Ginecologia

Caso clínico de vulvovaginite

Caso clínico de vulvovaginite

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Aprenda como manejar um caso de vulvovaginite!

HISTÓRIA CLÍNICA

LSM, 27 anos, administradora de empresas, branca, solteira. Paciente refere prurido vulvar e ardor local ao urinar há 2 semanas, desde que chegou da praia (sic). Associado a esse quadro, relata corrimento branco sem odor característico. A paciente possui ciclos menstruais regulares (26/26 dias com duração média de 04 dias) e nega atraso menstrual.

Nega dismenorréia, disúria e dispareunia. Menarca aos 11 anos e sexarca aos 20 anos. Faz uso regular de contraceptivo hormonal combinado por via oral há 8 anos. Refere calendário vacinal completo, inclusive HPV. História obstétrica: G0 P0 A0.

Possui antecedente pessoal patológico de HPV, que foi diagnosticado e tratado há 2 anos. Só teve 2 parceiros sexuais e tem parceiro sexual único há 01 ano e 06 meses. Relata que realizou rastreamento completo de infecções sexualmente transmissíveis (ISTs) – herpes genital, sífilis, gonorreia, infecção pelo HIV, infecção pelo Papilomavírus Humano (HPV), hepatites virais B e C – há 1 ano, todos os exames estavam normais (sic). Apresenta antecedente familiar de hipotireoidismo (mãe e irmã).

EXAME FÍSICO

Geral: bom estado geral; hidratada; normocorada; afebril; fácies atípica; orientada no tempo e espaço; ausência de edema.

Sinais vitais: FC: 76 bpm; FR: 17 irpm; PA: 110 x 75 mmHg; temperatura: 36,8°C.

Abdome: atípico. Ruídos hidroaéreos presentes e normais. Normotimpânico. Palpação superficial e profunda sem alterações, ausência de visceromegalias.

Mamas: mamas simétricas, volumosas e densas, sem áreas de retrações ou abaulamentos. Ausência de nódulos palpáveis.

Ginecológico

Inspeção vulvar: hiperemia extensa em porção média de grandes e pequenos lábios bilateralmente, sem presença de fissuras e edemas.

Exame especular: paredes vaginais hiperemiadas, observa-se placas brancas aderidas ao colo uterino, sem lesões aparentes; presença de corrimento vaginal branco grumoso sem odor fétido.

Exames complementares

Lesões vulvovaginais

Figura 1. Hiperemia vulvar em grandes lábios.

Questões para orientar a discussão

1.Quais a principal hipótese diagnóstica, a partir do exame clínico?

2.Como os hábitos de vida influenciam no quadro clínico?

3.Existe alguma correlação entre a sintomatologia descrita e o antecedente de HPV?

4.O que deve ser abordado com a paciente na promoção de saúde?

5.Qual conduta deve ser adotada no caso descrito?

Discussão do caso de vulvovaginite

Entre as principais queixas do consultório ginecológico, destaca-se o prurido vulvar por ser causador de grande incômodo para a paciente 1 . É importante investigar o início do sintoma, sua evolução e fatos que podem estar relacionados com o mesmo, como contato íntimo, uso de produtos locais (sabonetes, lubrificantes, produtos para depilação, etc.) e higiene íntima 2 . Nesse caso, a paciente correlaciona o prurido com a viagem à praia, o que nos faz pensar no aumento da umidade e calor genital, além da provável irritação local pela areia.

O ardor ao urinar citado pela paciente justifica-se pelo contato da urina com a lesão vulvar no ato da micção. A paciente não apresenta corrimento vaginal típico de nenhuma IST, tendo em vista que não tem aspecto leitoso, amarelo-esverdeado, bolhoso ou odor fétido 3. Ao exame especular, observou-se hiperemia das paredes vaginais, caracterizando um quadro de vaginite, associado à vulvite 4 .

A associação do quadro clínico à viagem realizada pela paciente é um dado importante para o raciocínio clínico, corroborando com a hipótese diagnóstica de candidíase vulvovaginal (CVV), tendo em vista que o uso prolongado de biquíni (umidade) associado ao calor local favorecem a proliferação de fungos 3, 5.

As principais manifestações clínicas que sugerem o quadro de CVV são presença de prurido intenso, edema de vulva e/ou vagina 4 . É importante destacar que na maioria dos casos de candidíase, a paciente apresenta leucorreia tipo branco-leitoso, porém não corresponde à totalidade dos casos, assim como o da paciente em questão.

A CVV não é transmitida por contato sexual 6 . Estima-se que cerca de 75% das mulheres irão apresentar pelo menos um episódio de candidíase vulvovaginal em sua vida. Entre as espécies de Cândida, 85 a 90% da flora fúngica vaginal é constituída por Candida albicans; o restante é atribuído a outras espécies, sendo mais comuns a C. glabrata (9-15%) e a C. tropicalis (até 15% dos casos) 7 . Os principais fatores de risco relacionados são gestação, diabetes mellitus, contato oral-genital, anticoncepcionais orais (ACOs) de altas doses, terapias de reposição hormonal, antibióticos, imunissuprimidas 4 .

É importante orientar a paciente com relação à higiene íntima; evitar o uso de duchas vaginais e compartilhamento de roupas íntimas; evitar também situações que aumentem o calor na área genital, tais como: uso de roupas justas, roupas íntimas de tecido sintético e uso de protetor diário de calcinhas 3,8.

Vale lembrar que é importante conferir o calendário vacinal da paciente, estimulando a imunização contra o HPV e a hepatite B, por se tratarem de ISTs. A vacinação do HPV deve ser indicada mesmo para pacientes que já tiveram contato com o vírus, pois a mesma protege contra os principais subtipos virais, – 6, 11, 16 e 18 na vacina quadrivalente – e é indicada pela Sociedade de Ginecologia e Obstetrícia de Brasília na faixa etária de 9 a 45 anos no sexo feminino 9. Entretanto, o Ministério da Saúde disponibiliza a vacina no Sistema Único de Saúde (SUS) para meninas na faixa etária de 9 a 14 anos e mulheres vivendo com HIV na faixa etária de 9 a 26 anos.

Foi proposta terapia tópica vaginal e vulvar com creme à base de corticoide e antifúngico para alívio imediato do desconforto, e prescreveu-se também medicação antifúngica via oral (dose única) para combater o episódio instalado e evitar a recorrência do quadro. Outras opções de tratamento seriam cremes à base de antifúngico, apenas para tratamento tópico, ou cremes com antifúngico e antibiótico associados. A terapia prescrita foi a escolhida por ser eficaz, apresentar baixo custo e fácil adesão. A paciente apresentou remissão completa do caso 72 horas após o início do tratamento.

O quadro clínico de CVV pode ser confundido com dermatite de contato, especialmente nesse caso em que o sintoma principal era o prurido e havia hiperemia local, mas a paciente não apresentava o clássico corrimento da candidíase. A dermatite de contato é uma doença dermatológica com manifestações agudas, subagudas e crônicas, e geralmente é desencadeada com o contato direto com um alérgeno. Daí a importância de investigar bem na anamnese se a paciente utilizou (ou modificou) algum produto na região genital (cremes, sabonetes, espermicidas, etc) ou na lavagem da roupa íntima. Dessa forma, embora o diagnóstico da CVV seja essencialmente clínico, a colpocitologia onco-parasitária é importante para corroborar com o diagnóstico da CVV e para o rastreamento de ISTs e de câncer de colo uterino 2, 3, 4, 10.

Destaca-se ainda no diagnóstico diferencial de CVV as demais vulvovaginites, que podem também estar associadas à candidíase.

Tabela 2 – Vulvovaginites mais comuns e principais características 4,7.

Diagnósticos diferenciais

Objetivos de aprendizado / competências

• Estudo semiológico da Candidíase;

• Critérios de confirmação diagnóstica por meio de exames laboratoriais;

• Diagnósticos diferenciais da CVV;

• Conduta de alívio de sintomas e tratamento de Candidíase.

Pontos importantes

• O prurido vulvar constitui uma das queixas mais frequentes das pacientes aos ginecologistas, devendo ser valorizado quanto à sua evolução e fatores associados, já que auxilia no raciocínio clínico, estabelecimento e confirmação de hipóteses diagnósticas.

• As características do prurido como tempo de aparecimento, duração, recorrência, área acometida, associação com uso de roupas íntimas e/ou produtos na área genital ajudam no diagnóstico diferencial, por exemplo, de uma dermatite atópica.

• A candidíase é uma vulvovaginite causada por fungos comensais dos tratos genital e intestinal, em especial a Candida albicans; frequente na menacme, rara na infância e na menopausa, sugerindo que a colonização do trato genital por fungos é hormônio dependente. Algumas condições associadas com elevada produção de hormônios como gestação, diabetes, uso de contraceptivos podem associar-se a candidíase. O mesmo é válido para pacientes imunocomprometidas devido a estados patológicos ou uso crônico de corticosteroides.

• O quadro clínico da CVV é caracterizado pela presença de prurido, ardor, hiperemia e fissuras na mucosa vaginal e vulvar, podendo também estar presente corrimento branco-leitoso, grumoso e sem odor. Placas brancas aderidas às paredes vaginais e ao colo uterino podem ser observadas ao exame especular.

• O diagnóstico da candidíase é clínico, mas além da anamnese e exame físico, pode ser confirmado através de exames complementares, lembrando a possibilidade da presença de outros agentes microbiológicos (Trichomonas vaginalis, Chlamydia trachomatis, Gardnerella vaginalis) associados à CVV. Os métodos diagnósticos são: microscopia direta, bacterioscopia com coloração pelo método Gram, colpocitologia onco-parasitária e cultura do corrimento vaginal. Os principais meios de cultura para diagnóstico de candidíase são Sabouraud e Nickerson.

• Na microscopia direta observa-se a presença de pseudo-hifas e esporos.

• É importante aproveitar o momento da consulta para esclarecer possíveis dúvidas da paciente, explicar fatores que contribuíram para o desenvolvimento da CVV de acordo com sua história e abordar os cuidados que a paciente deve ter para evitar recorrência da CVV.

• O ginecologista deve aproveitar o momento da consulta para atualizar o cartão de vacinas da paciente, mostrando a importância e a necessidade de cada uma, bem como estimular o uso de preservativos e restrição do número de parceiros sexuais.

Confira o vídeo:

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