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CASO CLÍNICO – Dispneia e episódio de síncope

CASO CLÍNICO – Dispneia e episódio de síncope

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Nome do caso: Paciente de 68 anos com dispneia e episódio de síncope

Área do caso: Cardiologia

História clínica

W.Q.S., 68 anos, masculino, negro, caminhoneiro, procurou atendimento médico ambulatorial com queixa de dispneia aos grandes esforços, que evoluiu para pequenos esforços no período de nove meses. A dispneia impossibilitou a realização do seu trabalho como caminhoneiro na descarga de materiais e recentemente acontece até com caminhadas leves. Relata ainda episódio único de síncope durante esforço físico no trabalho. Paciente nega ortopneia, dispneia paroxística noturna e angina de peito. Nega outras queixas do aparelho respiratório como tosse, hemoptise e secreção. Possui como comorbidades: Diabetes mellitus tipo 2, dislipidemia. Ex-fumante (Carga tabágica: 30 maços-ano – 1 maço de cigarro por dia durante 30 anos).

Exame físico

Exame físico geral/ectoscopiaBom estado geral, anictérico, acianótico, afebril, hidratado, normocorado e eupnéico.

Sinais vitais
FC: 95 bpm; FR: 20 ipm, PA: 120×80 mmHg.

Exame da cabeça e pescoço

Ausência de alterações em olhos, ouvidos, nariz e boca. Ausência de turgência jugular e linfonodomegalias cervicais.

Exame neurológico

Paciente orientado no tempo e espaço. Exame dos nervos cranianos normal. Força muscular preservada em membros superiores e inferiores, ausência de atrofias musculares. Reflexos tendíneos e testes celebelares sem alterações.

Exame do tórax e aparelho respiratório

Ausência de abaulamentos em região do tórax. Expansibilidade simétrica. Frêmito tóraco-vocal normal. Som claro pulmonar. Murmúrio vesicular universal bilateral e ausência de ruídos adventícios.

Exame do sistema cardiovascular

Ictus cordis visível e palpável com deslocamento lateral esquerdo. Frêmito presente à palpação e mais forte em região do segundo espaço intercostal direito. Presença de B1, B2 e B3 normofonéticas e regulares com presença de sopro mesossistólico mais audível no segundo espaço intercostal direito que irradia para região cervical no trajeto das carótidas.

Exame abdominal

Abdome globoso por adiposidade, simétrico e flácido. Presença de ruídos hidroaéreos.
Indolor à palpação superficial e profunda. Fígado e baço de dimensões normais, não palpáveis. Espaço de traube timpânico.

Exame das extremidades e pulsos periféricos

Ausência de edema das extremidades, dor e parestesias. Pulsos carotídeos pequenos e tardos, ausência de alterações nos pulsos braquiais, radiais, femorais, poplíteos, tibiais e pediosos.

Exame das articulações e sistema osteomuscular

Ausência de alterações

Exames complementares

Eletrocardiograma
Sokolow para diagnóstico de sobrecarga de ventrículo esquerdo – Sanar Medicina
Fonte do ECG Cardiopapers

Pontos de discussão

  1. Qual o provável diagnóstico?
  2. Como explicar o ictus cordis deslocado lateralmente para a esquerda?
  3. Como explicar o surgimento da bulha B3 nesse caso?
  4. Qual o exame complementar mais sensível para elucidação do caso?
  5. Qual a conduta terapêutica mais apropriada para o caso?

Discussão

O caso relatado é uma valvulopatia que acomete a válvula aórtica chamada de estenose aórtica (EA). A estenose aórtica é um estreitamento da válvula aórtica, mais frequente no sexo masculino e pode ser de origem congênita, reumática e degenerativa.

Dentre as causas degenerativas, a degeneração senil calcificada da válvula aórtica é uma causa frequente de EA, aumentando sua frequência com o avançar da idade.

A prevalência de estenose aórtica entre os idosos na faixa etária de 65-74 anos é de 1,3%, enquanto os idosos com mais de 85 anos possuem 4%.

Os fatores de risco associados aos pacientes com este tipo de degeneração na válvula aórtica são comuns também em indivíduos com aterosclerose, como idade, sexo masculino, diabetes mellitus, hipertensão arterial, dislipidemia e tabagismo.

As alterações da válvula aórtica na EA degenerativa senil é similar aos achados nos vasos ateroscleróticos, isso pode explicar a relação dos fatores de risco serem comuns para aterosclerose e EA.

Os sintomas da estenose aórtica são: dispneia, síncope e angina do peito. A dispneia de esforço é o tipo mais comum, acontece de forma lenta e gradual, em associação com diminuição da capacidade de realizar atividades diárias.

Na tentativa de evitar esse desconforto respiratório, os idosos podem diminuir seus níveis de atividade de forma gradual e acompanhando o progresso da doença, apresentando-se inconscientes da sua limitação.

A síncope em casos de EA ocorre frequentemente durante esforço físico, devido a um débito cardíaco fixo. A síncope que acontece em repouso, pode estar relacionada a arritmias ventriculares.

O deslocamento lateral para a esquerda na inspeção e palpação do ictus cordis e a presença da bulha B3 na ausculta cardíaca estão presentes devido a dilatação do ventrículo esquerdo, ocasionada pela pressão ventricular esquerda elevada em resposta a estenose aórtica.

O sopro da EA é um sopro mesossistólico de ejeção com intensidade maior em foco aórtico (2° espaço intercostal direito). O sopro inicia após B1, é rude, áspero e com irradiação para o pescoço.

A irradiação é explicada devido a direção da corrente sanguínea pelas carótidas e tem variação de intensidade em virtude do grau de estreitamento da válvula aórtica.

O eletrocardiograma (ECG) do paciente apresenta sobrecarga ventricular esquerda analisada pelo índice de Cornell (Onda R em aVL + onda S em V3 > 28 mm para homens) que é mais sensível e específico que o índice de Sokolow na identificação de hipertrofia ventricular esquerda.

O ECG não é o melhor exame complementar para identificar sobrecarga ventricular esquerda na EA, pois não há correlação direta entre ECG e a gravidade da obstrução da válvula aórtica, bem como ausência de alterações eletrocardiográficas de sobrecarga ventricular esquerda não exclui obstrução grave.

O melhor exame para detecção da EA é o ecocardiograma, por sua capacidade de detecção de alterações de massa cardíaca, função sistólica e diastólica e lesões valvulares.

Aproximadamente 50% dos indivíduos com estenose aórtica apresentam doença arterial coronariana associada, isso explica a angina do peito como possível sintoma e justifica realizar cateterismo antes da abordagem da cirurgia de troca de válvula aórtica para investigar doença coronariana.

O tratamento da EA degenerativa senil é cirúrgico com a substituição da válvula aórtica, caso haja coronariopatia, a revascularização miocárdica deve ser realizada na ocasião do procedimento cirúrgico de troca valvar.

Diagnósticos diferenciais principais

– Insuficiência mitral
– Miocardiopatia hipertrófica idiopática obstrutiva
– Estenose subvalvar
– Estenose aórtica supravalvar

Objetivos de aprendizados e competência

– Semiologia do paciente com estenose aórtica
– Envolvimento da aterosclerose na estenose aórtica degenerativa senil
– Exames complementares na estenose aórtica
– Manejo do paciente com estenose aórtica

Pontos importantes

  • A localização da maior intensidade do sopro na ausculta e do frêmito na palpação sugere a localização da válvula acometida. Isso confirma a importância de um exame físico bem feito;
  • A caracterização minuciosa da dispneia é muito importante para caracterizá-la e relacionar com doenças específicas, já que ela pode estar presente em diferentes doenças;
  • Compreender o mecanismo de alteração valvar devido a aterosclerose e com isso orientar os pacientes na mudança do estilo de vida;
  • Com o envelhecimento da população em decorrência do aumento da expectativa de vida, o profissional médico deve estar preparado para entender as doenças mais frequentes nessa faixa etária como a estenose aórtica degenerativa senil;

Referências

  1. Harrison medicina interna/editores Dennis L. Kasper…[et al]. – 16 ed. – Rio de Janeiro: McGraw-Hill Interamericana de Brasil Ltda., 2006;
  2. Exame clínico: Porto & Porto / [editor] Celmo Celeno Porto ; coeditor Arnaldo Lemos Porto. – 7. ed. – Rio de Janeiro : Guanabara Koogan, 2011;
  3. SA, Michel Pompeu Barros de Oliveira et al . Estenose aórtica severa em idosos: avaliação clínica, eletrocardiográfica, ecocardiográfica e angiográfica. Rev. bras. geriatr. gerontol.,  Rio de Janeiro ,  v. 12, n. 1, p. 49-61,  Apr.  2009 .   Available from . access on  08  May  2019: http://dx.doi.org/10.1590/1809-9823.200912015.
  4. Póvoa, R e Souza, D. Análise crítica do eletrocardiograma e do ecocardiograma na detecção da hipertrofia ventricular esquerda. Rev. Bras. Hipertens vol. 15(2): 81-89, 2008. Disponível em: http://departamentos.cardiol.br/dha/revista/15-2/09-eletrocardiograma.pdf

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