Infectologia

Coccidioidomicose: um resumo epidemiológico, diagnóstico e mais

Coccidioidomicose: um resumo epidemiológico, diagnóstico e mais

Compartilhar
Imagem de perfil de SanarFlix

Entenda o que é a coccidioidomicose, qual população costuma ser mais afetada por essa condição, diagnóstico e cuidados. Bons estudos!

A coccidioidomicose é uma micose sistêmica, ocorrendo com mais frequência em áreas endêmicas da América Central e América do Sul. Dito isso, é fundamental que o médico saiba identificar e manejar o quadro.

O que é a coccidioidomicose?

A coccidioidomicose é uma micose sistêmica, que também pode ser conhecida por granuloma coccidióidico. Outras variações são doença de Posadas-Wernicke, reumatismo do deserto e febre do Vale de São Joaquim.

Essa infecção fúngica é causada por duas espécies de Coccidioides: C. immitis e C. posadasii. Trata-se de fungos prevalentes em regiões áridas e semiáridas do continente americano. 

Sabe-se que quanto a distribuição, o C. immitis ocorre, principalmente na Califórnia (EUA). No Brasil, o C. posadasii é o agente etiológico mais prevalente nas demais áreas endêmicas, além de outras localidades da América do Sul. 

coccidioidomicose
Fundo Coccidioides.

Evolução clínica da coccidioidomicose

Geralmente, a coccidioidomicose apresenta-se clinicamente como uma infecção respiratória benigna e de resolução espontânea.

Porém, uma pequena proporção dos indivíduos infectados desenvolve quadros progressivos, potencialmente letais (principalmente, indivíduos em imunossupressão). 

De acordo com o curso clínico, essa infecção fúngica pode evoluir de forma aguda, subaguda ou crônica. Pode ainda atingir, além dos pulmões, outros órgãos por disseminação hematogênica.

Além disso, trata-se da segunda micose que mais frequentemente acomete o sistema nervoso central, depois da criptococose. Nesses casos, cursam geralmente com quadro de meningoencefalite crônica.

Agente etiológico da coccidioidomicose: quem é o causador da doença?

Como comentamos, a coccidioidomicose é causada majoritariamente por duas espécies de Coccidioides: C. immitis e C. posadasii.

Os fungos C. immitis e C. posadasii são dimórficos. Em saprofitismo e em meios de cultivo à temperatura ambiente, crescem como micélio vegetativo hialino, formando colônias esbranquiçadas de aspecto algodonoso.

Ao final do terceiro ou quarto dia de incubação, observa-se abundante crescimento. Ocorre a formação de hifas hialinas, septadas e ramificadas, de 2 a 4 μm de diâmetro. 

A partir do 5º dia de cultivo formam-se artroconídios. Eles são a porção fúngica infectante em grande quantidade, alternando espaços interseptais degenerados e vazios de citoplasma.

Quando se destacam das hifas, os artroconídios apresentam paredes espessadas e tendem a abaular-se. Assumem forma em barril, medindo de 2 a 4 μm e, geralmente, são multinucleados. 

Quem está mais vulnerável a essa condição: entenda a epidemiologia

A coccidioidomicose tem distribuição mundial bastante limitada, sendo registrada apenas no continente americano, desde o norte da Califórnia até o sul da Argentina.

A mais extensa área endêmica contígua compreende todo o sudoeste dos Estados Unidos e todo o norte do México, onde é uma importante infecção oportunista em pacientes imunossupressos, especialmente naqueles com AIDS. 

Essa micose não é doença de notificação compulsória. Por isso, sua incidência e prevalência não podem ser estabelecidas com precisão. Estima-se que só nos Estados Unidos ocorram mais de 100.000 casos novos de infecção anualmente, sendo que 35.000 somente no estado da Califórnia. 

Lavradores, trabalhadores em construção de ferrovias e estradas de rodagem, antropólogos e militares são considerados profissionais com maior risco de exposição. 

Não há diferença de sexo, idade ou raça na suscetibilidade à infecção primária. No entanto, para a ocorrência das formas disseminadas estão definidos fatores de risco como:

  • Raça negra e filipina
  • Sexo masculino
  • Extremos de idade
  • Gravidez (especialmente no segundo e terceiro trimestres da gestação) e puerpério imediato. 

Além disso, associa-se o pior prognóstico à condições associadas à imunodepressão celular. A exemplo, tem-se AIDS, pacientes quimioterápicos, uso crônico de corticosteroides, neoplasias, transplante de órgãos.

Fisiopatologia: como entender a coccidioidomicose?

A coccidioidomicose é adquirida através da inalação de artroconídios infectantes presentes no solo, onde o fungo cresce saprofiticamente sob a forma filamentosa.

Os casos endêmicos geralmente estão associados a regiões caracterizadas pela baixa pluviosidade. Em geral, onde as chuvas, de distribuição irregular, são seguidas de longos períodos de estiagem. 

Esse fato permite que nos períodos mais secos, os artroconídios do fungo sejam aerossolizados pelo vento ou por atividade antrópica, causando o surgimento de novos casos da infecção. O grande poder de dispersão desses fungos permite-lhes alcançar centenas de quilômetros de distância. 

Eles infectam naturalmente uma ampla variedade de hospedeiros, além do homem, como animais domésticos e grande diversidade de animais silvestres.

Geralmente, o período de incubação fúngica é de 21 dias, podendo ser ampliado em pacientes imunossupressos. Além disso, breves exposições em áreas endêmicas e de clima seco podem ser suficientes para que a infecção se estabeleça. 

Quadro clínico da coccidioidomicose

Mais da metade dos indivíduos infectados por C. immitis ou C. posadasii não apresentam manifestações clínicas.

Caso tenham, as manifestações costumam ser compatíveis com uma infecção das vias aéreas superiores, quadro simples e autolimitado. Nesses casos, a coccidioidomicose só é revelada incidentalmente.

Nos demais pacientes, os sintomas aparecem cerca de 1 a 3 semanas após a exposição ao fungo (período de incubação). A partir disso, se manifestam como infecção das vias aéreas inferiores, acompanhada de sintomas como:

  • Febre;
  • Astenia;
  • Anorexia;
  • Sudorese;
  • Dor torácica;
  • Tosse inicialmente seca e posteriormente produtiva;
  • Manifestações de hipersensibilidade como artralgia, exantema maculopapular, eritema multiforme e eritema nodoso. 
coccidioidomicose
Manifestação da hipersensibilidade aos antígenos do Coccidioides immitis. Imagem cedida por cortesia de www.doctorfungus.org © 2005.

Os estudos mostram que apenas um a cada 200 indivíduos infectados evolui com disseminação extrapulmonar. Os sítios comumente mais afetados são meninges, ossos,  articulações e a pele. 

Forma pulmonar da coccidioidomicose: como ocorre?

O quadro sintomatológico agudo constitui a manifestação clínica mais frequente e surge entre 1 a 3 semanas após a exposição ao fungo.

Além das manifestações gerais, apresenta alterações radiológicas como infiltrados alveolares, derrame pleural e linfonodonomegalias hilares

Embora a infecção possa persistir por várias semanas, a regressão espontânea para a cura, mesmo sem terapia antifúngica, pode ocorrer. 

Apenas 5% destes pacientes com cocciodioidomicose evoluem para lesões pulmonares residuais. Nesses casos, sob a forma de nódulos, usualmente solitários, que, na maioria dos pacientes, apresentam-se assintomáticos.

Formas extrapulmonares da coccidioidomicose

Dentre os sítios afetados, o acometimento de sistema nervoso central (SNC) é a mais letal. Manifesta-se geralmente como uma meningite granulomatosa crônica, com envolvimento das estruturas da base do crânio. Os abscessos cerebrais e cerebelares também podem estar presentes. 

As manifestações mais comuns nesses pacientes são sintomas de irritação meníngea e hipertensão intracraniana.

O líquido cerebrospinal (ou líquor), geralmente mostra-se claro, com aumento de neutrófilos mononucleares, baixa de glicose e aumento de proteínas. Ainda, a hidrocefalia é complicação comum.

Outras manifestações extrapulmonares envolvem: pele, com pápulas e verrugas, principalmente em face e nos ossos e articulações com osteomielite. 

coccidioidomicose
Lesão cutânea única da coccidioidomicose. Imagem cedida por cortesia de www.doctorfungus.org © 2005.

Marcadores de gravidade da coccidioidomicose

Embora seja uma doença que possa regredir espontaneamente, é fundamental que a equipe médica esteja atenta a marcadores que indicam gravidade do quadro.

Entre os mais importantes, destaca-se: 

  • Perda ponderal acima de 10%;
  • Sudorese noturna por mais de três semanas;
  • Radiologia evidenciando infiltrados acometendo mais da metade de um pulmão ou porções de ambos os pulmões, adenopatia hilar proeminente ou persistente;
  • Sintomas persistentes por mais de dois meses;
  • Disseminação linfohematogênica;
  • Disseminação para o sistema nervoso central.

Diagnóstico: como concluir que se trata da coccidioidomicose?

O diagnóstico é feito através da avaliação clínica, aspectos epidemiológicos e laboratoriais

Diante de sintomatologia característica, o médico deve investigar a procedência do paciente e histórico de viagem nas semanas anteriores. A simples passagem por área endêmica já representa risco, principalmente em indivíduos não residentes em áreas endêmicas, muito suscetíveis à infecção. Apesar disso, a ausência desses dados não descarta o diagnóstico.

A investigação laboratorial pode ser: 

  • Específica: através de pesquisa direta do fungo, cultura, histopatologia, inoculação em animais e exames imunológicos.
  • Inespecífica: exames radiológicos, tomográficos e análise do líquor. 

Diagnóstico diferencial da coccidioidomicose

As formas de apresentação da doença com acometimento pulmonar devem ser diferenciadas.

As principais condições a serem afastadas são a tuberculose, outras micoses pulmonares (paracoccidicidioidomicose, histoplasmose, criptococose, aspergilose, etc.), actinomicose e carcinomatose. 

Já a meningoencefalite por coccidioidomicose deve ser diferenciada sobretudo com a tuberculose e a criptococose.

Tratamento da coccidioidomicose: como realizar?

A coccidioidomicose é uma doença fúngica. Assim sendo, as principais drogas a serem administradas serão:

  1. Fluconazol, 400-1200 mg/dia, sendo largamente empregada com resultados satisfatórios, mas tem apresentado grande incidência de recidiva; 
  2. Itraconazol, 400-600 mg/dia, tem apresentado resultados um pouco superiores que o fluconazol nas formas disseminadas sem envolvimento do sistema nervoso central e com menor taxa de recidiva; 
  3. Anfotericina B, reservada para as formas mais graves da micose, quando importa uma ação antifúngica mais rápida.

Posts relacionados: continue aprendendo!

Perguntas frequentes

  1. O que é a coccidioidomicose?
    Trata-se de uma infecção fúngica que acomete regiões endêmicas da América. De maneira geral, possui um curso benigno, podendo ser autolimitado.
  2. Como a coccidioidomicose pode se manifestar?
    Costuma acometer exclusivamente os pulmões, podendo mimetizar um quadro de infecção de vias aéreas superiores.
  3. Qual grupos está mais exposto à contaminação?
    Lavradores, trabalhadores em construção de ferrovias e estradas de rodagem, antropólogos e militares.

Referências

  1. Rotinas de diagnóstico e tratamento das doenças infecciosas e parasitárias / editores Walter Tavares, Luiz Alberto Carneiro Marinho. – 4. ed. — São Paulo : Editora Atheneu, 2015. Bibliografia. Vários autores. ISBN 978-85-388-0641-7
  2. Veronesi : tratado de infectologia / editor científico Roberto Focaccia. — 5. ed. rev. e atual. — São Paulo : Editora Atheneu, 2015. Obra em 2 vol. Vários autores. Bibliografia. ISBN 978-85-388-0648-6
  3. Salomão, Reinaldo. Infectologia: Bases clínicas e tratamento / Reinaldo Salomão – 1. ed. – Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2017. : il. ISBN: 978-85-277-3261-1
  4. Jornal Brasileiro de Pneumologia, cp. 2.