Área: Cirurgia Abdominal
Autores: Giovanni Silva Rocha
Revisor(a): Gabriela Chaves Celino
Orientador(a): Dr. Jorge Bastos
Liga: Liga Acadêmica de Cirurgia da Bahia – LACIR
Apresentação do caso clínico
L.A.N, sexo masculino, 23 anos, solteiro, católico, natural e procedente de Alagoinhas/BA, deu entrada na emergência queixando-se de forte dor abdominal há 14h, associado a febre e náuseas. Paciente refere dor tipo cólica, que se iniciou há 14h enquanto assistia televisão, localizada inicialmente em região epigástrica, graduada em 8/10, que piora ao se movimentar e sem fatores de melhora. Relata que, no momento, a dor migrou para região de fossa ilíaca direita, associada a febre (não mensurada) e náuseas. Nega doenças prévias e alergias. Informou que pai é hipertenso e mãe tem histórico de câncer de intestino. Paciente nega tabagismo, e relata uso de álcool aos finais de semana, além de prática de exercício físico regularmente.
Ao exame físico, o paciente se apresentava em bom estado geral, lúcido e orientado em tempo e espaço, acianótico, anictérico, mucosas normocrômicas, febril (38ºC), com PA: 110×70 mmHg, FC: 65 bpm e FR: 13 ipm. Ao exame do aparelho respiratório, paciente apresentava tórax normal, sem tiragem intercostal ou uso de musculatura acessória, expansibilidade e FTV preservados bilateralmente, som claro pulmonar à percussão e murmúrio vesicular presente e bem distribuído, sem ruídos adventícios. Ao exame do aparelho cardiovascular, paciente sem estase de jugular, precórdio calmo, ictus palpável, duas polpas digitais, localizado no 5º EIC linha hemiclavicular esquerda, sem frêmitos ou bulhas palpáveis e à ausculta, BRNF2T, sem sopros. Ao exame do abdômen, abdômen reto, com cicatriz umbilical intrusa, sem sinais de circulação colateral ou outras lesões, RHA diminuídos, além de macicez à percussão em quadrante inferior direito e dor difusa à palpação superficial e profunda. Sinal de Blumberg positivo. Sem demais alterações no exame físico.
Diante do quadro apresentado e exame físico realizado, o médico plantonista suspeitou de uma condição de apendicite aguda. Tendo em vista isso, ele solicitou alguns exames laboratoriais e de imagem para confirmação da sua hipótese diagnóstica. Os exames laboratoriais demonstraram: Hemácias 6.2 mi/mm³, Hemoglobina 16.9 g/dL, Plaquetas 239 mil/mm³, Leucócitos 15.000 cél/mm³ com desvio à esquerda, e Hematócrito 52.9%. A urinálise revelou piúria e urinálise microscópica. A ultrassonografia de quadrante inferior direito evidenciou apêndice com distensão e espessamento da parede, com 7mm de diâmetro. A Tomografia Computadorizada demonstrou presença de fecalitos em região de apêndice e borramento da gordura mesentérica periapendicular.
Confirmado o diagnóstico de apendicite aguda, L.A.N foi encaminhado para realizar intervenção cirúrgica de emergência. Foi iniciado antibioticoterapia pré-operatória com uso de Cefotetan, 2g por via intravenosa, para então, o paciente ser submetido à uma cirurgia de apendicectomia por via laparoscópica. Após a realização do tratamento, paciente evoluiu com melhora e desaparecimento dos sintomas, recebendo alta hospitalar.
Questões para orientar a discussão
1. Explique a fisiopatologia da doença.
2. Quais os outros sinais específicos de apendicite poderiam se apresentar ao exame físico?
3. Quais os possíveis diagnósticos diferenciais?
4. Quais as opções de tratamento?
5. Quais as possíveis complicações da intervenção cirúrgica?
Respostas
1. A apendicite aguda é a causa mais frequente de abdômen agudo inflamatório. Ela é desencadeada pela obstrução do apêndice, sendo na maioria das vezes, por fecalito (pequeno agregado de fezes endurecidas), mas pode ser causada por ulceração do orifício apendiceal, hiperplasia linfoide, tumor, etc. A obstrução bloqueia a produção de muco pelo apêndice, resultando em distensão e subsequente isquemia da mucosa. Esse processo permite a invasão de bactérias intraluminais (principalmente, a E. Coli e B. fragilis), com consequente infecção e inflamação. A distensão do órgão estimula fibras aferentes viscerais e produz dor periumbilical ou epigástrica visceral. Com a evolução do quadro, o processo inflamatório ultrapassa a serosa e atinge o peritônio parietal, estimulando as fibras aferentes viscerais e desencadeando dor referida e bem localizada em fossa ilíaca direita. A persistência da obstrução e inflamação pode resultar em perfuração, peritonite e formação de abscesso.
2. Dentre os sinais presentes em um caso de apendicite, temos: o Sinal de Blumberg, o qual o paciente refere dor à descompressão brusca realizada no ponto de Mcburney (localizado a 5cm da EIAS do ílio, em uma linha imaginária traçada entre a EIAS e a cicatriz umbilical; o Sinal de Rovsing, que se refere a dor em fossa ilíaca direita ao realizar manobra de palpação profunda em quadrante inferior esquerdo; Sinal do Obturador, no qual o paciente sente dor em hipogástrio direito quando é realizada rotação interna da coxa direita, com o paciente em decúbito dorsal; além do Sinal do Psoas, que é dor abdominal à extensão da coxa direita, seguida de sua abdução, com o paciente em decúbito lateral esquerdo.
3. É importante realizar diagnósticos diferenciais para casos como esse, visto que diversas doenças podem mimetizar um quadro de apendicite aguda. Como possíveis diagnósticos diferenciais, podemos citar: a ileíte de Crohn, adenite mesentérica, diverticulite de Meckel, colite tuberculosa, adenocarcinoma de cólon perfurado direito, nefrolitíase, Doença Inflamatória Pélvica, abscesso tubo-ovariano direito, rotura de folículo ovariano e torção de cisto ovariano.
4. A maioria dos pacientes com apendicite aguda necessitam de intervenção cirúrgica imediata do apêndice. Tais pacientes recebem, inicialmente, hidratação venosa, controle de distúrbios hidroeletrolíticos, e antibióticos perioperatórios para cobertura da flora colônica aeróbica e anaeróbica. A apendicite não perfurada requer dose única de antibióticos no período pré-operatório, já os pacientes com apendicite perfurada, necessitam de antibioticoterapia venosa no pós-operatório até que o paciente se torne afebril. A apendicectomia pode ser realizada tanto por via aberta quanto por via laparoscópica, sendo que a segunda é preferível por reduzir o risco de infecção, a dor, e o tempo de internação pós-operatório.
5. Dentre as complicações mais frequentes da cirurgia de retirada do Apêndice, temos que a infecção do sítio cirúrgico é a mais prevalente, culminando na manifestação de abscesso de parede. Em outros casos, podemos ter deiscências de planos da parede abdominal, com evisceração ou eventração, hérnias incisionais, fístulas apendicocutâneas, obstrução do intestino delgado e pileflebite (tromboflebite séptica da veia porta ou de suas tributárias).