Residência Médica

Caso Clinico: Neurociências – Doença de Creutzfeldt-Jakob (DCJ)

Caso Clinico: Neurociências – Doença de Creutzfeldt-Jakob (DCJ)

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Imagem de perfil de Graduação Médica

História Clínica

RTM, sexo masculino, 48 anos.

Queixa principal: alteração de marcha e dificuldade para movimentar dimídio esquerdo.

História da moléstia atual: paciente procurou atendimento médico por alteração da marcha e dificuldade para movimentação de dimídio esquerdo. Relata que, há 15 dias, apresenta, de forma progressiva, dificuldade para deambulação associada à rigidez e incoordenação de membro superior esquerdo. Previamente hígido, não usa medicações. Nega etilismo, tabagismo e uso de drogas ilícitas. Seus antecedentes familiares não são significativos.

Exame físico

Pressão arterial: 130/85 mmHg.

Aparelho respiratório: Sons respiratórios normais, sem ruídos adventícios. Tórax simétrico, sem alterações na expansão e na elasticidade.

Aparelho cardiovascular: Bulhas normorrítmicas e normofonéticas em 2 tempos, sem sopros, clicks ou estalidos.

Neurológico: Paciente vigil, consciente e orientado no tempo e espaço; ausência de alterações nos nervos cranianos; hipertonia nos membros superior e inferior esquerdos; força muscular e reflexos tendinosos normais globalmente; sensibilidade preservada; ausência de sinais meningorradiculares; marcha atáxica; provas indicador-nariz e calcanhar-joelho positivas; dismetria e decomposição do movimento em membro superior esquerdo. Durante o exame desenvolveu, espontaneamente, postura em flexão de punho esquerdo com mão em garra, sugerindo quadro de distonia.

Demais aparelhos sem alterações.

Hipótese diagnóstica

Síndrome cerebelar, apesar da hipertonia e distonia com reflexos normais sugerirem quadro extrapiramidal.

Exames complementares

Exames laboratoriais

Eletrólitos normais, incluindo cálcio, hemograma normal, sem macrocitose, TSH normal, sorologia para HIV e VDRL negativos.

TC e RNM de encéfalo

Sem alterações.

LCR

Exame normal; apenas verificou-se discreta hiperproteinorraquia (59 mg/dL). Pesquisa pela tinta da China (tal substância facilita a visualização de elementos fúngicos) e VDRL do líquor negativos. Dosagem normal de ceruloplasmina sérica.

Evolução durante a investigação

Generalização do quadro, mioclonias e acentuação dos episódios de distonia.

Conduta

Instituiu-se tratamento empírico para meningoencefalite herpética com aciclovir. O paciente foi submetido a um EEG, que evidenciou descargas agudas repetidas de alta voltagem trifásicas. Foi feito um novo EEG, o qual revelou descargas agudas repetidas de alta voltagem trifásicas.

Figura 1 – Eletroencefalograma com alterações típicas da Doença de

Creutzfeldt-Jakob.

Eletroencefalograma com alterações típicas da Doença de  Creutzfeldt-Jakob - Sanar Medicina

Fonte: Revista Neurociências, 2009.

Evolução

O paciente evoluiu rapidamente com piora das mioclonias, rebaixamento do nível de consciência e episódios de crises convulsivas focais.

Conduta

Foi realizada intubação orotraqueal e iniciada sedação contínua com midazolam e fentanil. Foram feitos novos exames: TC de crânio (sem alterações); LCR manteve o mesmo padrão.

Evolução

Durante várias tentativas de retirada da sedação constatou-se piora das mioclonias e reflexo cutâneo-plantar em retirada, bilateralmente.

Hipótese diagnóstica

Doença priônica (quadro clínico sugestivo e EEG típico). A citogenética foi negativa para doença priônica familiar e a proteína 14-3-3 foi positiva no exame do líquor.

Conduta

Tratamento com clonazepam e ácido valpróico, com melhora parcial das mioclonias.

Evolução

Piora progressiva do quadro e óbito 5 meses após início dos sintomas.

Necrópsia

Confirmou a hipótese de doença priônica.

Discussão

Creutzfeldt-Jakob (DCJ) é uma demência rapidamente progressiva neurodegenerativa. É a doença priônica mais frequente. Apresenta-se sob as formas esporádica, familiar/genética e adquirida. A forma  esporádica  é a  mais  conhecida  e  frequente (85%), com incidência de 0,5 a 1,0 casos/milhão/ano.

A Doença de Creutzfeldt-Jakob esporádica é mais comum entre os 50 e 70 anos de idade, sem predileção de gênero. Consiste em demência associada a manifestações comportamentais, extrapiramidais, cerebelares e mioclonias. O EEG geralmente evidencia complexos característicos e periódicos de pontas ou ondas lentas agudas, dependendo da fase da doença (sensibilidade de 66% e especificidade de 74%). A RM, por sua vez, pode revelar, principalmente na sequência em difusão, hiperintensidade nos gânglios da base, em particular no caudado (60% dos casos) e/ou corticais – faixas corticais (em até 80%) (principalmente na sequência em difusão); o comprometimento talâmico é menos frequente (14%).

Considerando-se a sintomatologia na Doença de Creutzfeldt-Jakob, o EEG e a RM  podem ser focais ou  lateralizados, o que dificulta o diagnóstico. O LCR revela elevação da proteína 14-3-3 em 91% dos casos (sensibilidade de  94% e especificidade de 84%). Podem existir falsos  positivos  (casos de Alzheimer e demência com corpos de Lewy com  evolução fulminante) e falsos negativos.

Os marcadores enolase neurônio-específica (ENE), S100b  (menos  específico), e  tau total também podem ser utilizados. A análise genética pode ser feita visando a identificação de  polimorfismos  e/ou  mutações  no  gene  do  príon  celular  (PRNP);  a  presença de mutações confirma o diagnóstico de formas priônicas hereditárias.

A biópsia cerebral tende a ser esclarecedora, mas não costuma ser realizada, visto que existem várias outros métodos – menos invasivos – de diagnosticar tal doença.