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Casos Clínicos: Complicação precoce no pós-operatório de Bypass gástrico em Y de Roux | Ligas

Casos Clínicos: Complicação precoce no pós-operatório de Bypass gástrico em Y de Roux | Ligas

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Área:  Cirurgia Bariátrica

Autora: Mariana Fiuza Gonçalves        

Revisora: Victoria Malzoni Dias Porto

Orientador:  Sérgio Lincoln de Matos Arruda           

Liga:   Liga Médico Acadêmica de Cirurgia Plástica do Distrito Federal (LIMACIP- DF)      

Apresentação do caso clínico

Paciente do sexo feminino, 40 anos, branca, advogada e procedente de Brasília (DF), procurou cirurgião gastroenterologista para realização de cirurgia bariátrica com a queixa principal de obesidade, relatando ganho de peso progressivo desde sua primeira e única gestação, há 15 anos. Afirmou que ao longo desses anos desenvolveu comorbidades: Diabetes Mellitus tipo 2 (DM2), hipertensão arterial, síndrome da apneia obstrutiva do sono (SAOS), esteatose hepática, doença do refluxo gastroesofágico (DRGE) e artropatia de joelho esquerdo. 

Após avaliação clínica (altura de 1,60m, peso de 118kg, IMC= 46,093 kg/m²) e requeridos exames pré-operatórios: polissonografia, constatando índice de apneia-hipoapneia (IAH) de 20, ecografia abdominal confirmando esteatose hepática, endoscopia digestiva alta, verificando DRGE, Raio X de tórax, exames de sangue, avaliação com cardiologista, endocrinologista, pneumologista, nutricionista e psicólogo; foi submetida a cirurgia de Bypass Gástrico em Y de Roux, e o ato operatório transcorreu sem intercorrências. 

No 2º dia pós-operatório (DPO), paciente relatou dor abdominal insidiosa, intensa e difusa, associada a taquisfigmia (130 ppm), palidez (+/4+), pressão arterial (PA) mais baixa que o habitual (100×60 mmHg) e taquidispneia (frequência respiratória = 28 ipm). Também apresentou sudorese excessiva, náuseas e vômitos. O exame do aparelho cardiovascular revelou ritmo cardíaco regular, em dois tempos, com bulhas normo-fonéticas, ausência de sopros, cliques, estalidos, atritos pericárdicos e desdobramentos patológicos, porém apresentando taquicardia; o exame do aparelho respiratório revelou murmúrios vesiculares abolidos na projeção das bases pulmonares bilateralmente. 

Verificando provável complicação pós-operatória, foram solicitadas angiotomografia de tórax com regime para embolia pulmonar (sem achados anormais) e tomografia computadorizada (TC) de abdome com contraste oral e venoso, por meio da qual foi observado extravasamento do contraste oral para cavidade abdominal na altura das anastomoses gastrojejunal, líquido abundante na cavidade e pneumoperitônio. Diante disso, paciente foi submetida a reposição hidroeletrolítica rápida, avaliação laboratorial e encaminhada novamente ao centro cirúrgico para laparoscopia exploratória. 

Figura 1- corte axial de TC de abdome com presença de contraste extra-luminal no bordo inferior do fígado, indicado pelas setas superiores, e no peritônio, indicado pela seta inferior (GOMES, 2006)

Os achados operatórios da laparoscopia foram: abundante quantidade de secreção digestiva soropurulenta, com extravasamento de líquido intestinal para cavidade abdominal, além de peritonite difusa. Foi realizada lavagem exaustiva da cavidade abdominal com soro fisiológico, ressíntese da anastomose e drenagem ampla da cavidade com dreno tubular. No 3º DPO, o procedimento de lavagem da cavidade por laparoscopia foi repetido.  

Paciente foi então encaminhada para UTI para pós-operatório, onde permaneceu com ventilação mecânica durante três dias devido a sepse abdominal. Na UTI, apresentou queda da PA, sendo iniciada administração de aminas vasoativas (dobutamina e noradrenalina), antibióticos intravenosos de amplo espectro e realização de monitorização hemodinâmica rigorosa. Permaneceu sob nutrição parenteral total e dieta oral zero. Apresentou evolução favorável, com estabilização hemodinâmica, permitindo desmame progressivo da ventilação mecânica e retirada das aminas vasoativas. Verificou-se retorno do peristaltismo, após 10 dias paciente recebeu alta da UTI e quatro dias depois alta domiciliar com início de dieta oral líquida.

Questões para orientar a discussão

  1. Quais são as principais complicações pós-cirúrgicas do Bypass gástrico em Y de Roux (BGYR)?
  2. Qual o diagnóstico provável para o caso clínico?
  3. Quais os possíveis diagnósticos diferenciais para o caso?
  4. Quais os diagnósticos sindrômicos que podem ser identificadas no caso?
  5. Quais os fatores de risco, etiopatogenia e quadro clínico da Síndrome Compartimental Abdominal (SCA)?
  6. Quais os tratamentos da peritonite e SCA?

Respostas

  1. As principais complicações precoces do BGYR são: fístulas, obstruções intestinais, tromboembolismo pulmonar e situações que resultam em reoperação, internamento em UTI ou óbito. Quanto às tardias, são mais comuns: fístula na linha de grampeamento, sangramento gastrointestinal, obstrução intestinal, estenose de anastomose, ulceração marginal e fístula gastrogástrica além da incorreta reconstrução da alça em Roux.
  2. O diagnóstico provável é de fístula na anastomose gastrojejunal. Os sinais, sintomas e achados do exame físico (dor abdominal insidiosa, intensa e difusa, taquicardia, taquidispneia, náuseas e vômitos) juntamente com os exames de imagem (pneumoperitônio extravasamento do contraste oral para cavidade abdominal na altura das anastomoses gastrojejunal e líquido abundante na cavidade observados na TC de abdome com contraste) e achados operatórios da laparoscopia (secreção digestiva soropurulenta, extravasamento de líquido intestinal e peritonite) levam a essa conclusão. 
  3. Com base no quadro clínico apresentado, pode-se suspeitar de complicação pós-operatória por tromboembolismo pulmonar (TEP) pela taquicardia, taquidispneia e vômitos; sangramento digestivo intra-abdominal devido a hipotensão, taquicardia, taquipneia, palidez e sudorese e também pode-se fazer diagnóstico diferencial com pneumonia.
  4. Podem ser identificadas a Síndrome Compartimental Abdominal (SCA) e Síndrome da Resposta Inflamatória Sistêmica (a sepse).
  5. Os principais fatores de risco para Síndrome Compartimental Abdominal são: fatores que levam à diminuição da complacência abdominal (cirurgia abdominal com sutura apertada, insuficiência respiratória aguda, traumas, alto IMC, obesidade); maior conteúdo abdominal (pneumoperitônio, ascite); aumento do conteúdo intraluminal (gastroparesia, obstrução de cólon) e aumento da permeabilidade capilar ou ressuscitação volêmica (laparotomia para controle de lesões, sepse, hipotensão, acidose, oligúria). 

Sua instalação se dá por meio do aumento do conteúdo abdominal, atingindo o limite do mecanismo compensatório da complacência, levando à elevação da pressão intra-abdominal (PIA). Isso interfere na perfusão das vísceras, e a lesão isquêmica delas gera mediadores que aumentam a permeabilidade vascular, desencadeando edema e aumentando ainda mais a PIA. Assim, o fluxo de retorno venoso diminui, causando um ciclo de retroalimentação (diminuição do fluxo para órgãos e do retorno venoso para o coração). 

As manifestações clínicas dessa síndrome são abdominais e extra-abdominais: redução da perfusão hepática, esplênica e intestinal, elevação do diafragma comprimindo o coração (ocasionando congestão dos membros inferiores e favorecendo trombose venosa profunda) e do pulmão (levando a atelectasias). A perfusão renal estará diminuída podendo ocasionar insuficiência renal e a redução do retorno venoso cerebral está relacionada ao aumento da pressão intracraniana. 

6. O tratamento da SCA consiste em: constante monitorização e medidas para diminuir a PIA, melhora da perfusão sistêmica com controle da volemia intravascular; laparotomia descompressiva ou descompressão abdominal cirúrgica. Para o tratamento da peritonite, deve-se realizar lavagem exaustiva com soro fisiológico, administrar antibióticos intravenosos de amplo espectro e fazer descompressão da cavidade abdominal, podendo utilizar aparelhos como o AbThera para fechamento abdominal temporário, o qual favorece tanto a redução da PIA quanto a remoção de qualquer fluido peritoneal.  

Figura 2 – Imagem representando uso de ABThera para descompressão da cavidade abdominal (DEMETRIADES, 2012)

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