Anestesiologia

Cefaléia pós-raquianestesia: Relato de caso | Colunistas

Cefaléia pós-raquianestesia: Relato de caso | Colunistas

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Imagem de perfil de Comunidade Sanar

A raquianestesia é um tipo de anestesia muito utilizado nos dias atuais, que facilita muitos procedimentos. Tem menos risco de complicações que a anestesia geral quando recomendada de forma correta e feito com a técnica adequada e tem sido cada vez mais indicada. Uma das complicações possíveis é a chamada cefaléia pós-raquianestesia, ou cefaléia pós-raqui. O relato a seguir é sobre essa complicação comum e importante, não pela gravidade em si, porém pelo desconforto que pode causar, sendo muito intensa e tendo a necessidade de repouso, evitando a movimentação e sentar-se, sendo uma complicação incomoda e limitante.

Caso clínico

S.M.O.S, 31 anos, puérpera, G3P3A0, em 4º dia de pós-parto. Parto normal, com uso de anestesia (com realização de múltiplas punções) sem intercorrências.

Paciente relatou dores de cabeça logo após passar o efeito da analgesia, com piora progressiva, relatando aparecimento de sensação de pressão nos ouvidos. No 3º dia de pós-parto, o quadro piorou e a paciente teve perda momentanea de sentidos e surdez e relatou dor muito intensa, sendo internada para tratamento.

Dor de forte intensidade ao levantar ou sentar-se, em forma de pressão, com melhora imediata ao deitar.

Paciente diagnosticada com cefaléia pós punção,provavelmente causada pelas múltiplas punções realizadas durante a anestesia.

Medicações em uso: cloridrato de prometazina, cetoprofeno, dipirona e cloridrato de ondansetrona

Demais recomendações importantes na prescrição: hidratação e repouso em leito.

No segundo dia de internação, paciente relata melhora dos sintomas, mas ainda sentindo dor ao levantar-se. Paciente estava respeitando a recomendação de repouso, levantando-se apenas para visitar o recém-nascido duas vezes ao dia e, quando necessário, como para utilizar o banheiro.

Mantido prescrição, repouso e hidratação até melhora completa do caso, que ocorreu no 6º dia pós-parto quando recebeu alta.

Discussão

Etiologia e incidência

Diversos estudos citam como principal etiologia para a cefaléia pós-raqui a perda do liquor cefalorraquidiado após a punção. O liquor é drenado de forma constante pelo orifício na dura-aracnóide até a cicatrização causando queda na pressão intra craniana (que se agrava nas posições em pé e sentado) levando a dor e, em alguns casos, a presença de outros sintomas.A incidência é diretamente relacionada ao calibre e formato da agulha, sendo variável, ao número de tentativas e a posição de inserção da agulha e também,  inversamente proporcional a idade do paciente, tendo também maior incidência em mulheres jovens.

Prevenção

Estudos mostram que agulhas com ponta não cortante e de menor calibre reduzem o risco de cefaléia pós-punção. A hidratação também é utilizada como profilaxia da cefaléia, aumentando a produção de liquor. No pós parto tem se indicado como medida preventiva o uso de cintas abdominais, diminuindo a dilatação do plexo venoso vertebral (que ocorre pelo aumento da pressão na veia cava devido ao útero gravídico) o que pode aumentar o liquor.

Tratamento

O tratamento mais eficaz inclui repouso no leito, hidratação e analgesia. Não é recomendada a hidratação excessiva para evitar a necessidade frequente de micção, assumindo a posição ereta por mais vezes.

Outros tratamentos também são aceitos ou encontram-se em estudos como a infusão peridural de solução salina (considerada como tratamento de escolha a cefaléia refratária ao tratamento clínico e ao tamapão sangúineo), uso de cafeína oral ou venosa (que aumenta a resistência vascular, diminuindo o fluxo sanguíneo e a dor), cloridrato de tiaprida (pela atuação na via dopaminérgica), além do apoio psicológico que é essencial a paciente, inclusive antes do procedimento, explicando a possibilidade da complicação vir a ocorrer.

O uso da cinta também demonstra bons resultados, apesar de não ser uma medida muito utilizada.

O tampão sanguíneo é utilizado quando o tratamento conservador não tem resultados ou quando a cefaléia é muito intensa e/ou prolongada, sendo o modo de tratamento invasivo até hoje mais aceito, formando um coágulo que oclui o orifício da punção ainda não cicatrizado totalmente.

Conclusão

A raquianestesia é muito indicada em substituição à anestesia geral para diversos procedimentos, sendo menos agressiva e causando menos repercussões sistêmicas.

A cefaléia pós-raqui pode ser previnida com inúmeras medidas (em especial agulhas de formato e calibre corretos e evitando multiplas punções). No entanto, quando ocorre, apesar de ter uma resolução espontânea na maioria dos casos e boa resposta ao tratamento conservador, ainda traz muitos anseios as pacientes, que acreditam que a incidência dessa complicação seja bem maior do que realmente é, quando a técnica utilizada é adequada.

Além disso, ao ocorrer é uma complicação muito limitante, devido a necessidade de repouso, sendo necessário que a paciente tenha um apoio psicológico, não apenas para lidar com seus anseios mas também para ter seus esforços reduzidos ao máximo, tendo assim uma melhora mais rápida e com o mínimo de dor possível.

Autora: Thays Davanço Pedroso dos Passos

Instagram: @thadavanco

O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.

Observação: esse material foi produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido.


Referências

1 – Imbelloni LE, Carneiro ANG, Cefaléia pós-raquianestesia: Causas, prevenção e tratamento. Revista Brasileira de Anestesiologia, 1997; 47:5: 453-464

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