alimentação irregular, hipercalórica e pobre em fibras.

Tabagista (3 maços/dia) há 15 anos.

Nega etilismo, uso de drogas ilícitas e prática de atividade física regular.

Refere uso contínuo de Metformina (850 mg) para tratamento de DM

Antecedentes Fisiológicos:

G2P2A0

Partos Cesáreos sem intercorrências

Menarca aos 15 anos; Coitarca aos 19 anos; Menopausa aos 48 anos

Nega uso de terapia hormonal

Nega atrasos no desenvolvimento

Cartão de Vacina atualizado

Antecedentes Patológicos:

Informa ser portadora de DM tipo 2 há cerca de 8 anos, com uso contínuo de Metformina 850mg para tratamento.

Histerectomia há 10 anos

Nega transfusão sanguínea

Nega Alergias

Antecedentes Familiares:

Pai portador de HAS (aos 45 anos) e DM (aos 55 anos)

Mãe era dislipidêmica e faleceu de Câncer de Cólon há 5 anos atrás.

Antecedentes Sociais:

Paciente se mostra muito preocupada com a dor abdominal por ter tido história de câncer de cólon na família. Diz que o quadro a impede de cumprir os afazeres domésticos, o que está lhe causando ansiedade.

É viúva há 2 anos e, atualmente, mora com a filha, de 33 anos, a qual é apegada e diz ser muito grata pelo apoio que está recebendo durante os últimos dias. Afirma não ter boa relação com o segundo filho (30 anos) por motivos pessoais. Informa tricô e ida a igreja como atividades de lazer durante a semana, mas que também estão sendo dificultadas devido ao quadro clínico apresentado.


Exame físico

Paciente em Regular Estado Geral e Nutricional, LOTE, fácies atípica, brevilínea, taquipneica, anictérica, febril e pálida.

Dados Antropométricos:

Altura: 1,73m    Peso: 84 kg    IMC: 28kg/m2

Circunferência Abdominal: 83 cm.     

Dados Vitais:

FC: 88 bpm  / FR: 23 ipm  / T axilar: 38 °C  / PA: 110/70 mmHg

Aparelho Cardiovascular:
Ritmo cardíaco regular em dois tempos, bulhas normofonéticas, sem presença de bulhas extras ou sopros.

Aparelho Respiratório:
Taquipneica, MV bem distribuídos em ambos hemitórax, sem ruídos adventícios.

Exame do Abdome:

Inspeção: Plano, simétrico, globoso à custa do panículo adiposo, cicatriz umbilical intrusa, ausência de circulação colateral. Sem lesões e cicatrizes.

Postura antálgica com mão cerrada em FIE.

Fonte: 1 http://medicplus.com.br/abdome-agudo

Ausculta: RHA diminuídos com ausência de sopros abdominais

Percussão: Timpânico a percussão, sem sinais de ascite, Hepatimetria: LMC D 10cm LME 7cm, Espaço de Traube Livre.  

Palpação: Dor a palpação profunda da FIE. Descompressão Brusca Positiva em FIE; Ausência de massas palpáveis, Fígado e Baço não palpáveis.

Suspeitas diagnósticas

●     suspeita 1 – Diverticulite Aguda

●    suspeita 2 – Apendicite Aguda

●    suspeita 3 – Doença Inflamatória Intestinal

●    suspeita 4 — Carcinoma de Cólon

●    suspeita 5 — Gastroenterite

Exames complementares

Laboratoriais:

Foi solicitado Hemograma Completo para a paciente, no qual foi constatada Leucocitose.

Além disso, foi realizado Sumário de Urina, que descartou a presença de ITU.

Hemograma Completo:  objetivo de avaliar presença de Leucocitose. Porém, sua ausência não descarta Diverticulite (está presente em cerca de 75% dos casos).

Sumário de Urina: afastar ITU (diagnóstico diferencial)

Imagem:

Tomografia computadorizada de Abdome e Pelve realizada revelou espessamento de parede do cólon sigmóide, com presença de divertículos.

TC de Abdome e Pelve:

 É o exame de imagem Padrão Ouro para diagnóstico de Diverticulite Aguda. Por meio dele, pode-se verificar o Sigmóide com paredes espessadas, presença de abscessos peridiverticulares e fístulas.

Utiliza-se contraste oral ou intravenoso para aumentar a precisão diagnóstica.

Os critérios mais usados para diagnóstico de DA na US ou TC são: aumento da espessura da parede colônica (>4-5mm), sinais de inflamação da gordura pericólica e presença de divertículos inflamados.

USG de Abdome: pode ser útil na ausência de TC. Porém, contraindicado em gestantes e pacientes com gases

Raio X de Abdome: pode ser usado para afastar causas obstrutivas de abdome agudo

Obs: Recomenda-se a Colonoscopia 1 a 3 meses após a resolução do episódio, a fim de excluir malignidade.

Diagnóstico

A paciente do caso apresenta uma dor abdominal aguda localizada em FIE, com sinais de peritonite e febre, sugerindo uma causa de Abdome Agudo Inflamatório. Avaliando as possíveis etiologias, os seguintes dados e fatores de risco reforçam a suspeita de Diverticulite Aguda:

  • Idade superior a 40 anos
  • Defecação como fator de piora
  • Constipação Crônica
  • História de Enterorragia
  • Alimentação pobre em fibras

A Diverticulite Aguda consiste na presença de infecção e inflamação de um divertículo1. Os divertículos são projeções da parede colônica, sendo formados a partir do aumento da pressão intraluminal associado à fragilidade da parede, tendo o Cólon Sigmóide como principal porção acometida (Fossa Ilíaca Esquerda). Na paciente do caso, a constipação crônica estaria relacionada ao aumento da pressão, já a alimentação pobre em fibras e idade com a fragilidade da parede colônica, contribuindo para o processo diverticular.

O processo inflamatório ocorre em 10 a 25% das pessoas com divertículo, ocorrendo a partir do acúmulo de fecalóides no interior do saco diverticular, com consequentes alterações vasculares e da microbiota, levando à perfuração. A diverticulite complicada inclui formação de abscessos, perfuração livre, obstrução colônica e formação de fístula

O processo inflamatório, ao atingir os folhetos do peritônio, causam os sinais de irritação peritoneal, como dor à descompressão brusca da FIE (cólon sigmóide), fazendo a paciente adotar a postura antálgica com a finalidade de afrouxar os folhetos e aliviar a dor.

Mecanismos propostos da diverticulite. Fonte: Nature, Nature Reviews Disease Primers.Disponível em: https://www.nature.com/articles/s41572-020-0153-5

Discussão do caso de Diverticulite Aguda

O que é?

Consiste na inflamação de projeções saculares da parede colônica (divertículos).


Quais os fatores de risco para essa doença?

  • Idade superior a 40 anos
  • Obesidade
  • Tabagismo
  • Constipação Crônica
  • Sedentarismo
  • Alimentação pobre em fibras

Como tratar?   

Diverticulite Aguda Não Complicada

O tratamento da diverticulite aguda não complicada é clínico. Pode ser tratada com antibióticos orais de amplo espectro e dieta líquida que pode avançar de acordo com a melhora do quadro clínico.

A Antibioticoterapia é feita da seguinte forma: Uso de Ciprofloxacino 500 mg6 (2x dia) ou Metronidazol 500 mg (4x dia) por 7 a 10 dias

A melhora do quadro costuma ocorrer após 2 a 3 dias do início do tratamento.

Obs: Pacientes com dificuldade de manter uma ingesta oral necessitam de hospitalização para hidratação e antibióticos intravenosos.

Diverticulite Aguda Complicada

Os abscessos são as complicações mais prevalentes. Os pequenos (menores do que 2cm) ou mesocólicos exigem tratamento clínico com antibioticoterapia. Já os abscessos maiores, devem ser tratados com drenagem percutânea guiada por USG ou TC, associados a antibioticoterapia (grau de recomendação B), mantendo-se o doente internado.

A cirurgia de urgência está indicada na presença de peritonite, sepse e peritonite difusa (Hinchey III/IV ), além daqueles em que o tratamento conservador falhou.

Para casos complicados com perfuração significativa, a Ressecção Cirúrgica com anastomose é a primeira indicação.

Entretanto, vale ressaltar que a melhor abordagem cirúrgica continua sujeita a avaliação médica, levando em conta fatores, como localização, estabilidade, comorbidade e o grau de inflamação intestinal.

Qual é o prognóstico do paciente?

Apenas cerca de ¼ dos pacientes evoluem com complicações mais graves, as quais representam a diverticulite complicada, como fístula, perfurações maiores e abscessos. O prognóstico nesses casos está relacionado a intensidade do quadro e a duração até o início do tratamento.

Os casos de diverticulite não complicada apresentam bom prognóstico a partir da dieta rica em fibras e antibioticoterapia oral. 

Conclusão

Após realização de Hemograma Completo e TC de Pelve e Abdome, a equipe da UPA confirmou a suspeita inicial de Diverticulite Aguda. Tendo em vista se tratar de uma diverticulite não complicada, o tratamento foi realizado com Ciprofloxacino 750 mg duas vezes ao dia e prescrita dieta rica em fibras.

Após 3 dias, a paciente retornou para avaliação médica sem queixas e com sinais vitais estáveis, agradecendo imensamente a equipe médica pelo suporte fornecido.

Autores, revisores e orientadores:

Liga: Liga Acadêmica de Gestão em Saúde (LAGS) – @lagsbahiana

Autor(a): Lucca Alves- @luccaalves0 e Rodrigo Neves- @_rodneves

Revisor(a): Rafael Carvalho- @rafaelmc25

Orientador(a): Eliana de Paula Santos – @el.iana799

O texto acima é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.

Referências:

1.      Touzios, J. G. & Dozois, E. J. Diverticulosis and Acute Diverticulitis. Gastroenterology Clinics of North America vol. 38 513–525 (2009).

2.      Tursi, A. et al. Colonic diverticular disease. Nature Reviews Disease Primers vol. 6 20 (2020).

3.      Wilkins, T., Embry, K. & George, R. Diagnosis and Management of Acute Diverticulitis. American Family Physician vol. 87 www.aafp.org/afp. (2013).

4.      Information from Your Family Doctor. American Family Physician vol. 87 http://www.asge.org/patients/patients.aspx? (2013).

5.      Tursi, A., Papa, A. & Danese, S. Review article: The pathophysiology and medical management of diverticulosis and diverticular disease of the colon. Alimentary Pharmacology and Therapeutics vol. 42 664–684 (2015).

6.      Regert, R., Bergmann, G. A. & Fillmann, L. S. DIAGNÓSTICO E MANEJO DA DIVERTICULITE AGUDA.

7.      ATUALIZAÇÃO NO TRATAMENTO DA DIVERTICULITE AGUDA DO CÓLON. https://www.sbcp.org.br/revista/nbr293/p363_371.htm.

8.      Young-Fadok, T. M. Diverticulitis. N. Engl. J. Med. 379, 1635–1642 (2018).