Carreira em Medicina

Como a exposição prolongada às telas afeta o desenvolvimento infantil?

Como a exposição prolongada às telas afeta o desenvolvimento infantil?

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Imagem de perfil de Maitê Dahdal

Artigo da Dr. Maitê Dahdal orientações sobre como lidar com a alta incidência de transtornos na adolescência por causa da exposição prolongada às telas. 

Os desafios da parentalidade têm aumentado na medida em que a tecnologia evolui, principalmente pela exposição precoce e por tempo prolongado às telas. Esse comportamento compromete o desenvolvimento físico, cognitivo e comportamental que só pode ser lapidado dessa fase da vida. Com isso, surgem várias dúvidas. 

Como equilibrar as telas com a vida off-line? E com a necessidade de interação social presencial? Quais os riscos dessa exposição em excesso no quesito saúde mental e comportamental? Essa coluna tem como objetivo te apresentar respostas referentes ao prejuízo da exposição prolongada às telas. 

Contexto: quando a exposição prolongada às telas de crianças e adolescentes começou? 

Os meus pacientes estão crescendo jogando jogos em que os personagens brincam na rua. Assistindo desenhos que representam a rua, mas eles mesmos nem pisam mais na rua. 

Com a pandemia, se tornou ainda mais difícil equilibrar o real e o virtual. A educação de criança é uma tarefa difícil, desgastante e repetitiva, então algo que você pode colocar na frente dos pequenos e deixar eles vidrados e quietinhos se torna uma proposta sedutora. Mas já sabemos que não é saudável e que traz impactos para vida das crianças. 

Um desses impactos é a falta do convívio social. Esse processo já estava acontecendo e em 2020, com a pandemia, se intensificou. Não houve uma fase de transição, tudo, ou quase tudo, migrou para o universo digital em questão de dias. E para o bem, ou mal, nos tornamos ainda mais dependentes das telas, especialmente a nova geração. A educação digital é um exemplo disso.

É importante salientar que a tecnologia como ferramenta pedagógica nas escolas não é a grande preocupação, ainda mais que a escola tem hora pra começar e acabar.

O problema envolve o abuso para o uso recreativo, que como consequência vem substituindo outras atividades recreativas que antes eram regradas de convivência social, desenvolvimento físico, etc.

Crianças e adolescentes estão cada vez mais confinados ao entretenimento digital. E esse entretenimento está competindo com outras atividades essenciais para o desenvolvimento. 

Leia também o artigo da Dra. Natália: Qual o efeito da pandemia na saúde mental de crianças e adolescentes?

Estudos que abordam a exposição prolongada às telas de crianças e adolescentes  

A pesquisa TIC Kids Online, realizada em 2018 no Brasil, aponta que 86% dos brasileiros entre 9 e 17 anos estão conectados, em 93% dos casos é através do telefone celular. O uso é dividido em:

  • 70% dos casos em redes sociais (mais por meninas); e
  • 55% para jogos online (mais por meninos). 

Do total da amostra, 82% tinham perfil em rede social e relataram riscos de conteúdos sensíveis sobre: 

  • alimentação ou sono (20%);
  • de como se machucar e cometer suicídio (em 16% e 14%, respectivamente), e
  • experiências com uso de drogas (11%).

Além disso, na pesquisa houve relatos de que: 

  •  26% foram tratados de forma ofensiva (cyberbullying), 
  • 16% relataram acesso às imagens ou vídeos de conteúdo sexual, 
  • um quarto da amostra, 
  • 25%, não conseguiram controlar o tempo de uso, mesmo tentando passar menos tempo no celular. 

A criança que fica muitas horas exposta às telas pode reduzir seu envolvimento em atividades com outras crianças e adultos acarretando em menor interação e oportunidades de perceber a si mesmo e o outro. Hoje, já temos uma avalanche de evidências científicas sobre o malefício do uso excessivo das telas ao desenvolvimento infantil. 

Vejam só quantos riscos observamos para saúde física, mental e problemas comportamentais sobre dependência digital. E sim, isso pode se tornar uma doença e tem CID. 

O que fazer para conseguir equilibrar o real e o virtual sem riscos para saúde?

Ao colocar a criança diante das telas, opte por programas interativos como aquele que ensina brincadeiras. Outra opção é colocar para assistir desenho e brincar junto com um boneco do personagem. 

Para guiar os pais, as entidades médicas têm publicado diretrizes sobre o tema. A SBP, por exemplo, orienta um limite de acordo com as etapas do desenvolvimento infantil por conta do comprometimento da aquisição de linguagem e processos cognitivos.

Crianças jovens nem sempre tem limites, não tem maturidade de discernir quando parar. Esse local do cérebro fica maduro apenas na idade adulta e a indústria do entretenimento eletrônico não facilita. A maioria dos programas e dos dispositivos é extremamente intuitiva e envolvente. 

Como estabelecer limites no uso de tecnologia? 

Os limites definidos tendem a ser aderidos com menos resistência se encontram consonância com aquilo que observam no seu meio familiar: ou seja, adultos são exemplos! 

O primeiro passo é evitar colocar computador e televisão no quatro. Além disso, evitar que a criança tenha um celular próprio enquanto a comunicação à distância não for necessária. Vale também:

  • Pactuar com a criança e o adolescente um período para uso das telas;
  • Evitar o uso no período noturno devido interferência da luz no ciclo da melatonina;
  • Priorizar o uso das telas com acompanhamento de familiares e como momento de lazer em família;
  • Investir em novas brincadeiras e novas formas de distração fora das telas que contribuam para o desenvolvimento infantil.

Há um tempo correto de quando começar a exposição às telas e orientação sobre período de uso?

De acordo com a OMS, a exposição a telas não é recomendada a menores de dois anos. O tempo de tela não deve ultrapassar uma hora por dia para crianças com idade superior a 2 anos até por volta dos 4 anos. Mas sabemos que essa não é a realidade.

O neurocientista Michel Desmurget defende ainda limites mais rígidos. Ele afirma que se um bebê tiver contato com tela por 50 minutos ao dia isso estará correspondendo a 8% do seu tempo de vigília, 15% do seu tempo livre, e em 24 meses de vida serão 600h gastas. Horas que poderiam ter sido investidas em observação ativa do mundo, brincadeiras espontâneas, exploração motora e outras atividades. 

A conta ainda é mais alarmante com crianças um pouco mais velhas. De 2 a 8 anos, em países ocidentais, eles chegam a passar em média ⅕ do seu tempo em vigília em frente às telas. 

Entre 8 a 12 anos esse uso recreativo de telas pode chegar a ⅓ do tempo. Já adolescente, de 13 a 18 anos, o consumo diário pode beirar 45%, quase metade do tempo que ficam acordados, podendo acumular até 112 dias de um ano grudados nas telas. 

Já pedi a um paciente de 14 anos para mostrar quanto tempo passava no celular e ele ficava cerca de 5h por dia no celular. Totalizando 35h semanais e 70 dias na frente do celular no ano. 

Estamos diante de uma situação nova, é um problema da nova geração. Esse momento merece atenção e paciência de cuidadores e profissionais da saúde. Afinal, trabalharemos hábitos e comportamentos das crianças, adolescentes e também dos pais em nossa prática médica.

Referências

  • Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). Manual de Orientação: Grupo de Trabalho Saúde na Era Digital (2019-2021). Rio de Janeiro: SBP; 2019.
  • Ribner AD, McHarg G. Screens across the pond: Findings from longitudinal screen time research in the US and UK. Infant Behavior and Development. 2021;63:101551.
  • Organization WH. Guidelines on physical activity, sedentary behaviour and sleep for children under 5 years of age. World Health Organization; 2019. 
  • Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). Manual de Orientação: Departamentos Científicos de Pediatria do Desenvolvimento e Comportamento e de Saúde Escolar. Uso saudável de telas, tecnologias e mídias nas creches, berçários e escolas [Internet]. Rio de Janeiro: SBP; 2019.
  • O uso das telas e o desenvolvimento infantil. Disponível em: <www.iff.fiocruz.br/index.php?view=article&id=35:uso-das-telas&catid=8>.
  • Excessive Screen Media Use in Preschoolers Is Associated with Poor Motor Skills.
  • Erika Felix, Valter Silva et al. Cyberpsychology, Behavior, and Social Networking, 23, 6, 6 2020.

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