Índice
Anamnese
Identificação do paciente
M.E.S, sexo masculino, 52 anos, residente e procedente de Salvador-BA, viúvo, católico, professor aposentado.
Queixa principal
Falta de ar há 1 mês.
História da doença Atual
Paciente relata dispneia há 1 mês, surgindo aos esforços moderados (como ao subir poucos degraus de escadas), por vezes associado à uma dor torácica. Informa que por muito tempo sentia falta de ar quando fazia exercícios mais intensos, mas que vem sentindo uma piora progressiva. Refere que acorda várias vezes à noite com sensação de sufocamento, levanta e depois tenta voltar a dormir colocando travesseiros no dorso. Informa que na última semana deu entrada na emergência por falta de ar intensa, onde foi realizado um exame de raio-x e o plantonista disse que ele estava congesto “SIC”. Paciente portador de HAS, DM e dislipidemia, em uso regular das medicações.
Antecedentes pessoais, familiares e sociais
No interrogatório sistemático o paciente relatou amaurose no olho esquerdo, sem outras queixas. Nega cirurgias prévias, alergias medicamentosas e alimentares. Referiu passado de febre reumática. Pai e mãe hipertensos e diabéticos.
Exame físico
Ao exame físico paciente colaborativo, BEG, LOTE, hidratado, anictérico, acianótico, eupneico. FC 85 bpm; FR 21 ipm; PA 145 x 85 mmHg; Pulso simétrico e fraco; Peso 87 kg; Altura 1,69m; IMC 30,46; Aparelho Respiratório: MV presente, simétrico e bem distribuído, ausência de RA; Som claro pulmonar à percussão. Aparelho Cardiovascular com Ictus palpável no 6° EIE, na linha axilar anterior. Na ausculta, presença de B4, ritmo regular em 2T, com sopro mesossistólico (em crescendo-decrescendo) mais audível em foco aórtico com irradiação para carótidas, que aumenta a intensidade durante a manobra de handgrip. Abdome com RHA presentes e bem distribuídos; Timpânico à percussão; Ausência de visceromegalias. Aparelho neurológico apresentando-se com força e tônus muscular preservados. Extremidades bem perfundidas, sem lesões e sem edema de MMII.
Suspeitas diagnósticas
● Estenose aórtica
● Insuficiência Cardíaca
Exames complementares
Radiografia de tórax feita previamente na Emergência apresentava campos pulmonares com sinais de congestão – inversão da trama vascular e cisura aparente; cardiomegalia global acentuada (Figura 1). Paciente retornou ao ambulatório após 2 meses, com laudo de ECG evidenciando sobrecarga de câmaras esquerdas (Figura 2). O ECO demonstrou presença de estenose aórtica importante, com espessamento da parede valvar, além de sobrecarga atrial esquerda (Figura 3). Na tomografia, campos pulmonares sem sinais de doença intersticial, porém com presença de calcificações em topografia de valva aórtica (Figura 4).




Diagnóstico
O paciente apresenta alguns achados que são típicos da estenose aórtica: pulso radial simétrico e fraco, deslocamento lateral do ictus, sopro mesossistólico em crescendo e decrescendo (sopro em diamante) e amaurose no olho esquerdo.
A estenose aórtica (EA) é uma condição em que pela restrição à abertura dos folhetos valvares, há uma redução da área valvar aórtica, levando à formação de um gradiente de pressão sistólico entre o ventrículo esquerdo (VE) e a Aorta (VE-Ao).
A resistência que a estenose valvar provoca na saída do sangue do ventrículo esquerdo para a circulação sistêmica implica no remodelamento cardíaco concêntrico, inicialmente. Quando o débito cardíaco está significativamente reduzido, por disfunção ventricular esquerda, o gradiente pressórico diminui para uma mesma área valvar aórtica. Este fato é muito importante clinicamente, pois os pacientes na fase descompensada da EA apresentam disfunção ventricular. Ao estimarmos o grau de EA apenas pelo gradiente pressórico nesses pacientes, iremos subestimar a gravidade da estenose.
Discussão
A estenose aórtica se caracteriza pela obstrução à passagem do fluxo sanguíneo da via de saída do ventrículo esquerdo para a aorta. Suas principais etiologias são a reumática e a degenerativa. Durante a evolução da doença, há um processo de calcificação valvar e redução de seu orifício. Para manter o débito cardíaco, o coração sofre uma hipertrofia ventricular esquerda, o que permite que o paciente permaneça assintomático por algum tempo. Então, daí em diante, há uma progressiva disfunção ventricular, primeiro diastólica e futuramente sistólica.
A tríade clássica dos sintomas da estenose aórtica constitui-se em angina, síncope e dispnéia, geralmente elas são desencadeadas por esforço físico, o qual aumenta a demanda de trabalho cardíaco. A Angina é a apresentação clínica mais comum nos pacientes com EA moderada a grave e tem como causa a isquemia miocárdica. Este tipo de angina não responde à terapia antianginosa clássica (nitratos, betabloqueadores, antagonistas do cálcio). O mecanismo da síncope relacionada à EA grave é a síndrome do débito fixo, ocasionando uma baixa perfusão cerebral durante um esforço físico e/ou arritmias cardíacas. A Dispneia é o sintoma inicial que marca o aparecimento da insuficiência cardíaca congestiva. Está presente em 50% da apresentação clínica da EA grave. O seu mecanismo é a congestão pulmonar exacerbada pelo exercício.
O diagnóstico da estenose aórtica baseia-se na anamnese, exame físico, e avaliação complementar, onde o ecocardiograma com Doppler tem papel de destaque, estratificando a estenose em leve, moderada e grave. O tratamento definitivo da estenose aórtica grave, quando indicado, é cirúrgico, sendo que o tratamento padrão é a troca da valva aórtica por uma prótese, que pode ser biológica ou metálica.
Conclusão
A estenose aórtica é uma valvulopatia que acomete 3% da população acima de 65%. Apresenta um longo período latente assintomático sendo a morbimortalidade muito baixos, com uma taxa média de diminuição da área valvar de aproximadamente 0,12 cm² por ano, sendo a progressão da estenose aórtica mais rápida na degeneração cálcica do que na doença congênita ou reumática.
Ao manifestar o início dos sintomas a sobrevivência média é < 2 a 3 anos. Em estudo há registro da incidência de angina, síncope e dispnéia em pacientes assintomáticos c/ velocidades ao doppler > 4 m/s de 38% após 2 anos e 79% após 3 anos. . Podendo ocorrer morte súbita em pacientes com estenose aórtica grave, mas tem sido raramente documentada em pacientes sem sintomas prévios. Por conseguinte se faz necessário que os pacientes com estenose aórtica grave precisam ser orientados da necessidade de procurar um serviço de saúde em detrimento a novos sintomas. Contudo muitas vezes essa patologia cursa de modo assintomático, é preciso manter os cuidados e acompanhamentos com esses pacientes, visto que sua evolução tem grande impacto na qualidade de vida dos mesmos.
Autores, revisores e orientadores:
Liga: Liga Acadêmica de Radiologia da Bahia – @larb.unime
Autora: Bárbara de Matos Santos – @binhamattos
Autor: Ecles José Fonsêca Viana Júnior – @e.junior01
Revisora: Ana Cássia Gonzalez dos Santos Estrela – @ana_cassiag
Orientadora: Dra. Lara Cardoso – @laracardoso40
O texto acima é de total responsabilidade do(s) autor(es) e não representa a visão da sanar sobre o assunto.
Observação: esse material foi produzido durante vigência do Programa de Ligas Sanar. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido.
Referências
KATZ, Marcelo; TARASOUTCHI, Flávio; GRINBERG, Max. Estenose aórtica grave em pacientes assintomáticos: o dilema do tratamento clínico versus cirúrgico. Arquivos Brasileiros de Cardiologia, [S.L.], v. 95, n. 4, p. 541-546, out. 2010. FapUNIFESP (SciELO). Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/s0066-782×2010001400019.
GODINHO, Ana Rita et al. Estenose aórtica grave: associações esquecidas. Revista Portuguesa de Cardiologia, [S.L.], v. 33, n. 9, p. 563-563, set. 2014. Elsevier BV. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1016/j.repc.2014.02.006.
FENOLON, Maria Paula Meireles et al. Relato de caso de tratamento transcateter de paciente com estenose aórtica importante, lesão em tronco de coronária esquerda e aorta em porcelana. 2019. Sociedade Brasileira de Cardiologia de São Paulo. Disponível em: http://socesp2019.socesp.org.br/trabalho/resumo/1481.
SOCIEDADE BRASILEIRA DE CARDIOLOGIA. Disponível em: http://sociedades.cardiol.br/socerj/area-cientifica/resumo_indicacoes01.asp.