Ciclo Clínico

Relato de caso clínico de Úlcera de Córnea Infecciosa

Relato de caso clínico de Úlcera de Córnea Infecciosa

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Índice Úlcera de Córnea Infecciosa

 

Introdução Úlcera de Córnea Infecciosa

A ceratite é uma lesão na córnea que pode ser causada por trauma, alergia ou infecções. As ceratites infecciosas podem ser ocasionadas por vírus, fungos ou bactérias, sendo a última a mais prevalente.

As bactérias que frequentemente desencadeiam ceratites são: Streptococus, Staphylococcus, Pseudomonas,  Moraxella e Serratia.

Alguns mecanismos de defesa que impedem o desenvolvimento de ceratites infecciosas são: epitélio corneano íntegro, filme lacrimal com imunoglobulinas e enzimas como lisozima, beta-lisina e lactoferrina, e radicais livres na camada de mucina do filme lacrimal.

Quando há trauma seguido de infecção, a córnea libera toxinas e fatores quimiotáticos resultando em destruição do tecido, edema e infiltrado polimorfonuclear, caracterizando a resposta inflamatória.

Os sintomas mais comuns da ceratite bacteriana são: olho vermelho, dor ocular moderada a severa, fotofobia, redução da acuidade visual, secreção e intolerância abrupta à lente de contato.

Já dentre os sinais, podem ser identificados infiltrado, opacidade e edema estromal, e a presença de uma área corando com fluoresceína, de acordo com o defeito epitelial. Ocasionalmente, observa-se, secreção mucopurulenta, reação da câmara anterior, com ou sem formação de hipópio, injeção conjuntival, afinamento corneano, dobras na membrana de Descemet e edema de pálpebra superior.

Em casos graves podem ocorrer sinéquias posteriores, hifema, aumento da pressão intraocular e perfuração ocular.

No caso de infecção por Pseudomonas aeruginosa, à inspeção, em geral, pode ser observado uma úlcera extensa e rapidamente progressiva. Frequentemente há necrose liquefativa difusa, hipópio e aparência semi-opaca do tipo “vidro-fosco” do estroma adjacente. Perfuração corneana pode ocorrer dentro de 48 horas.

O uso de lentes de contato e doença da superfície ocular capaz de romper mecanismos de defesa, como lesão corneana herpética, olho seco, trauma, exposição corneana, são fatores predisponentes da infecção, pois podem causar defeito do epitélio corneano.

Para o diagnóstico leva-se em consideração o histórico do paciente e os sinais clínicos apresentados.

Deve ser realizado exame com lâmpada de fenda para determinar se há perda epitelial, infiltrado estromal, e documentar  tamanho, profundidade, localização da lesão. Devemos ainda, avaliar reação da câmara anterior, se possível, aferir pressão intraocular e realizar coleta de raspados corneanos para análise microbiológica, cultura e antibiograma.

Após a coleta de material, inicia-se imediatamente antibiótico tópico de amplo espectro. No caso de infecções graves, mesmo sem o resultado laboratorial, recomenda-se administração de antibióticos tópicos fortificados, como Gentamicina ou Tobramicina fortificados (15 mg/mL) a cada hora, alternando com Cefazolina fortificada (50 mg/mL) ou Vancomicina fortificada (25 mg/mL) a cada uma hora.

O tratamento também deve incluir o uso de cicloplégico colírio para maior conforto e prevenir a formação de sinéquias posteriores, sendo indicado o uso da Atropina 1% 3 vezes ao dia quando houver presença de hipópio.

A bactéria Pseudomonas aeruginosa pode prolongar a digestão do colágeno corneano após a administração dos medicamentos por 12 horas, podendo resultar na piora clínica no primeiro e segundo dia de tratamento.

A permanência do tratamento é, em geral, de 10 a 14 dias . É recomendada avaliação diária com mensurações repetidas do tamanho do infiltrado e defeito epitelial.

Caso haja melhora do quadro, a posologia dos antibióticos tópicos é mantida e gradualmente diminuída. No entanto, se não houver resposta clínica adequada e o antibiograma indicar outro antibiótico sensível, ele deve ser introduzido.

No caso de piora, o regime antibiótico é ajustado de acordo com as necessidades, podendo ser ainda necessária realização de biópsia de córnea. Se o quadro evoluir para perfuração corneana completa ou iminente, transplante de córnea ou enxerto de retalho deve ser considerado.

Caso Clínico de Úlcera de Córnea Infecciosa

Identificação do paciente

Paciente C.L.S. masculino, 27 anos.

Queixa principal

Paciente procurou emergência da Oftalmologia da Faculdade de Medicina de Marília em 01/04/2017 com queixa de hiperemia e irritação no olho esquerdo há uma semana.

Relatou trabalhar com lixadeira e entrada de corpo estranho há um mês em olho esquerdo, sem procurar atendimento médico para retirada do corpo estranho.

Exame físico

Ao exame oftalmológico, apresentou acuidade visual sem correção em ambos olhos de 0,9.

Na biomicroscopia de Olho direito não foram identificadas alterações; em Olho esquerdo, apresentou hiperemia conjuntival 2+/4+, córnea transparente com área fluoresceína positivo de 3,0mm com depressão central às 7h e infiltrado perilesional, câmara anterior formada com reação inflamatória 3+/4+, íris preservada e tarsos livres.

Suspeitas diagnósticas

A hipótese diagnóstica levantada foi úlcera de córnea bacteriana, infecciosa em olho esquerdo. Feita coleta de material para cultura e prescrito gatifloxacino tópico de 1h/1h e cicloplégico Tropicamida de 8/8hrs e agendada reavaliação em 24 horas.

Exames complementares

Ao ser reavaliado no dia seguinte, relatou melhora da sensação de corpo estranho, porém, piora da acuidade visual. Apresentou-se com acuidade visual  sem correção em olho esquerdo 0,1. Na biomicroscopia de olho esquerdo, presença de infiltrado perilesional denso, câmera anterior formada com reação inflamatória 4+/4+ com linha de hipópio depositada inferiormente (<0,2mm) e íris em meia midríase.

Suspensos colírios e substituídos por  Cefazolina fortificada, Gentamicina fortificada, Anfotericina B de 1h/1h e Atropina 1% de 6h/6h e reavaliação em 24 horas novamente.

No terceiro dia de avaliação, paciente mantinha queixa de dor ocular e piora da acuidade visual. Acuidade visual sem correção em olho esquerdo de conta dedos a 50 centímetros, com hiperemia conjuntival 3+/4+, córnea com edema 1+/4+ e presença de dobras de Descemet.

Resultado de cultura foi identificada a presença de Pseudomonas aeruginosa, sensível à Gentamicina. Mantida as medicações em uso e mantidas reavaliações diárias.

No quinto dia de avaliação, apresentou acuidade visual em olho esquerdo de conta dedos a 1,5 metros. Na biomicroscopia, presença de área fluoresceína positivo de 2,0mm e câmara anterior formada com reação inflamatória 3+/4+, sem hipópio. No décimo dia de seguimento, houve redução da área ulcerada, ausência de hipópio e acuidade visual referida de 0,2.

Paciente evoluiu nos retornos seguintes com infiltrado perilesional menos denso, ausência de hipópio e melhora na acuidade visual.

No vigésimo quinto dia, apresentou acuidade visual em olho esquerdo = 0,9. Na biomicroscopia de olho esquerdo, córnea com leucoma de 3,0mm, com depósitos de fluoresceína e irregularidade de superfície; câmera anterior formada com traços de reação inflamatória, íris em midríase e tarsos livres.

No trigésimo segundo dia de avaliação, apresentou acuidade visual em olho direito = 1,0 e olho esquerdo = 0,9. Biomicroscopia de olho esquerdo, presença neovascularização perilimbar inferior que avança sobre a área do leucoma, câmara anterior formada sem reação inflamatória, ausência de sinéquias posteriores e tarsos livres.

Suspensos colírios antibióticos em uso e prescrito lubrificante tópico 6h/6h.

Diagnóstico e Discussão do caso de Úlcera de Córnea Infecciosa

Com base no caso clínico apresentado, constata-se a rápida progressão da infecção por Pseudomonas aeruginosa observada a partir do rápido comprometimento da acuidade visual apresentado pelo paciente em um intervalo de 24 horas.

Observou-se também a piora do quadro clinico mesmo após a administração dos medicamentos devido ao prolongamento da digestão do colágeno corneano pela bactéria.

A evolução foi favorável com a introdução do colírio antibiótico forticado sensível à Pseudomonas aeruginosa, com resolução da lesão sem prejuízo da acuidade visual, apesar de se observar a presença de um leucoma residual.

É importante enfatizar as características epidemiológicas da associação das úlceras de córnea por Pseudomonas aeruginosa com usuários de lentes de contato.

Conclusão sobre o caso de Úlcera de Córnea Infecciosa

Conclui-se que as úlceras de córnea por Pseudomonas aeruginosa  são potencialmente graves e necessitam de diagnóstico e tratamento imediato.

 

Autores: Ana Clara Maia Palhano¹, Lara Giovanetti Bertozzo¹, Jessika Nunes T. Silva², Bruna Grici Cascaldi², José Augusto Alves Ottaiano3

Referências:

  1. Kanski J.J. Oftalmologia Clínica: uma abordagem sistêmica. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012. p. 104-106.

  2. Alves, M.R.; Andrade, B.B.A. Úlcera de córnea bacterianaArq. Bras. Oftalmol., Dez 2000, vol.63, no.6, p.495-498. 

  3. Gerstenblith A.T.; Rabinowitz M.P. Manual de doenças oculares do Wills Eye Hospital: diagnóstico e tratamento no consultório e na emergência. Porto Alegre: Artmed, 2015. p. 69-73.

 

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