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Recentemente publicamos um post mostrando que a COVID-19 pode se apresentar, de forma atípica, com sintomas gastrointestinais.
Desta vez, preparamos este post com um caso clínico REAL de Covid-19 para exemplificar um espectro diferente da doença causada pelo novo coronavírus.
O caso é enriquecedor, pois traz algo além do óbvio e do dia-a-dia daqueles que estão na linha de frente.
Pacientes se apresentando com sintomas respiratórios em qualquer lugar do país serão tratados como suspeitos de COVID-19. Mas e se os sintomas forem diferentes daqueles que você espera, você irá desconfiar de que pode se tratar também de um caso de COVID-19?
Confira então o caso clínico de covid-19 com sintomas gastrointestinais, e aproveite a discussão colocada no final para enriquecer o seu conhecimento a respeito desta nova doença que ainda guarda muito conhecimento a ser descoberto:
Apresentação do caso clínico de covid-19
HDA: Paciente masculino, 24 anos, apresenta-se com queixa de diarreia (3x ao dia) e dor abdominal em região de abdome superior, de início há um dia. Paciente negou história de diarreia crônica ou doença intestinal prévia. Também apresentava tosse moderada e coriza. Havia trabalhado em Wuhan durante o surto de COVID-19, porém nega ter estado no Mercado de Frutos do Mar de Huanan.
Abordagem diagnóstica inicial: Considerando a história epidemiológica, o paciente foi isolado imediatamente. Foram solicitados exames laboratoriais e tomografia de tórax, que mostrara, as seguintes alterações:
Alterações laboratoriais e de imagens Hemograma: Leucopenia (3.800/mm³)
Tomografia de tórax: Opacidades periféricas em vidro fosco no pulmão esquerdo.

Figura 1: Tomografia inicial do tórax, mostrando opacidades periféricas em vidro fosco no lobo inferior do pulmão esquerdo (quadro amarelo).
Abordagem terapêutica inicial: Devido os resultados apresentados, o paciente foi considerado como caso altamente suspeito de COVID-19. Foram prescritos Oseltamivir (75mg) e Norfloxacin (300mg) duas vezes ao dia.
Foram coletadas 2 amostras de SWAB de orofaringe para teste de RT-PCR para SARS-CoV-2. Ambos os testes deram positivo e o paciente foi diagnosticado com pneumonia por COVID-19.
Reabordagem terapêutica:
Após o diagnóstico de COVID-19, foi prescrito uma combinação oral de 2 comprimidos de lopinavir/ritonavir (200mg/50mg) diariamente.
O paciente também foi reavaliado do ponto de vista clínico, e novos exames foram solicitados para acompanhar a evolução:
Reavaliação clínica
Dados vitais:
- Tax: 36.4°C
- PA: 125/80 mmHg
- FC: 78 bpm
- FR: 19 ipm
- SaO2: 97% em ar ambiente.
Exames laboratoriais:
- Leucócitos: 4.380/mm³ (Sem alteração);
- Linfócitos: 1.150/mm³ (Sem alteração);
- Neutrófilos: 2.620/mm³ (Sem alteração);
- Proteína C reativa: 16mg/L (Levemente alterado);
- VHS: 24 mm/h (Levemente alterado);
- K: 3.2 mmol/L (Alterado);
Exames de imagens:
Uma segunda tomografia foi realizada, e nesta já havia redução da lesão pulmonar:

Figura 2: A segunda TC do tórax revelou volume e densidade reduzidos da lesão pulmonar esquerda (quadro amarelo).
Devido à persistência da dor abdominal, uma tomografia de abdome sem contraste também foi solicitada:

Figura 3: As imagens tomográficas coronal (A) e axial (B) do abdome revelaram edema da parede intestinal no cólon ascendente distal, cólon transverso e cólon proximal no cólon descendente (seta vermelha), sem exsudação no espaço circundante. A ampliação da imagem local da imagem axial (B, moldura vermelha) mostra que a parede intestinal do cólon está edemaciada, em camadas, e os vasos mesentéricos circundantes estão levemente dilatados.
Após o 4º dia de tratamento com lopinavir/ritonavir, os sintomas do paciente diminuíram significativamente. Novas tomografias de tórax e abdome foram solicitadas, mostrando diminuição da opacidade em vidro fosco no lobo inferior esquerdo, e o edema intestinal da parece do Cólon havia praticamente desaparecido:

Figura 4: Em A, a opacidade em vidro fosco no lobo inferior do pulmão esquerdo é quase absorvida. Em B, o edema da parede intestinal no cólon transverso, no cólon ascendente e no cólon descendente desaparece substancialmente e o cólon parece normal (seta branca).
Subsequentemente, 2 amostras de SWAB de orofaringe e um SWAB anal foram coletados para teste de RT-PCR para SARS-CoV-2. Ambas as amostras deram negativas. O paciente então foi considerado curado, e recebeu alta.
Discussão de caso de covid-19
Este é um caso muito interessante por mostrar manifestações atípicas que não foram o centro das atenções na pandemia do novo SARS-CoV-2. Os sintomas respiratórios aparecem como a manifestação típica da COVID-19, com a tosse e a febre sendo as mais comuns. Sintomas gastrointestinais, como diarreia e dor abdominal, são raramente relatados. O caso clínico mostrou um homem jovem que se apresenta com sintomas gastrointestinais importantes, e que posteriormente foi diagnosticado com COVID-19.
Qual seria a fisiopatologia por trás dos sintomas gastrointestinais?
Para responder a esta pergunta, vamos lembrar o mecanismo da doença. O SARS-CoV-2 entra nas células utilizando o receptor ACE2. Este receptor é encontrado abundantemente nas células pulmonares, mas não apenas nelas!!! Pesquisas recentes mostraram que o receptor ACE2 é também expresso nas células epiteliais do esôfago, íleo e cólon. Aqui então estaria a hipótese teórica que explicaria os sintomas gastrointestinais como a principal manifestação de pacientes infectados pelo SARS-CoV-2.
O SARS-CoV-2 pode ser transmitido pelas fezes?
O DNA do SARS-CoV-2 foi encontrado nas fezes de pacientes confirmados com COVID-19. No entanto, ainda permanece uma questão controversa se a transmissão fecal acontece.
Quais alterações gastrointestinais já documentadas até o momento?
Até o momento, existem poucos relatos das alterações gastrointestinais que podem ser causadas pela COVID-19.
Na anatomia macroscópica, há relatos de leve derrame na cavidade abdominal, dilatação e estreitamento de segmentos do intestino, sem alterações na coloração.
Estas alterações mudam de acordo com o nível de degeneração e necrose causados. No paciente do caso, os achados da Tomografia de Abdome mostraram que as paredes intestinais do Colon ascendente, transverso e descendente estavam edemaciadas, espessadas e estratificadas (lembrando as alterações causadas pela doença inflamatória intestinal).
Conclusão
Devido à manifestação atípica com sintomas gastrointestinais, diagnosticar precocemente estes pacientes é um desafio para o médico.
Estes sintomas podem facilmente serem confundidos com outras afecções do trato gastrointestinal, como as infecções que cursam com diarreia.
Portanto, este é um excelente caso demonstrando que, no contexto de uma pandemia da COVID-19, a apresentação de pacientes com sintomas gastrointestinais sem história forte que aponte para uma causa específica deve, pelo menos, acender uma luz de desconfiança do médico para fazê-lo pensar que pode estar lidando com manifestações atípicas da COVID-19.
Este caso clínico foi retirado e adaptado de um relato de caso publicado por pesquisadores chineses.
Confira o vídeo:
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