Índice
- 1 Mas, antes, você sabe a origem biológica do coronavírus?
- 2 E quanto à alteração mencionada acima, o que seria Spike D614G?
- 3 E o que se sabe sobre Spike N453Y e Mink?
- 4 E quanto à famosa linhagem B.1.1.7 (N501Y), a variante alfa?
- 5 RÓTULO DA OMS PARA AS VARIANTES
- 6 Linhagem Delta é ”variante de preocupação”, conforme a OMS
- 7 VALE DESTACAR SOBRE AS VARIANTES DA ÍNDIA
- 8 Variante P.1, linhagem B.1.1.28, Gamma
- 9 Variante Beta
- 10 Epsilon: a variante encontrada inicialmente na Califórnia
- 11 Conclusão
A etimologia da palavra plasticidade vem da união de: plástico + idade. Esse termo se refere à capacidade de adaptação às condições ambientes, assim como algo plástico é algo possível de ser moldado. Nesse sentido entenderemos a preocupação da marcante plasticidade do genoma do coronavírus para a COVID-19 como um possível sinal de resistência e uma propensão do SARS-COV-2 para trocar de hospedeiro.
Nesse contexto, você já deve ter ouvido e visto notícias durante o curso da pandemia de síndrome respiratória aguda grave do coronavírus 2 (SARS-CoV-2) sobre as novas variantes genéticas virais, em que as comunidades clínicas, científicas e de saúde pública lidaram em um contexto totalmente atípico e desconhecido até então. Embora vários cientistas tenham desacreditado, no início, sobre a importância de alteração genéticas virais, como a do D614G, após o surgimento da nova “variante do Reino Unido” – a linhagem B.1.1.7 –, houve uma preocupação generalizada.
Coronavírus pertence à família Coronaviridae, que compreende duas subfamílias, cinco gêneros, 26 subgêneros e 46 espécies de vírus. SARS-CoV-2 pertence ao gênero Betacoronavírus, subgênero Sarbecovírus, uma espécie de coronavírus relacionada à síndrome respiratória aguda. Sua classificação, realizada pelo International Committee on Taxonomy of Viruses (ICTV), foi feita principalmente pelas características moleculares e filogenéticas e não pelas reais doenças que causa.
Estima-se que o morcego-ferradura (Rhinolophus sinicus) é o seu hospedeiro principal e que o pangolim malaio (Manis javanica) é o hospedeiro secundário. SARS-CoV-2 é um envelope viral, aproximadamente esférico e seus vírions têm diâmetros médios de 80-120 nm. Tem um tamanho grande de RNA não segmentado, cujo genoma codifica quatro principais proteínas: pico (S), envelope (E), membrana (M) e nucleoproteína (N).
E quanto à alteração mencionada acima, o que seria Spike D614G?
D614G é uma substituição de ácido aspártico por glicina na posição 614 da glicoproteína de pico. Tal mudança de sequência se chama mutação, o que difere dos termos variante e cepa. Os genomas com sequências alteradas são constantemente chamados de variantes, porém, ao observar duas variantes, elas podem diferir por uma mutação ou muitas. . Simplificando, uma variante é uma cepa quando tem um fenótipo comprovadamente diferente (por exemplo, uma diferença na antigenicidade, transmissibilidade ou virulência).
A mutação D614G foi detectada pela primeira vez em um nível significativo no início de março de 2020, se espalhou para o domínio global no mês seguinte e inicialmente parecia surgir de forma independente. Essa hipótese levou muitos a duvidar que a mutação D614G fosse adaptativa, apesar dos dados in vitro mostrarem seus efeitos na ligação ao receptor. Uma recente análise genética e filodinâmica populacional de mais de 25.000 sequências do Reino Unido descobriu que os vírus com 614G pareciam se espalhar mais rápido e semear clusters filogenéticos maiores do que os vírus com 614D.
E o que se sabe sobre Spike N453Y e Mink?
Muitas sequências de SARS-CoV-2 da Holanda e da Dinamarca tinham uma mutação Y453F no domínio de ligação ao receptor do pico, que pode mediar o aumento da afinidade de ligação para o vison ACE2 (enzima de conversão da angiotensina 2), relatados em 214 casos de coronavírus humano em 2019 (COVID-19) associados a fazendas de visons. Onze indivíduos do surto dinamarquês tinham uma variante denominada cluster 5, com três mutações adicionais (del69_70, I692V e M1229I). A aparente adaptação do SARS-CoV-2 ao vison foi preocupante, pois a evolução contínua do vírus em um reservatório animal poderia potencialmente levar a eventos de transbordamento recorrentes do novo SARS-CoV-2 do vison para humanos e outros mamíferos.
E quanto à famosa linhagem B.1.1.7 (N501Y), a variante alfa?
A linhagem B.1.1.7 (também chamada de 501Y.V1) é um cluster filogenético em rápida expansão no sudeste da Inglaterra. Ele havia acumulado 17 mutações definidoras de linhagem antes de sua detecção no início de setembro, o que sugere significativa evolução anterior, possivelmente em um hospedeiro cronicamente infectado. Três meses depois, essa variante era responsável por aproximadamente 28% dos casos de infecção por SARS-CoV-2 na Inglaterra, e há sugestões de que ela está se espalhando 56% mais rapidamente do que outras linhagens.
De encontro com o D614G, que poderia notadamente ter se beneficiado de eventos casuais iniciais, a linhagem B.1.1.7 se expandiu quando os casos de SARS-CoV-2 se espalharam e aparentemente alcançou o domínio ao superar a competição de uma população existente de variantes circulantes. Isso é fortemente sugestivo de seleção natural de um vírus que é mais transmissível em nível populacional.
RÓTULO DA OMS PARA AS VARIANTES
Quando uma variante carrega mutações importantes, com potencial de mudar seu comportamento, ela é denominada como “variante de interesse” (VOI – do inglês variant of interest). Quando é identificada uma ameaça à saúde pública ou à contenção do vírus, denomina-se de “variante de preocupação” (VOC – do inglês variants of concern). A Tabela 1 relata todas as VOCs e VOIs reconhecidas pela Organização Mundial da Saúde.

Linhagem Delta é ”variante de preocupação”, conforme a OMS
Em meados de outubro de 2020, a linhagem B.1.617 foi detectada na Índia pela primeira vez e passou a ser chamada de variante Delta em maio de 2021, quando a Organização Mundial da Saúde (OMS) anunciou que usaria letras do alfabeto grego para nomear as variantes da Covid-19 recém identificadas. Tal cepa foi classificada pela OMS como uma “variante de preocupação” (VOC), devido a evidências que incluem o aumento da transmissibilidade, o agravamento da doença, a redução significativa na neutralização por anticorpos produzidos pela infecção ou induzidos pela vacinação, a eficácia reduzida das vacinas ou falhas na detecção pelo diagnóstico. Tal caracterização também ocorreu com as variantes P.1 (ou Gamma), identificada em Manaus, B.1.1.7 (ou Alpha), do Reino Unido, e B.1.351 (ou Beta), da África do Sul.
A transmissividade da cepa permitiu que ela se fizesse presente em 111 países, incluindo o Brasil, cujos primeiros casos confirmados ocorreram em 20 de maio deste ano. Diante dos infectados, pesquisadores sequenciaram genomicamente seis amostras, considerando aquelas que apresentaram maior carga viral, e percebeu-se que todas pertenciam à linhagem B.1.617.2, uma sub-linhagem da B.1.617, identificada na Índia. Segundo os especialistas, a nova variante apresenta um conjunto de mutações, principalmente na estrutura da proteína Spike, ou proteína S, relacionada à entrada do vírus nas células humanas, e outras presentes em diferentes regiões do genoma viral.
De acordo com a pesquisadora Mirleide Cordeiro, do Instituto Evandro Chagas, pelo menos duas mutações (L452R e T478K) podem se relacionar ao escape da resposta imune do organismo e outra, a P681R, poderia favorecer o aumento da capacidade de ligação do vírus com o receptor celular, o que se associa ao maior poder de transmissividade. Além disso, é válido salientar a mutação chamada E484Q, que, de acordo com o pesquisador José Eduardo Levi, do Instituto de Medicina Tropical de São Paulo (USP), apresenta pontos em comum com uma mutação presente nas outras três variantes de preocupação, identificadas em Manaus, no Reino Unido e na África do Sul.
VALE DESTACAR SOBRE AS VARIANTES DA ÍNDIA
A Índia identificou, além da VOC, a Delta (B.1.617.2), uma VOI, e a Capa (B.1.617.1), ambas derivadas da linhagem B.1.617. Tanto a Delta quanto a Capa apresentam mutações nos genes que codificam a espícula do coronavírus, ou seja, a proteína S (spike). As três principais são: a L452R; a E484Q; e a P681R. Além disso, médicos sugerem que a Delta seja responsável por novos ou por diferentes intensidades de sintomas da doença, como perda auditiva, dores articulares, distúrbios gástricos graves e coágulos sanguíneos que podem levar a gangrena. Também existem preocupações sobre a eficácia das vacinas atuais contra a variante.
Variante P.1, linhagem B.1.1.28, Gamma
A OMS foi notificada pelo Japão, no início de janeiro de 2021, sobre uma nova variante do SARS-CoV-2, a B.1.1.28 (inicialmente relatada como B.1.1.248), detectada em quatro viajantes provenientes do Brasil. Essa variante não está proximamente relacionada às variantes SARS-CoV-2 VOC 202012/01 e 501Y.V2, tendo sido identificada em dezembro de 2020 em Manaus, estado do Amazonas, Brasil. Sabe-se que essa variante possui 12 mutações na proteína espícula, incluindo três mutações de interesse em comum com 501Y.V2, ou seja, K417N/T, E484K e N501Y, que podem afetar a transmissibilidade e a resposta imune do hospedeiro.
Variante Beta
A variante sul-africana do coronavírus, conhecida como B.1.351, foi identificada pela primeira vez no Brasil em uma amostra coletada na cidade de Sorocaba (interior de São Paulo). As linhagens do tipo Beta são B.1.351, B.1.351.2 e B.1.351.3, conforme a OMS.
A variante B.1.351 (501Y.V2 ou 20H/501Y.V2) foi identificada na África do Sul, e carrega três importantes mutações (K417N, E484K e N501Y), preocupando quanto a sua transmissividade e menor vulnerabilidade a anticorpos gerados por uma infecção anterior ou por vacina. Existe a preocupação de que a variante Beta possa ser mais resistente às vacinas atuais devido a algumas alterações nas proteínas do pico (spikes).
Epsilon: a variante encontrada inicialmente na Califórnia
Em janeiro, pesquisadores começaram a investigar uma variante Epsilon (B.1.427/B.1.429), atualmente a cepa predominante no estado da Califórnia, nos EUA. Além desse estado, já foi identificada em outras regiões e em outros países, mas sem grandes questões e, até o momento, não se sobrepôs a outras variantes, exceto no local de origem. De acordo com o virologista Charles Chiu, professor de medicina da UCSF (University of California in San Francisco) e um dos responsáveis pela descoberta da predominância da variante no estado norte-americano, tal variante implica em três mutações, incluindo L452R, na proteína spike, que o vírus usa para se ligar e entrar nas células.
Diante de tantas variantes surgidas, sabe-se que, quanto mais a COVID-19 é transmitida, mais variantes do coronavírus podem surgir.
Conclusão
Diante do exposto, pode-se entender que, a cada mudança do vírus, são geradas também novas linhagens, o que preocupa quanto à potencialidade de uma resistência viral e ao uso de muitos hospedeiros diferentes. Portanto, faz-se necessário frequentes novos estudos para uma melhor compreensão dos fatores clínicos e epidemiológicos relacionados à doença.
Além disso, avaliar uma nova variante do SARS-CoV-2 deve incluir o questionamento sobre o alcance por meio da seleção natural ou por eventos fortuitos, como também se está havendo seleção de mutações com efeitos na transmissibilidade ou na virulência, por exemplo. É válido salientar que as condutas já adotadas pelas autoridades em saúde pública, como uso de máscaras, distanciamento físico e limitações em grandes aglomerações, devem permanecer eficazes, apesar do controle de uma variante mais transmissível provavelmente exigir uma aplicação mais rigorosa.
Autora: Jéssica N. Borba
Instagram: @jessborba_/
O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.
Observação: esse material foi produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido.
Referências
ALMEIDA, Luciene. Variantes genéticas do SARS-CoV-2 – o que significam? Newslab. Publicado em 12 de janeiro de 2021. Disponível em:<https://newslab.com.br/variantes-geneticas-do-sars-cov-2-o-que-significam/>. Acessado em 15 de abr. de 2021.
Khalil OAK, Khalil SS. SARS-CoV-2: Taxonomia, Origem e Constituição / SARS-CoV-2: taxonomy, origin and constitution. Rev Med (São Paulo). 2020 set.-out.;99(5):473-9. Acessado em 15 de abr. de 2021.
Rambaut A, Loman N, Pybus O, et al; COVID-19 Genomics Consortium UK. Caracterização genômica preliminar de uma linhagem emergente de SARS-CoV-2 no Reino Unido definida por um novo conjunto de mutações de pico. Virological.org. Postado em 16 de dezembro de 2020. Disponível em:<https://virological.org/t/preliminary-genomic-characterisation-of-an-emergent-sars-cov-2-lineage-in-the-uk-defined- por-um-conjunto-de-mutações-espiga / 563>. Acessado em 15 de abr. de 2021.
DIVE – Diretoria de Vigilância Epidemiológica. Boletim de Vigilância Genômica do SARS CoV-2, n.21, atualizado 08 de julho de 2021. Florianópolis/SC. Disponível em:
FORATO, Fidel. Alfa, Beta, Gama, Delta, Capa: o que sabemos sobre variantes do coronavírus. Canaltech. Editado por Luciana Zaramela. Publicado em: 15 de junho de 2021. Disponível em:
Organização Mundial da Saúde (OMS). Atualização epidemiológica: Variantes de SARS-CoV-2 nas Américas. Publicado em 26 de janeiro de 2021. Disponível em português em: https://iris.paho.org/bitstream/handle/10665.2/53234/EpiUpdate26January2021_por.pdf?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em 15 de julho de 2021.
ROCHA, Lucas.O que você precisa saber sobre a variante Delta. CNN. Publicado em: 21 de maio de 2021. Atualizado 14 de julho de 2021. Disponível em: