Carreira em Medicina

Casos Clínicos: Lítiase Urinária

Casos Clínicos: Lítiase Urinária

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HISTÓRIA CLÍNICA

Masculino, 38 anos, casado, natural e procedente de cidade de grande porte. Paciente previamente hígido chega ao pronto socorro com queixa de dor lombar à direita, em cólica, de forte intensidade com irradiação para o flanco direito e para testículo ipsilateral, sem fatores de melhora, associada à disúria, polaciúria e hematúria macroscópica há cerca de uma hora. Refere ainda sudorese, náuseas e vômitos. Pratica atividade física regularmente, é etilista ocasional e tem uma dieta rica em proteínas. Nega tabagismo.

EXAME FÍSICO

Estado nutricional bom, lúcido e orientado, mucosas coradas e desidratadas, eupneico, com fácies de dor.

FC: 100 bpm; FR: 20 ipm; T: 36,5 o C; TA: 134×92 mmHg. Ausência de linfonoadomegalias palpáveis.

Ausência de sinais focais.

Tórax simétrico. Murmúrio vesicular bem distribuído, sem ruídos adventícios.

Bulhas rítmicas e normofonéticas em 2 tempos, sem sopros.

Sem cicatrizes, ruídos hidro-aéreos presentes, dor à punho-percussão no ângulo costo- vertebral direito (sinal de Giordano positivo); ausência de sinais de irritação peritoneal; fígado não palpável, espaço de Traube livre.

Sudoréticas e sem edemas.

Sem particularidades.

EXAMES COMPLEMENTARES

PONTOS DE DISCUSSÃO

1. Qual o diagnóstico mais provável?

2. Qual a explicação para os sinais e sintomas apresentados pelo paciente?

3. Quais exames complementares confirmam o diagnóstico e o que podemos identificar de alteração neles?

4. Qual a conduta terapêutica mais apropriada na emergência?

5. Quais os diagnósticos diferenciais?

DISCUSSÃO

O diagnóstico mais provável é de litíase urinária. O caráter súbito da dor, sua irradiação, a faixa etária e os achados do exame físico corroboram essa hipótese. A ultrassonografia de abdome confirmou o diagnóstico.

A litíase renal é uma afecção de alta incidência na população jovem com ocorrência de duas a três vezes maior em pacientes do sexo masculino. Estima-se que cerca de 5% da população total brasileira é acometida pela nefrolitíase. A probabilidade de um paciente desenvolver a litíase urinária é diferente em cada população, bem como em cada região do Brasil. Isso acontece devido à cultura e hábitos alimentares distintos, sobretudo dieta rica em proteínas, o que aumenta a disponibilidade para formação dos cálculos. Além disso, a doença é de grande morbidade e representa grande custo social, pois afeta mais indivíduos entre 20 a 60 anos.

O quadro clínico típico de litíase renal é uma dor lombar em cólica que pode ter irradiação. A irradiação para testículo ipsilateral, indicando que o cálculo está alojado na porção distal do ureter. Quando o cálculo estiver localizado na porção superior do ureter, a dor se irradia anteriormente; e quando estiver localizado na junção ureterovesical, os principais sintomas são a frequência e urgência urinárias. A disúria e a polaciúria sugerem a eliminação uretral do cálculo. Hematúria macro ou microscópica ocorre na maioria dos pacientes com cólica renal, embora sua ausência não exclua o diagnóstico de litíase renal. Dor à punho- percussão da região lombar direita decorre da obstrução da via urinária pelo cálculo, causando distensão da cápsula renal.

Os exames de imagem confirmam o diagnóstico de litíase renal, indicam a posição, o tamanho do cálculo e evidenciam complicações, como hidronefrose. A tomografia computadorizada das vias urinárias é o exame padrão-ouro por apresentar alta sensibilidade e especificidade para o diagnóstico de litíase urinária. Quando indisponível, a ultrassonografia (Figura 1), feita por radiologista experiente, é uma alternativa barata e isenta da exposição à radiação. Em locais onde ambos os exames estão indisponíveis, a radiografia simples de abdome é capaz de identificar cálculos radiopacos maiores.

No caso em questão foi instituída analgesia com antiespasmódico e dipirona, além de hidratação com soro fisiológico intravenoso. Avaliado pelo urologista da emergência, foi indicada ureteroscopia para retirada do cálculo. A conduta para os pacientes acometidos pela litíase urinária requer uma combinação clínico-cirúrgica. O tratamento específico depende, sobretudo, da localização, do tamanho e da natureza do cálculo, além da presença de complicações como sangramento e/ou sepse. Se o exame de imagem identifica cálculos menores do que 10 mm, o tratamento é analgesia e hidratação intravenosa e oral para estimular a eliminação dos mesmos. Caso os cálculos possuam mais do que 10 mm ou se há suspeita de infecção e/ou obstrução urinária associada, é necessária avaliação urológica para descompressão imediata das vias urinárias. Os métodos utilizados podem ser cirúrgicos, como uretoscopia e nefrolitotomia percutânea (emissão com laser de hólmio, através de uma incisão no flanco) ou não cirúrgico, como litotripsia extracorpórea (fragmentação in situ do cálculo, através de ondas de choque).

É importante salientar que além dos cálculos causados pela hipercalcemia, mais comuns, existem os formados por hiperoxalúria nos casos em que há grande ingesta de alimentos ricos em oxalato, insuficiência pancreática, derivação jejunoileal para o tratamento da obesidade ou acometimento do intestino delgado pela doença de Crohn (devido à maior absorção do oxalato, há maior chance de precipitação e formação de cálculo). É importante observar também os casos de cistinúria, que é uma doença genética causada por um erro inato no metabolismo, causando perda dos aminoácidos dibásicos, cistina, lisina, arginina e ornitina pela urina. Isso faz com que o portador de cistinúria tenha sucessivos cálculos renais de cistina formados nas vias urinárias.

Os principais diagnósticos diferenciais da litíase renal são:

• Pielonefrite aguda: cursa com dor lombar à punho-percussão, disúria, polaciúria e hematúria, mas frequentemente também com febre, e esta última está ausente na litíase renal não-complicada. Além de leucocitose com desvio à esquerda e queda do estado geral.

• Carcinoma de células renais: cujo sangramento pode causar cólica renal por deslocamento de coágulos no interior do ureter. Porém, tal diagnóstico em geral é acidental em exames de imagem e raramente se manifesta com a tríade de hipertensão, massa palpável e hematúria.

• Colecistite aguda: pode se associar a dor no flanco, náuseas e vômitos, mas não causa hematúria e chama atenção a descompressão dolorosa do ponto cístico (Sinal de Murphy) na cólica biliar.

• Obstrução intestinal, diverticulite, apendicite e isquemia intestinal: podem se apresentar com cólicas, mas não com hematúria. Além disso, estes quadros intestinais são causas comuns de abdome agudo, mas não a litíase renal.

• Finalmente, gravidez ectópica rôta ou rutura de cisto de ovário: são ocasionalmente confundidas com cólica renal em mulheres, pela dor em flanco, facilmente diferenciados com o ultrassom pélvico.

Figura 1. Ultrassonografia do abdome. Cálculo no ureter com dilatação pieloureterocalicinal à montante. Perceba a sombra acústica posterior ao cálculo (artefato que auxilia sua identificação).

OBJETIVOS DE APRENDIZADO/ COMPETÊNCIAS

• Localização anatômica dos rins e das vias urinárias;

• Semiologia da Litíase Renal;

• Uso dos exames laboratoriais e de imagem no diagnóstico de litíase renal;

• Diagnósticos diferenciais de dores abdominais e lombares na urgência;

• Linhas gerais do tratamento clínico-cirúrgico para litíase renal.

PONTOS IMPORTANTES

• A presença de hematúria é um bom preditor de litíase renal em paciente afebril com dor no flanco unilateral;

• Os exames de imagem devem ser solicitados sempre para confirmação diagnóstica e para guiar o tratamento definitivo;

• Nos casos de nefrolitíase de repetição é importante investigar possível fator predisponente;

• A tomografia computadorizada sem contraste é o padrão-ouro para o diagnóstico de litíase renal. São alternativas mais baratas a ultrassonografia renal e de vias urinárias e/ ou a radiografia simples do abdome;

• Em caso de dúvida diagnóstica não retarde a analgesia por falta do exame complementar;

• Se houver febre alta / leucocitose há grande chance de pielonefrite associada;

• Pacientes com rim único ou infecção renal associada devem ser tratados mais agressivamente.