Carreira em Medicina

Casos Clínicos: Meningite Tuberculinica | Ligas

Casos Clínicos: Meningite Tuberculinica | Ligas

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Área: Neurologia/Infectologia/Radiologia

Autores: Carolina Menezes e Lorena Fagundes

Revisor(a): Stephanie Costa

Orientador(a): Lara Cardoso

Liga: Liga Acadêmica de Radiologia da Bahia (LARB)

Apresentação do caso clínico

Paciente, 13 anos, sexo masculino, estudante, católico, residente e natural de Salvador, foi admitido em ambulatório acompanhado pela mãe, a qual refere que o paciente sente dificuldade de movimentar pernas e braços associada ao aparecimento de manchas roxas há aproximadamente1hr.

A mãe refere que na última hora, o paciente cursou com paresia associada a presença de petéquias e equimoses em MMII e MMSS. Também, relata que o filho teve febre o dia todo, sendo que há 2hr, teve febre de 38,6ºC, com 4 episódios de vômito “em jato” e há 6 dias, ele tem se queixado constantemente de cefaleia intensa e diurna. Ainda, refere que o filho apresenta artralgia, fotofobia e perda de peso, bem como que há 1 semana ele teve quadro gripal. A mãe afirma que na última hora o filho fez uso de antitérmico, analgésico e antiemético.

A mãe relata ser HIV positiva e que o pai do paciente é hipertenso. Ela não sabe dizer se o paciente tomou todas as vacinas, pois perdeu quando ele tinha poucos meses. Mãe nega que o filho tenha feito cirurgia e feito transfusão sanguínea, bem como alega que o parto foi cesáreo e não houve quaisquer intercorrências durante gestação e em período pós-natal. Refere que o paciente tem dieta baseada em alimentos industrializados, mas que ele joga futebol todos os dias. Ainda, relata que ele mora com os pais e mais 4 irmãos, bem como afirma que as condições sanitárias não são boas onde mora, inclusive menciona que a rua não é asfaltada.

Ao exame físico o paciente apresentava-se em estado geral regular, comportamento agressivo e choroso, desorientado e confuso em tempo e espaço, febril(39°C), acianótico, anictérico, hipocorado, normopneico (FR= 23irpm), normocárdico (FC = 96 bpm). Paresia em MMII, rigidez de nuca com sinais de Kernig e Brudzinski positivos, redução da força muscular grau 4/5 a direita. Glasgow = 9. Aparelhos respiratório e cardiovascular sem alterações ao exame físico. Queixa de mialgia e cefaleia durante todo o exame físico. Aparelho gastrointestinal com ruídos hidroaéreos presentes, fígado e baço não palpáveis, porém o paciente se apresentava combativo à palpação. Apresentou episódio de vômito durante o exame físico.

Paciente foi encaminhado à unidade de terapia intensiva, sendo submetido aos seguintes exames:

RM de Crânio: em T1 pós-gadolínio, há lesões arredondadas intraparenquimatosas com impregnação anelar ou nodular pelo contraste, compatíveis com tuberculomas associados ao espessamento e impregnação de contraste. Também, em Flair, nota-se hipersinal bilateralmente nas proximidades das lesões arredondadas visualizadas em T1 e dos ventrículos dilatados também bilateralmente, que sugerem edema transependimário.

Punção Lombar: LCR ligeiramente turvo; incolor após centrifugação; citologia global = 430 células/mm³; citologia diferencial =  80% polimorfonucleares; glicose = 25 mg/dL; cloretos = 510mEq/L; proteínas totais = 100mg/dL; globulina positiva (alfa e gama-globulina); adenosima deaminase (ADA) em concentrações elevadas. Bacterioscopia identificou bacilos gram-positivos e ácido-álcool resistentes.

Exames Laboratoriais: leucocitose, PCR e VHS elevados.

Questões para orientar a discussão    

1. Quais dados da anamnese levam-nos á suspeitar de Meningite Tuberculínica e por quê?

2. Quais são as hipóteses diagnósticas para o caso além da Meningite Tuberculínica?

3. Como é feito o diagnóstico da Meningite Tuberculínica?

4. Qual o exame de imagem de escolha para o caso e quais os principais achados?

5. Qual a conduta terapêutica para o caso?

Respostas

1. Pela queixa e HDA já podemos suspeitar de uma meningite bacteriana, pois o paciente apresenta sintomas inespecíficos (vômito, febre e cefaleia) e específicos (petéquias, fotofobia e déficit neurológico focal), bem como apresenta episódio gripal há 1 semana (lembrando que a bactéria é transmitida por gotículas e secreções, colonizando inicialmente a nasofaringe, de onde, pela via hematogênica, consegue alcançar o LCR). Além disso, de acordo com relatos da mãe, as condições socioeconômicas não são boas, bem como ela é HIV positiva, assim temos dois fatores importantes que nos remetem á meningite especificamente tuberculínica, pois a criança provavelmente é HIV positiva também, tornando-a mais propensa a ser contaminada pela tuberculose, ainda mais em um ambiente tão precário como relata a mãe.

2.  Devemos considerar também doenças exantemáticas, doenças respiratórias, febre hemorrágica, endocardite bacteriana, malária e demais meningites.

3. O diagnóstico é feito através das manifestações clínicas, que incluem os sintomas específicos (petéquias, rigidez de nuca, alteração de estado mental, fotofobia, sinal de Kernig positivo, Sila de Brudzinski positivo, estado clínico precário, deificit neurológico focal, convulsões) e inespecíficos (cefaleia, letargia, vômitos/náuseas, febre, dificuldade respiratória, recusa alimentar, dor muscular/articular, calafrios, dor/distensão abdominal, dor/coriza no nariz, ouvido ou garganta), bem como história que confirma contato com patógeno. Também, são imprescindíveis exame de imagem (TC ou RM) e laboratoriais, bem como punção lombar e gasometria para o diagnóstico.

4. Classicamente, podemos observar a tríade: realce meníngeo cisternal + hidrocefalia (dilatação biventricular) + infartos profundos. Se há presença de tuberculomas, observam-se múltiplas lesões captadoras de contraste com realce anelar ou nodular; se há presença de abscesso também podem ser encontradas lesões captantes de contraste, que tendem a ser maiores e tem  realce anelar irregular, podendo apresentar centro hipointenso indicativo de necrose com grande área de edema circunjacente. Pode ser visualizado espessamento das meninges da base do crânio, e no caso da RM, exame de escolha pela possibilidade de análise mais detalhada das alterações, um tuberculoma não caseoso se apresenta com hipointensidade em T1 e hiperintensidade em T2 e FLAIR, enquanto um tuberculoma caseoso se apresenta com isso ou hipointensidade em T1, T2 e FLAIR, sendo a Difusão a melhor sequencia para análise.  A presença de edema perilesional também deve ter atenção, sendo pequeno na presença de tuberculomas e mais extenso em caso de abcessos.

5. Frente aos achados, a abordagem terapêutica feita no paciente incluiu esquema de duração de 2 meses com Isoniazida, Rifampicina e Pirazinamida em associação á Prednisona por período de 1-4 meses a depender da progressão clínica do paciente, e na segunda fase do tratamento, Isoniazida e Rifampicina por mais 4 meses. Além disso deve ser recomendado início de fisioterapia o mais breve possível.