Ginecologia

Como interpretar e conduzir as sorologias para toxoplasmose na gestação | Colunistas

Como interpretar e conduzir as sorologias para toxoplasmose na gestação | Colunistas

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Imagem de perfil de Víctor Miranda Lucas

A toxoplasmose é uma doença que cursa de maneira assintomática em adultos comuns, porém é de grande risco para a população gestante considerando os riscos para o feto.

Faz parte do acompanhamento pré-natal as sorologias para toxoplasmose, entretanto, as sorologias podem ser confusas e acabar dificultando o manejo dessas pacientes. É essencial o acompanhamento e orientações adequadas para essa população a fim de garantir o bom prognóstico de mãe e filho.

Introdução

Trata-se de uma doença comum e que em geral não gera repercussões para o público adulto comum, de modo que na maioria das vezes é assintomática ou apenas se assemelha a um quadro viral transitório e de rápida resolução. Dentre as infecções perinatais mais frequentes, a toxoplasmose possui grande relevância considerando as possíveis consequências para o feto caso haja a contaminação pela Toxoplasma gondii

Em termos gerais, a prevalência na população adulta é alta no Brasil, variando nas diferentes regiões do país (de 54 a 75%); já a toxoplasmose aguda na gestação varia de 0,2% a 1,0%.

A transmissão vertical da toxoplasmose varia de acordo com a idade gestacional: no primeiro trimestre as chances de transmissão são de 15%, já no último trimestre, as chances sobem para 60%. Por outro lado, a gravidade segue o padrão contrário: quanto menor a idade gestacional, mais grave será o quadro para o feto, de modo que a infecção muito precoce pode resultar em abortamento.

O rastreio para toxoplasmose inicia-se já na primeira consulta pré-natal com a solicitação da sorologia IgM e IgG.

Serão abordados aqui as quatro possibilidades de sorologias para toxoplasmose durante a gestação.

Situação 01: IgG negativo e IgM negativo

Frente a essa combinação de sorologias, a gestante é considerada SUSCETÍVEL

Isso significa que a paciente não teve contato com o Toxoplasma, portanto ainda pode ser infectada durante a gestação. Estima-se que 54% das gestantes apresentam essa situação sorológica.

Para essa população, o mais importante é a orientação sobre a profilaxia, isto é, orientar os cuidados essenciais para evitar o contato com o protozoário. Destaca-se orientar evitar o contato com fezes de gatos (principais agentes responsáveis por contaminar os humanos), evitar contato com hortas, lavar bem os alimentos antes de consumí-los, evitar carnes mal-passadas.

Além disso, é importante fazer a repetição da sorologia em todos os trimestres da gestação para acompanhar possíveis contaminações. Algumas literaturas sugerem repetir todos os meses.

Situação 02: IgG positivo e IgM negativo

Nessa condição, a paciente é considerada IMUNE.

Como já foi mencionado, grande parte da população brasileira já teve contato com o protozoário e desenvolveu imunidade sem grandes riscos à saúde. Aproximadamente 44% das gestantes apresentam essa sorologia.

Para essa população, não há orientações e condutas especiais, visto que não há riscos para o feto e/ou para a mãe. É a situação ideal e mais desejada.

Situação 03: IgG negativo IgM positivo

Para essa sorologia, pode-se SUSPEITAR de uma INFECÇÃO MUITO RECENTE.

É importante mencionar que a positivação do anticorpo IgM acontece em torno de 7 dias do contato, enquanto o IgG se positiva após 14 dias. Sendo assim, essa sorologia indicaria que a paciente realizou o exame num intervalo muito específico (entre o 7º e o 13º dia pós-contato). Porém, inicialmente trataremos o caso como um possível FALSO POSITIVO.

Sendo assim, o mais adequado é repetir o exame após 3 semanas.

Se o resultado desse novo exame for IgM – e IgG – → Falso positivo

Se o resultado desse novo exame for IgM + e IgG+ → Confirmação do quadro agudo

Confirmando a infecção aguda, inicia-se o tratamento com espiramicina e deve ser solicitado o PCR para o Toxoplasma gondii a partir da coleta do líquido amniótico por amniocentese (após completar 18 semanas de gestação) para possível diagnóstico de toxoplasmose congênita (infecção do feto). 

O tratamento com espiramicina visa apenas impedir a transmissão vertical, dessa forma, na vigência da toxoplasmose congênita, o tratamento com espiramicina deve ser substituído pela chamada Terapia tripla (pirimetamina + sulfadiazina + ácido folínico).

Situação 04: IgG positivo IgM positivo

Nessa situação, considera-se que a gestante teve uma INFECÇÃO RECENTE, entretanto, não é possível precisar – ainda – se essa infecção foi durante a gestação ou antes dela. Lembrando que o anticorpo IgM positiva-se após 7 dias e pode manter-se positivo por aproximadamente 01 ano.

Para conseguirmos estimar o momento que aconteceu a infecção, abriremos mão de exames complementares.

Para gestantes com até 16 semanas de gestação, solicitamos o Teste de Avidez do IgG. Esse teste é capaz de quantificar o grau de afinidade/avidez do anticorpo IgG pelo antígeno do Toxoplasma. Quanto maior a avidez, mais estabelecida é a imunidade, portanto, o contato ocorreu há mais tempo e vice-versa. O teste só tem aplicabilidade até 16 semanas de gestação.

Enquanto o resultado do Teste de Avidez não sair, o tratamento com espiramicina já deve ser iniciado.

→ Se o Teste de Avidez revelar um valor alto, significa que a infecção ocorreu provavelmente antes da gestação. Nesse caso o tratamento com espiramicina deve ser descontinuado.

→ Se o Teste de Avidez der um valor pequeno, significa que a infecção ocorreu provavelmente com a gestação já em curso. Sendo assim, o tratamento com espiramicina deve continuar. Além disso, deve ser solicitado o PCR para Toxoplasma após 18 semanas de gestação através da Amniocentese para investigação da toxoplasmose congênita.

Atenção: caso a gestante apresente o resultado citado já com mais de 16 semanas, conforme explicado o Teste de Avidez não deve ser solicitado. Sendo assim, considera-se que a gestante já está contaminada e deve-se iniciar o tratamento com espiramicina e solicitado o PCR como mencionado.

Conclusão

As condutas frente a gestantes com risco ou na vigência de infecção pelo Toxoplasma gondii dependem da correta interpretação da sorologia. Sendo assim, é essencial que todo médico consiga entender adequadamente os resultados e conseguir orientar corretamente a paciente para minimizar os riscos de contaminação e sequelas decorrentes da doença.

Autor: Víctor Miranda Lucas

Instagram: @victormirandalucas

Referências:

ASSOCIAÇÃO DE GINECOLOGISTAS E OBSTETRAS DE MINAS GERAIS. Manual SOGIMIG de Ginecologia e Obstetrícia. Rio de Janeiro, 2017.

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL (UFRGS). Toxoplasmose na gestação. Telecondutas, 2019. Disponível em: . Acesso em mar/2022.

O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.

Observação: esse material foi produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido.