Caso clínico Sífilis | Ligas

Índice

Área: Ginecologia

Autores: Camila
Osterne Muniz, Jéssica Moreno Soledade de Andrade e Lara Manuela Menezes
Guimarães

Revisor(a): Isabela Salzedas Vilela

Orientador(a): Lídia Lima Aragão
Sampaio

Liga: Liga
Acadêmica de Ginecologia e Obstetrícia – LAGOB

Apresentação do caso clínico

R.J.S, 25 anos, sexo feminino, negra, solteira,
agnóstica, secretária, natural e procedente de Salvador-BA procura o
ambulatório de ginecologia devido a múltiplas manchas avermelhadas nos MMSS e
MMII há 1 semana, além de lesões pustulosas e hipertróficas em palma das mãos e
planta dos pés. Além disso, relatou que essas lesões vieram acompanhadas de
febre aferida (37,4°C) não acompanhada de calafrios. Apresentou também mal-estar
e cefaleia sem irradiação e difusa (5/10). Referiu ainda que há 11 semanas
notou aparecimento de uma única úlcera na vulva, com formato arredondado.
Afirma que a lesão tinha bordas elevadas, que era indolor e firme ao toque.
Nega prurido, pústulas e outras lesões bolhosas. Relata ainda “íngua” sic inguinal
do lado esquerdo, não dolorosa e não supurativa. Porém, pensou que a úlcera
tinha sido um machucado decorrente da depilação e não procurou ajuda médica nem
fez uso de nenhum medicamento, já que depois de 6 semanas houve desaparecimento
da adenopatia e da lesão, que não deixou cicatriz. Nega alteração no fluxo
menstrual, corrimento, dispareunia, vaginismo e frigidez. No momento,
encontra-se com mal-estar. A paciente afirma, ainda, ter vida sexual ativa e
revelou ter mantido relações sexuais desprotegidas com diversos parceiros,
sendo que quando perguntada, referiu que descobriu que um dos parceiros é
infectado pelo vírus HIV. Porém, nega ter realizado exames sorológicos após as
relações sexuais.

Paciente em bom estado geral e nutricional, lúcida e orientada no tempo e no espaço, fácies atípicas, mucosas normocrômicas, escleras anictérias, febril ao toque. Eupneica (FR: 17 ipm), normocárdica (FC: 80 bpm) e normotensa (PA: 120 X 80 mmHg) e febril (37,4°C). Pele e fâneros: pele corada e mucosas coradas, unhas e fâneros sem alterações. Presença de exantemas maculopapulares simétricos que envolvem o tronco e os membros superiores e inferiores medindo cerca de 1,5 cm. Presença, também, de lesões pustulosas, hipertróficas e eritematosas em palma das mãos e planta dos pés medindo entre 1 e 2 cm. Mucosa da boca de aspecto normal, sem desvio de úvula. Presença de linfonodomegalia generalizada na paciente. Exame dos aparelhos cardiovascular, respiratório, gastrointestinal e neurológico sem alterações.  

FONTE: HOFFMAN, Barbara L. et al. Ginecologia de WILLIAMS. 2 ed. Porto Alegre. Artmed. 2014.

A paciente foi orientada a realizar exames laboratoriais como:
Hemograma, Leucograma e Plaquetograma sem alterações, VDRL positivo, FTA-Abs
positivo, Anti-HIV positivo.

Questões
para orientar a discussão     

  1. Pela história da moléstia atual, exame físico e exames complementares qual a suspeita de diagnóstico? E quais são as vias de transmissão da doença?
  2. Quais é a classificação desta doença? E quais são as principais características de cada fase clínica?
  3. Como é feito o diagnóstico desta doença? Qual a classificação dos exames sorológicos a serem realizados? Cite dois exemplos de cada tipo.
  4. Comente sobre a relação da doença em questão com infecção pelo vírus HIV.
  5. Qual o tratamento indicado para este paciente?

Respostas

1 – A principal suspeita do caso é Sífilis secundária. A Sífilis é uma doença infecciosa sistêmica causada pela espiroqueta Treponema pallidum, que é um organismo fino, de forma de espiralada. A transmissão ocorre mais comumente por contato sexual, mas pode ser por transfusão sanguínea ou via transplacentária.

No
que diz respeito ao contágio direto, é preciso observar que em alguns casos, a
transmissão também pode ocorrer via cutânea e bucal. Trata-se de uma doença
infecciosa que, se não devidamente conduzida, evoluirá do estágio primário e
secundário (que são infectantes) para o estágio terciário.

2 – A Sífilis pode ser classificada em adquirida. Sendo ainda subdividida em primária, secundária e terciária; e em sífilis congênita, que pode ser subdividida em recente (casos diagnosticados até 2 anos de idade após o contágio) ou tardia (casos diagnosticados após 2 anos de idade do contágio).

A Sífilis primária é caracterizada no caso pela passagem no caso “Notou aparecimento de uma única úlcera na vulva arredondada, com bordas elevadas, indolor e firme ao toque, concomitante a adenopatia inguinal não dolorosa e não supurativa”. Logo, é possível perceber que essa fase é demonstrada pelo aparecimento de uma lesão ulcerada e pequena no sítio da infecção nos órgãos genitais, denominada cancro ou cancro duro. O cancro é indolor, tem base endurecida e apresenta exsudato seroso transparente que contém muitas espiroquetas, sendo o exsudato extremamente infeccioso. O cancro pode não ser facilmente percebido pelas mulheres na primeira fase da doença, pois é comum que nas mulheres se localize cérvice uterina, diferente do caso da paciente que conseguiu notar por ter aparecido na vulva. É o estágio de infecção primária que entra no diagnóstico diferencial de úlceras genitais. Os gânglios na região da lesão primária podem apresentar-se aumentados, porém indolores. Essa lesão pode se desenvolver entre 10 dias a 12 semanas após a exposição, com um período médio de incubação de três semanas. A lesão ulcerada vai desaparecer após cerca de 4 semanas e pode persistir até 8 semanas, e, como no caso acima descrito, é normal a lesão desaparecer sem tratamento geralmente sarando sem deixar cicatrizes. Porém, quando se faz uso do tratamento, há rápida responsividade e deixa de ser infectante em cerca de 24 horas porque as espiroquetas não conseguem sobreviver a carga de antiviral.

Cancros sifilíticos vulvares sobre o períneo. FONTE: HOFFMAN, Barbara L. et al. Ginecologia de WILLIAMS. 2 ed. Porto Alegre. Artmed. 2014.

Já a Sífilis secundária, que surge entre 4 a 8
semanas, após o desaparecimento do cancro duro, é caracterizada por erupções
distribuídas pela pele e mucosas, principalmente nas regiões palmar e plantar,
como a imagem da palma das mãos da paciente do caso acima. A partir de 2012 o
livro “Manual de Ginecologia e Obstetrícia SOGIMIG” traz a determinação que as
roséolas em região palmar e plantar são consideradas patognomônicas para
sífilis secundária. As lesões podem ser roséolas, pápulas, e em regiões úmidas
podem ser observadas placas branco-acinzentadas e condilomas planos. As lesões
são ricas em espiroquetas e também são muito infecciosas. Como a sífilis é uma
infecção sistêmica, podem ser observados, assim como retratado no caso, mal-estar,
febrícula, cefaleia, adinamia, linfadenopatia generalizada e perda de tufos de
cabelo. Nesta fase também pode ocorrer o
contágio sexual.
A Sífilis latente é secundária ao período de um ano após o surgimento
de sífilis secundária sem tratamento. A sífilis latente tardia é definida como
aquela na qual se tenha passado um ano desde a infecção inicial. O diagnóstico
dessa fase é feita através da sorologia positiva. Inicia quando desaparecem as
lesões cutâneas da fase secundária e persiste até que surjam manifestações da
terciária.

A sífilis terciária não tratada pode surgir até 20 anos após a infecção. Em geral, as lesões formam granulomas destrutivos chamados gomas e ausência quase total de treponemas. Podem ser acometidos ossos, fígado, músculos e fígado. Lesões gomosas podem invadir e perfurar o palato e destruir a base óssea do septo nasal. A paciente do quadro do caso acima não possui ainda manifestações terciárias, porém se ela permanecesse sem tratamento por mais 20 anos, por exemplo, poderia haver acometimentos em outros sistemas como envolvimento cardiovascular, do SNC e do sistema musculoesquelético.

3 – O diagnóstico laboratorial definitivo é feito pela pesquisa direta do Treponema pallidum por microscopia de campo escuro, pelos métodos de coloração ou pela imunofluorescência direta. Esses métodos são ideais para diagnóstico de lesões sifilíticas em curso e sífilis congênita precoce.
As amostras podem ser colhidas a partir de lesões, do aspirado de linfonodos e/ou material de biópsia. Os anticorpos treponêmicos são produzidos especificamente contra o Treponema começam a surgir na corrente sanguínea cerca de 7 a 10 dias após o surgimento do cancro duro, diferente dos não troponêmicos que já estão em atividade antes desse período. Por isso, no início deste estágio, os testes imunológicos podem não apresentar reatividade. Em relação à sorologia, há testes troponêmicos e não treponêmicos, os quais são utilizados para triagem e acompanhamento. O primeiro teste imunológico a se tornar reagente em torno de 10 dias da evolução do cancro duro é o FTA-Abs.
Em casos em que não seja possível a realização da pesquisa direta do T. pallidum, o diagnóstico presuntivo deverá ser feito pela observação da lesão típica e da anamnese do paciente, sendo importante investigar se existe história pregressa de tratamento de sífilis. Deve-se ainda realizar testes preferencialmente treponêmicos para detecção de anticorpos específicos. Caso o resultado seja não reagente, este deverá ser repetido após cerca de 30 dias para a confirmação ou não da infecção. Na ausência de diagnóstico positivo, o diagnóstico suposto pode ser confirmado com os testes sorológicos não treponêmicos (Inespecíficos e detectam a produção de anticorpos IgG e IgM contra a substância liberada pelos treponemas): (1) teste VDRL (Venereal disease Research Laboratory), o qual pode ser positivado em condições como: tuberculose, hanseníase, hepatite ou (2) teste da reagina plasmática rápida (RPR).

Como
alternativa, pode-se optar pelos testes treponêmicos (Os quais utilizam o T.
pallidum como antígeno e detectam IgG e IgM sem distinção de classes): (1) teste de
absorção de anticorpo de treponema fluorescente (FTA-ABS, de fluorescent
treponemal antibody-abscryption) ou (2) teste de aglutinação passiva para anticorpo
contra Treponema pallidum (TP-PA, de Treponema pallidum particle
agglutination).

O primeiro a ser pedido é o VDRL, e se vier numa titulação superior a 1/16, segue-se com a requisição de um FTA-abs para confirmar o diagnóstico, lembrando que o VDRL só virá positivo cerca de 30-50 dias após a infecção, por isso um VDRL negativo não exclui o diagnóstico.

4 – A coinfecção com o vírus HIV pode decorrer do fato de ambas as infecções serem sexualmente transmissíveis. Além disso, as lesões ulceradas nas áreas genitais aumentam o risco de infecção pelo HIV. Nestes casos a sífilis primária tem a presença de múltiplos cancros e o acometimento do SNC pode ser mais precoce. E como a paciente é HIV positiva torna-se necessário avaliar o líquido cerebrospinal (VDRL, FTA-abs, celularidade, albumina), assim como em outros casos como: quando houver presença de sinais e sintomas neurológicos ou oftálmicos, sífilis terciária, falha de tratamento, paciente anti-HIV positivo, VDRL com altos títulos e tratamento não penicilínico em sífilis tardia.

5 – O tratamento da sífilis primária e secundária é por Penicilina G Benzatina 2,4 milhões UI via intramuscular, dose única ou Penicilina G Procaína 1,2 milhão UI, via intramuscular/ dia, por 10 dias. Já o tratamento da sífilis tardia é feito com as mesmas drogas, utilizando a primeira uma vez por semana, por 3 semanas; e a segunda por 15 dias. Caso a paciente tenha alergia à penicilina, podem ser usadas Doxiciclina 100 mg VO 2x/dia ou Tetraciclina 500 mg VO de 6/6h ou Eritromicina 500 mg VO de 6/6h. Após a dose terapêutica pode surgir a reação febril de Jarisch-Herxheimer, com exacerbação das lesões cutâneas; porém, com resolução espontânea.  

Posts relacionados:

Confira o vídeo:

Compartilhe este artigo: