Carreira em Medicina

Choque refratário: o que é e o que fazer diante dele

Choque refratário: o que é e o que fazer diante dele

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A definição de choque refratário não é consensual.

Em geral, as definições partem do princípio de qual dose da droga vasoativa é necessária para que seja mantida uma pressão arterial alvo, cujo valor adotado será:

Figura 1: Necessidades de noradrenalina para a manutenção de pressão arterial média alvo após ressuscitação volêmica.

A equivalência do efeito vasopressor da noradrenalina 10 μg/min pode ser resumido na seguinte tabela:

Figura 2: Drogas noradrenalina-equivalente 10 μg/min.
Fonte: Medicina Intensiva Abordagem Prática, 3ª ed.

É importante ter em mente que todos os tipos de choque podem evoluir para choque refratário.

Por isso, complemente seu raciocínio entendendo melhor o choque cardiogênico e hipovolêmico.

Fisiopatologia do choque refratário

Diante da situação de choque – hipoperfusão tecidual – é desencadeada a SIRS (Síndrome de Resposta Inflamatória Sistêmica).

Essa síndrome leva a uma vasodilatação excessiva, devido à mecanismos como a expressão de NO sintase induzível (NOi), bem como à alteração da permeabilidade vascular, disfunção ventricular e alguns desvios dos referencias laboratoriais.

Essas alterações desencadeadas pela síndrome de resposta inflamatória sistêmica resulta no estado de choque refratário.

Figura 3: A resposta inflamatória sistêmica (SIRS) desencadeada pela agressão inicial pode perpetuar e agravar o colapso circulatório por múltiplos mecanismos. Fonte: Medicina Intensiva Abordagem Prática, 3ª ed.

Etiologia

É muito importante entender a síndrome que resultou no quadro do paciente, fazendo uma reavaliação constante, já que o erro diagnóstico pode conduzir a um desfecho ruim.

As causas mais urgentes e seus tratamento incluem, dentre outros:

  • Taquiarritmias com instabilidade hemodinâmica (cardioversão elétrica)
  • Isquemia coronariana com choque cardiogênico (revascularização do miocárdio);
  • Choque hemorrágico (controle do foco de sangramento e suporte);
  • Embolia pulmonar maciça (trombolíticos ou embolectomia);
  • Choque séptico (controle de foco e antibióticos);
  • Tamponamento pericárdico ou pneumotórax hipertensivo (drenagem).

Manejo inicial do choque refratário

Você deve monitorizar o paciente segundo à rotina da UTI, com cardioscopia, oximetria de pulso e manguito para a pressão arterial. Além disso, deve-se mensurar a pressão arterial invasiva, prevendo uma possível mudança brusca com necessidade de alterar da titulação das drogas vasoativas.

Pensando no desequilíbrio entre oferta e consumo de oxigênio, deve ser realizada gasometria arterial, mensurando ainda a saturação venosa central (SVO2) de oxigênio e o lactato. A monitorização constante desses parâmetros é obrigatória no paciente com choque refratário.

Entendido o mecanismo primário do choque refratário, deve ser realizada a tentativa de infusão de volume, incrementando isso com a probabilidade pré-teste de o paciente responder à reposição volêmica.

Essa probabilidade pode ser mensurada a partir de:

  • Ecocardiografia com mensuração do diâmetro da veia cava;
  • Estimativas ecográficas do débito cardíaco após a expansão volêmica;
  • Variação da pressão de pulso, dentre outros.

A PVC prediz a elevação do débito pós-infusão de fluidos?

Não!

Nem a pressão venosa central (PVC) e nem a pressão de artéria pulmonar ocluída (PAPO) são capazes de oferecer essa informação.

Por esse motivo, o uso do eletrocardiograma é o mais indicado, já que é um exame pouco invasivo capaz de avaliar a função cardíaca, diagnósticos diferenciais (ex.: embolia pulmonar) e o status volêmico, guiando a terapia intensiva.

Quais condições corrigíveis o paciente pode apresentar?

Existem algumas condições que o seu paciente pode apresentar que contribuem para a instabilidade hemodinâmica mas que podem ser corrigidas.

A febre é extremamente comum e contribui para a vasodilatação periférica e aumento do consumo de oxigênio.

Por isso, o controle da temperatura deve ser feito, seja através de fármacos – como a dipirona, paracetamol ou outros antitérmicos – ou mesmo pela controle mecânico, com o uso de colchão térmico ou dispositivos intravasculares, por exemplo.

Outra condição muito comum é a acidose. Seu papel é corrigi-la através de uma adequada ventilação e ressuscitação.

Se o seu paciente apresenta uma acidose grave (pH< 7,2) pode ser usadas soluções com bicarbonato. O bicarbonato de sódio pode ser aplicado sob diluição isosmótica de 100mEq na velocidade de 0,1 mEq/kg/min , caso a volemia do paciente permita isso. Caso não, deve ser administrada a formulação hipertônica.

Na prática

Deve ser administrado 100 mL de solução de bicarbonato de
sódio 8,4% ou 500-1.000 mL
de solução de bicarbonato isotônica (diluição de 150 mL de solução de bicarbonato a 8,4% em 850 mL de
água destilada ou soro glicosado a 5%) em cerca de 15 minutos.

Pelo risco de levar à hipercapnia e/ou diminuição do cálcio sérico livre com a administração do bicarbonato de s´ódio o médico deve antecipar uma ventilação adequada e reposição de cálcio, segundo a necessidade do paciente.

A hipocalcemia (Ca total < 8,5mg/dL ou cálcio ionizado abaixo do valor de referência do laboratório) é famosa por ser negligenciada no contexto de choque. Diante disso, é recomendado um ataque de 20 a 30mL de gluconato de cálcio 10% diluído em 100mL de soro fisiológico em 10 minutos.

Corticoesteroides

No contexto de sepse, não existem evidências do benefício de altas doses de corticoesteroides com efeito anti-inflamat´ório.

Já na situação de choque séptico refratário, e apenas nessa situação, é sugerido o uso de baixas doses de hidrocortisona 200 mg EV/dia em infusão contínua ou 50 mg a cada 6 horas.

Vasopressores de resgate

Em casos de a noradrenalina ou noradrenalina de resgate equivalente ultrapassa 0,5 a 1 μg/kg/min é indicado associar um vasopressor de resgate.

Vasopressina

Ainda não existem evidências suficientes sobre o benefício da vasopressina em casos de paciente com choque refratário.

Caso seja utilizada, é indicado em casos de pacientes em choque distributivo refratário e sem disfunção cardíaca, com dose máxima de 0,06 U/min.

Terlipressina

Ela pode ser utilizada como opção à vasopressina, em bomba de infusão contínua na dose de 1,3 μg/kg/h, como primeira opção. Como segunda, tem-se a infusão em bólus de 1mg a cada 4 ou 6 horas.

Inibidores de óxido nítrico

É indicado que seja utilizada uma dose em bólus e se seguir com infusão contínua de 0,25 mg/kg/hora.

Doses maiores do que 3mg/kg podem prejudicar a perfusão esplâcnica, e por isso devem ser evitadas.

Ainda, o azul de metileno (AM) atua inibindo a guanilato ciclase e não na produção de NO. Pode ser realizado uma diluição de 1 ampola de 10mL + SG 5% 90mL (solução = 10mg/mL).

Figura 4: Algoritmo proposto para o manejo do choque refratário. Fonte: Medicina Intensiva
Abordagem Prática, 3ª ed.

Sugestão de leitura

Referências

Scott Manaker, MD, PhD. Use of vasopressors and inotropes. Disponível em: < https://bit.ly/3km5jKt >. Acesso em 03 de julho de 2020.

Wendy J Pomerantz, MD, MS, Scott L Weiss, MD. Systemic inflammatory response syndrome (SIRS) and sepsis in children: Definitions, epidemiology, clinical manifestations, and diagnosis. Disponível em: < https://bit.ly/3lFYLWq >. Acesso em 29 de maio de 2020.

AZEVEDO, Luciano César Pontes de; TANIGUCHI, Leandro Utino; LADEIRA, José Paulo; MARTINS, Herlon Saraiva; VELASCO, Irineu Tadeu. Medicina intensiva: abordagem prática. [S.l: s.n.], 2018.