Caso Clínico de Hemofilia A | Ligas

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Área: Genética Médica

Autores:
Allan Cristhyan Alves Carvalho       

Revisor: Davi Alves
Ribeiro

Orientador: Vicente
de Paulo Teixeira Pinto                       

Liga:
Sociedade Acadêmica de Genética Médica de Sobral

Apresentação do caso clínico

   J.V.S.F, 4
anos, sexo masculino, natural e procedente de Sobral, chega ao PSF de seu
bairro, acompanhado da mãe, com história de trauma no pé direito quando jogava futebol
com os amigos. O paciente foi previamente cuidado por medidas locais pelos pais
e, devido à não melhora do quadro, procurou auxílio no PSF, onde realizaram
limpeza e esterilização local, curativo e receitaram-no o uso de cefalexina
domiciliar. Dois dias após, os sintomas persistiram, buscando ajuda, agora, na
Santa Casa da Misericórdia de Sobral com sangramento e hematoma no pé direito persistentes,
onde foi realizado desbridamento e hemostasia local. Após melhora, recebeu
alta. Dois dias depois o paciente retornou ao hospital com aumento do hematoma no
pé, necessitando da realização de dois novos desbridamentos e iniciado
investigação laboratorial. Resultados significativos:

  • Fator VIII- 4.4% (VR:
    70 a 150%) e tempo de trombina diminuído.

   O paciente
foi tratado por 14 dias com Amoxicilina e Clavulanato e 6 dias de Ácido
Trenexâmico. Evoluiu bem e seguiu em acompanhamento na Clínica Médica.

Questões para orientar a discussão           

1. O que é a hemofilia A?

2. Como funciona a hereditariedade da doença?

3. Como é a clínica do paciente com Hemofilia?

4. Como é feito o diagnóstico?

5. Tem tratamento?

Respostas

1. As hemofilias são distúrbios da coagulação
que advêm da deficiência de fator VIII (hemofilia A) ou de fator IX (hemofilia
B) da coagulação, devido a mutações nos genes que codificam os fatores VIII ou
IX, respectivamente. A prevalência
estimada da hemofilia é de aproximadamente um caso em cada 5.000 a 10.000
nascimentos do sexo masculino para a hemofilia A, e de um caso em cada 30.000 a
40.000 nascimentos do sexo masculino para a hemofilia B. A hemofilia A é mais
comum que a hemofilia B e representa cerca de 80% dos casos.  A gravidade e frequência dos episódios
hemorrágicos está relacionado ao nível residual de atividade de fator VIII ou
IX presente no plasma e este relaciona-se ao tipo de mutação associada à
doença. Na hemofilia A clonagem do gene do fator VIII tornou possível o
conhecimento das bases moleculares da hemofilia A, sendo hoje conhecidas mais
de 1.000 mutações associadas à doença. O conhecimento das bases moleculares da
hemofilia A permite uma melhor compreensão da relação genótipo-fenótipo da
doença, tomada de condutas clínicas diferenciadas em casos de mutações
associadas a um maior risco de desenvolvimento de inibidor, determinação da
condição de portadora de hemofilia em mulheres relacionadas aos pacientes,
implementação de programa de aconselhamento genético/orientação familiar e
melhor compreensão das relações estruturais-funcionais do gene-proteína. Este
artigo propõe revisar as bases moleculares da hemofilia A, os métodos
laboratoriais utilizados para a caracterização das mutações e as implicações
clínicas envolvidas no diagnóstico molecular da hemofilia A.

2. As hemofilias são transmitidas quase que
exclusivamente a indivíduos do sexo masculino por mães portadoras da mutação
(cerca de 70% dos casos). Porém, em cerca de 30% dos casos, a doença origina-se
a partir de uma mutação de novo, fenômeno que pode ocorrer na mãe ou no feto.
Os casos decorrentes de mutações de novo são chamados de esporádicos,
podendo tratar-se de pacientes isolados (um único caso presente), ou a
ocorrência apenas entre irmãos, ou seja, ausente em gerações pregressas. Filhas
de homem com hemofilia serão portadoras obrigatórias. Apesar de muito rara, a
hemofilia pode ocorrer em mulheres, em decorrência da união de homem com
hemofilia e mulher portadora. Mais comumente, mulheres portadoras podem
apresentar baixos níveis de fator VIII ou fator IX, evento este relacionado à
inativação do cromossomo X “normal”, isto é, aquele que não carreia a mutação
associada à hemofilia, processo conhecido como lionização.

3. A apresentação clínica das hemofilias A e B é
semelhante e derivam basicamente de consequências devido à deficiência ou ausência
dos fatores da coagulação VIII ou IX. Geralmente, os pacientes cursam com sangramentos
intra-articulares (hemartroses), hemorragias musculares ou em outros tecidos ou
cavidades. As hemartroses afetam mais frequentemente as articulações do joelho,
tornozelo, cotovelo, ombro e coxofemoral. Os episódios hemorrágicos podem
surgir espontaneamente ou após traumas, e persistem por um tempo bem mais
elevado em relação às crianças sadias. Abaixo, podemos visualizar uma tabela
que associa a gravidade da doença ao nível plasmático de fator VIII ou IX.

Ainda, podemos observar nesta outra tabela
os tipos de sangramentos e as respectivas frequências na Hemofilia.

4. O diagnóstico da doença deve ser sempre
realizado associando-se os aspectos clínicos e os exames laboratoriais. O diagnóstico de hemofilia deve
ser pensado sempre que há história de sangramento fácil e persistente após pequenas
lesões, ou espontâneo, podendo se manifestar na forma de hematomas subcutâneos
nos primeiros anos de vida, ou sangramento no tecido muscular e/ou articular em
meninos acima de dois anos, ou mesmo com história de sangramento excessivo após
procedimentos cirúrgicos ou extração dentária. É importante lembrar que embora
a história familiar esteja frequentemente presente, em até 30% dos casos pode
não haver antecedente familiar de hemofilia. O coagulograma com alargamento do
tempo de tromboplastina parcialmente ativada (TTPa) e tempo de protrombina (TP)
normal é observado na grande maioria das vezes, com exceção de alguns casos de
hemofilia leve, onde o TTPa permanece normal. O diagnóstico confirmatório é
realizado por meio da dosagem da atividade coagulante do fator VIII (hemofilia
A) ou fator IX (hemofilia B).

5.  Felizmente, devido aos grandes avanços da medicina moderna, hoje contamos
com um tratamento eficiente para a Hemofilia. O
tratamento consiste basicamente na reposição do fator anti-hemofílico. Paciente
com hemofilia A recebe a molécula do fator VIII, e com hemofilia B, a molécula
do fator IX. Os hemocentros distribuem gratuitamente essa medicação que é
fornecida pelo Ministério da Saúde.

Quanto mais cedo o diagnóstico e, por
conseguinte, o tratamento, menores serão consequências negativas que deixarão
os sangramentos. Dessa forma, hoje, é preconizada a chamada profilaxia
primária, isto é, a infusão do fator de coagulação a partir do primeiro
sangramento, de duas a três vezes por semana para a prevenção de hemorragias
posteriores. Assim se evita a lesão articular. Mesmo para quem apresenta alguma
sequela articular, o uso frequente do fator, profilaxia secundária ou
terciária, irá ajudar a melhorar a qualidade osteomolecular e evitar sangramentos.

Também são necessárias algumas recomendações
ao núcleo familiar:

  • Caso
    algum outro membro da família comece a apresentar sintomas semelhantes, leva-lo
    o quanto antes ao médico para buscar diagnóstico precoce.
  • Os
    pais da criança hemofílica devem buscar orientação com seu médico acompanhante,
    com vista a saber lidar com o filho hemofílico e como devem estimular a
    criança a crescer normalmente, sem prejuízos para sua vivência social.
  • A prática de exercícios físicos é essencial para toda criança,
    auxiliando na saúde e na socialização. No entanto, esportes como judô,
    rúgbi e futebol são desaconselhados, devido ao risco de traumas.
  • É essencial que a família busque o aconselhamento genético, com o
    fito de estruturar corretamente a família, sabendo dos possíveis riscos da
    transmissibilidade da doença aos descendentes.

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