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CASO CLÍNICO | Fibrilação atrial em paciente com hipertireoidismo

CASO CLÍNICO | Fibrilação atrial em paciente com hipertireoidismo

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Confira um caso clínico sobre fibrilação atrial em paciente com hipertireoidismo. O material foi produzido pela Liga Acadêmica de Cardiologia da Paraíba (CARDIOLIGA-PB).

História clínica

Paciente feminina, 32 anos, parda, deu entrada no pronto atendimento com quadro de dispneia súbita, palpitações, sudorese e vertigens, sem precordialgia há cerca de uma hora.

Ao ser questionada, refere que apresentou dois quadros semelhantes nos últimos quatro meses, com regressão espontânea em cerca de 30 minutos. Relata, também, história familiar positiva para tireoidopatia e hipertensão, porém, não há antecedentes patológicos pessoais conhecidos.

Apesar de apresentar ansiedade, diarreia e queda de cabelo, não faz uso de nenhuma medicação rotineiramente. Nega outras alterações, além de alergias, cirurgias, traumatismos ou internação hospitalar prévia.

Exame físico

  • Regular estado geral, corada, hidratada, afebril, anictérica, acianótica, sem turgência jugular, edemas ou linfonodomegalias.
  • PA 150×70 mmHg; FC 150 bpm; FR 24 irpm; SatO2 96%. 
  • Ritmo cardíaco irregular e taquicárdico, com bulhas cardíacas normofonéticas, sem sopros.
  • Pulsos palpáveis, com amplitude diminuída.
  • Tórax simétrico, com expansibilidade preservada. Murmúrio vesicular presente em ambos hemitóraxes, sem ruídos adventícios.
  • Abdome plano, flácido, sem lesões ou herniações. Timpânico, com ruídos hidroaéreos normais. Indolor à palpação superficial e profunda. Hepatimetria medindo cerca de 10 cm.
  • Tireoide palpável, com aumento simétrico difuso e consistência elástica. 
  • Pulsos palpáveis e simétricos, com baixa amplitude. Ausência de cianose e edema.
  • Tempo de enchimento capilar < 2 segundos.
  • Extremidades quentes e sudoreicas.

Exames complementares

RADIOGRAFIA DE TÓRAX: Sem alterações.

ECOCARDIOGRAMA TRANSTORÁCICO: Ritmo cardíaco irregular taquicárdico, sem aumento de câmaras cardíacas, função sistólica de ventrículo esquerdo com função preservada; fração de ejeção de 67%.

Pontos de discussão do caso clínico sobre fibrilação atrial

  1. Qual a afecção aguda levou o paciente ao serviço de urgência?
  2. Qual a patologia subjacente, que é considerada fator de risco para a afecção acima questionada?
  3. Qual o principal achado que poderíamos encontrar no ecocardiograma transtorácico que aumentaria o risco cardioembólico?
  4. Qual a conduta terapêutica mais indicada neste serviço de pronto atendimento e por quê?
  5. Qual a conduta terapêutica mais indicada como manutenção a longo prazo?

Discussão do caso clínico sobre fibrilação atrial em paciente com hipertireoidismo

Essa paciente apresentou um quadro de fibrilação atrial (FA) que a levou ao pronto socorro. Segundo relata, apresentou quadros semelhantes anteriormente, provavelmente FAs paroxísticas. Além disso, é portadora de hipertireoidismo, porém sem realização de tratamento devido à ausência de diagnóstico prévio.

Qual a patologia subjacente, que é considerada fator de risco para a afecção acima questionada?

O hipertireoidismo provoca alterações cardiovasculares devido a uma ação direta dos hormônios tireoidianos no coração, ocorrendo aumento do débito cardíaco, abreviação do período de ejeção sistólica, alargamento da pressão de pulso e redução da resistência vascular periférica.

Essas alterações ocorrem principalmente devido às alterações na contratilidade cardíaca, secundária ao aumento da demanda metabólica no tecido periférico, além do efeito estimulante direto do hormônio tireoidiano. O quadro clínico cardiovascular inclui palpitações, edema, dispneia, circulação hiperdinâmica, hipertensão sistólica, fibrilação atrial e extrassístoles atriais.

Qual o principal achado que poderíamos encontrar no ecocardiograma transtorácico que aumentaria o risco cardioembólico?

A FA se caracteriza por despolarização atrial desorganizada, rápida e irregular. A frequência ventricular tende a ser acelerada, sendo inteiramente dependente das propriedades de condução na junção atrioventricular. Apesar de geralmente a frequência variar entre 120 e 160 bpm, em alguns pacientes pode chegar a 200 bpm (FA de alta resposta ventricular).

Em outros casos, em consequência de um tônus vagal alto ou das propriedades intrínsecas da condução nodal atrioventricular, a resposta ventricular fica < 100 bpm e, ocasionalmente, pode ser até lenta (FA com baixa resposta ventricular). Define-se “fibrilação atrial paroxística” aquela que se reverte espontaneamente ou com intervenção médica em até 7 dias de seu início.

Quadros com duração superior a 7 dias são denominados “fibrilação atrial persistente”. Por fim, o termo “fibrilação atrial permanente” é utilizado nos casos em que as tentativas de reversão ao ritmo sinusal não serão mais instituídas.

Qual a conduta terapêutica mais indicada?

Após a avaliação da FA, o paciente pode ser alocado na estratégia de controle do ritmo ou controle da frequência, de acordo com suas características clínicas, ecocardiográficas e evolução de manejos anteriores. O uso de antiarrítmicos apresenta papel importante em ambas as estratégias.

A avaliação inicial deve definir a presença de cardiopatia estrutural, assim como avaliar se a causa é reversível. Por exemplo, episódios causados por ingesta excessiva de álcool ou problemas tireidianos, em geral, que reverteram ao ritmo sinusal espontaneamente ou após cardioversão não necessitam de tratamento com antiarrítmicos por longo prazo.

Medidas não farmacológicas, como atividade física moderada, dieta equilibrada, controle de peso e otimização da qualidade do sono devem ser instituídas. Para a manutenção do ritmo sinusal, as drogas disponíveis no Brasil são: propafenona, sotalol e amiodarona. A propafenona é um fármaco útil tanto na reversão aguda como na manutenção do ritmo sinusal, sendo segura em pacientes sem cardiopatia estrutural (deve ser evitada nos casos de cardiopatia estrutural pelo risco de induzir arritmias ventriculares). O sotalol é um fármaco sem resultados significativos na reversão aguda, mas útil na prevenção de recorrências, além de diminuir sintomas devido ao seu efeito betabloqueador. Ele não pode ser utilizado em pacientes com insuficiência cardíaca. A amiodarona é bastante efetiva na reversão e manutenção do ritmo sinusal, contudo além do risco proarrítmico, pode apresentar efeitos colaterais importantes em tireoide, pulmão, fígado, olhos e pele.

O controle da frequência na FA é uma estratégia importante, tanto para a prevenção de sintomas quanto na redução da morbidade. Os betabloqueadores e os bloqueadores de canais de cálcio não diidropiridinicos (verapamil e o diltiazem) são os medicamentos mais comumente utilizados. Não devem ser utilizados em pacientes com insuficiência cardíaca descompensada devido ao seu efeito inotrópico negativo. Em pacientes com insuficiência cardíaca sistólica, o digitálico é uma ótima opção, por ser inotrópico positivo.

Pacientes com quadro de instabilidade hemodinâmica são candidatos à cardioversão elétrica, devido a necessidade de restabelecimento rápido do ritmo. Todos pacientes que realizam a cardioversão elétrica ou química necessitam de observação clínica e monitoramento cardíaco contínuo por período mínimo de 2 horas. A alta com medicação antiarrítmica e para prevenção de tromboembolismo dependerá da frequência da arritmia e do risco de acidente vascular encefálico.

OBJETIVOS DE APRENDIZADO E COMPETÊNCIAS
 

  • Semiologia do paciente com fibrilação atrial
  • Correlação entre tireoidopatia e fibrilação atrial
  • Diagnóstico eletrocardiográfico da fibrilação atrial
  • Diagnósticos diferenciais com outras arritmias
  • Manejo terapêutico da fibrilação atrial

Pontos importantes sobre o caso clínico fibrilação atrial discutido 

  • O exame físico completo, com a coleta de dados sobre antecedentes patológicos pessoais e familiares, são fundamentais para ajudar no diagnóstico
  • É de extrema importância avaliar outros sinais e sintomas, não necessariamente ligados diretamente à queixa principal, que podem nos ajudar a identificar a doença de base
  • É importante lembrar da tireoidopatia, tanto hipo quanto hipertireoidismo, como fator de risco para arritmias cardíacas
  • Em geral, o tratamento e controle da causa base, principalmente quando não cardíaca, diminui o risco de recorrências das arritmias
  • Lembrar da importância das medidas não farmacológicas, como exercícios físicos e dieta balanceada

Referências usadas na construção do caso clínico fibrilação atrial
 

  1. Bortolon F T, França H H. Fibrilação atrial, infarto agudo do miocárdio e oclusão arterial aguda em paciente jovem com hipertireoidismo. Rev. Fac. Ciênc. Méd. Sorocaba, v. 11, n. 3, p. 29 – 31, 2009.
  2. January CT, Wann S, Alpert JS, et al. 2014 ACC/AHA/HRS Guideline for the management of patients with atrial fibrillation: a report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force of Practice Guidelines and the Heart Rhythm Society. Circulation130: 2071-2104, 2014.
  3. Marchlinski, F. As Taquiaaritmias. In: Braunwald E, Fauci AS, Hauser SL. et al. Harrison: medicina interna. 18ª ed. Rio de Janeiro: Amgh; 2013. p. 1878.
  4. Nascimento, V M V et al. Manual de Cardiologia para Graduação, 1ª ed. Salvador: Sanar, 2018.
  5. Sociedade Brasileira de Cardiologia. II Diretrizes Brasileiras de Fibrilação Atrial. Arq Bras Cardiol 2016; 106 (4 Supl. 2): 1-22. 

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