Urgência e Emergência

Casos Curiosos: Síndrome Consumptiva febril a esclarecer | Colunistas

Casos Curiosos: Síndrome Consumptiva febril a esclarecer | Colunistas

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L.F.M. paciente masculino de 24 anos de idade, cor branca, natural de São Paulo-SP, é admitido em serviço de emergência com queixa de dor abdominal inespecífica há cerca de 30 dias associado à síndrome consumptiva, febre, vômitos e epigastralgia. Também refere mialgia e poliartralgia com edema em quirodáctilos e dor persistente em joelhos após posição prolongada em flexão, e surgimento de pápulas eritematosas não pruriginosas no corpo há 5 meses.

Refere que sintomas melhoravam parcialmente com uso de analgésicos, porém a dorsalgia e dor em membros inferiores eram refratários à terapia. Há cerca de 2 meses passou a apresentar episódios de febre diária vespertina. Em antecedentes clínicos, nega úlceras genitais, alterações do hábito intestinal ou urinárias, sangramentos, odinofagia ou outras queixas. Refere múltiplos atendimentos em serviço médico de emergência e uso prévio de corticoides e analgésicos.

Durante a internação em enfermaria de Clínica Médica, o paciente persistiu com poliartralgia e picos febris. Foi realizada hemocultura, sem crescimento bacteriano. Tomografia de abdome não apresentou alterações. Tomografia de tórax revelou ausência de linfonodomegalias ou alterações pulmonares parenquimatosas e presença de discreto derrame pleural e discreto derrame pericárdico, este posteriormente confirmado por ecocardiograma.

O hemograma revelou anemia hipocromica normocítica, leucopenia leve e presença de acantócitos e dacriócitos em lâmina, com ausência de plaquetopenia. Índice reticulocitário foi compatível com resposta hipoproliferativa medular. Demais exames laboratoriais não apresentaram alterações, com ausência de disfunções hepáticas ou renais, e negatividade sorológica na pesquisa de HIV, Sífilis e Hepatites. Devido a quadro anêmico, foi realizada hemotransfusão de 01 concentrado de hemácias, sem intercorrências. 

Sob principal suspeita diagnóstica de doença hematológica, realizou-se discussão de caso com serviço de hematologia, que indicou a realização conjunta de pesquisa reumatológica.

O reumatograma revelou Fator anti-núcleo (FAN) reagente padrão misto nuclear homogêneo e citoplasmático pontilhado reticular, em título 1:320; Anti-dsDNA reagente em título 1:320; Complemento C3 e C4 reduzidos; Fator Reumatóide não reagente; Anticorpo anti-Jo não reagente; Anticorpo anti-La não reagente;  Anticorpo anti-Ro não reagente; Anticorpos anticardiolipina IgG e IgM não reagentes; Anticorpo antiendomísio não reagente; Anticorpo SCL-70 não reagente; P-ANCA e C-ANCA não reagentes.

O Lúpus Eritematoso Sistêmico (LES) é uma doença autoimune crônica complexa, com padrão heterogêneo de sintomas, reflexo do acometimento de diferentes sistemas3. Classicamente, há maior prevalência da doença em mulheres em idade fértil, com relação de 13 mulheres para 1 homem, e predileção de acometimento em não caucasianos3. Segundo a literatura, a patogênese da doença depende de fatores genéticos, ambientais, imunológicos e hormonais3. Suas manifestações são relacionadas à presença de autoanticorpos, formação de imunocomplexos e deposição destes, e outros processos imunes1.

Segundo os critérios EULAR/ACR 2019 para diagnóstico de LES, é necessário a presença de FAN reagente em títulos maiores ou iguais a 1:80, ou presença de teste equivalente positivo, associado a mais de 10 pontos em categorias clínica e laboratorial que representam sinais e sintomas da doença: Constitucionais: febre (2 pontos); Hematológicos: leucopenia (3 pontos), trombocitopenia (4 pontos), hemólise autoimune (4 pontos); Neuropsiquiátricos: delirium (2 pontos), psicose (3 pontos), convulsões (5 pontos); Mucocutâneos: alopecia não cicatricial (2 pontos), úlceras orais (2 pontos), lúpus cutâneo subagudo ou lúpus discoide (6 pontos), lúpus cutâneo agudo (6 pontos); Serosos: efusão pleural ou pericárdica (5 pontos), pericardite aguda (6 pontos); Musculoesqueléticos: envolvimento articular (6 pontos); Renais: proteinúria > 0,5 gramas em 24 horas (4 pontos), biópsia renal com nefrite lúpica classe II ou V (8 pontos), biópsia renal com nefrite lúpica classe III ou IV (10 pontos); Positividade em anticorpos antifosfolípides: anticorpos anticardiolipina ou anticorpos anti-beta-2GP1 ou anticorpo anticoagulante lúpico (2 pontos); Depleção de complemento: C3 ou C4 (3 pontos), C3 e C4 (4 pontos); Positividade de anticorpo específicos para LES: anti-dsDNA ou anticorpo anti-Sm (6 pontos). Em cada domínio, apenas o critério com maior pontuação deve ser considerado, e é necessário que não exista outro diagnóstico mais provável que lúpus eritematoso sistêmico1,2.

Segundo sinais e sintomas apresentados pelo paciente, concluiu-se que este possuía 26 pontos nos critérios para diagnóstico de LES. Foi realizada então pulsoterapia com metilprednisolona com melhora gradativa dos sintomas, recebendo alta após 14 dias de internação hospitalar com indicação de seguimento com serviço ambulatorial de Reumatologia.

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Autora: Beatriz Lin Carbone, Estudante de Medicina

Instagram: @mediscool