Endocrinologia

Como manejar a pressão arterial nos pacientes com doença renal crônica? atualizações do kdigo 2021 | Colunistas

Como manejar a pressão arterial nos pacientes com doença renal crônica? atualizações do kdigo 2021 | Colunistas

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Imagem de perfil de Felipe Vanderley Nogueira

No mês de março de 2021, o KDIGO (Kidney Disease: Improvem Global Outcomes) atualizou suas diretrizes acerca do controle pressórico em pacientes com Doença Renal crônica (DRC), após passar 9 anos sem novidades.

A nova diretriz passou a incluir tópicos referentes aos alvos da pressão arterial (PA), intervenções farmacológicas anti-hipertensivas em pacientes dialíticos e mudanças de estilo de vida, bem como recomendações acerca de populações especiais. Ainda como novidade, esta trouxe um capítulo direcionado exclusivamente à técnica ideal de aferição da pressão arterial. Esses tópicos serão discutidos de forma sucinta neste artigo.

CONTROLE E ALVOS PRESSÓRICOS NA DOENÇA RENAL CRÔNICA

A diretriz enfatiza como seu primeiro item um fator que embora pareça bastante óbvio, é de suma importância nos pacientes renais crônicos: a realização de uma aferição correta da pressão arterial. Uma pressão arterial elevada está relacionada à progressão da DRC e, portanto, é inadmissível que seu valor seja aferido fora dos padrões.

Nesse quesito a diretriz recomenda que seja realizada uma preparação prévia do paciente e seja realizado o uso das técnicas palpatória e auscultatória com o uso de um esfigmomanômetro manual calibrado e traz ainda diversos pormenores acerca dessa técnica. Recomenda ainda que a medição seja feita rotineiramente e de forma padronizada.

Outro fator que foi ressaltado pela diretriz se refere à medida da PA também fora do consultório, haja vista que uma média de 5 a 10 mmHg de diferença pode ser detectada entre estas. Isso tudo foi necessário devido à prevalência dos fenômenos de hipertensão mascarada e de hipertensão do jaleco branco que são mais comuns em pacientes com DRC do que no restante da população. Apesar disso é feita a ressalva de que ensaios clínicos utilizando a MAPA e MRPA na avaliação da progressão da DRC não foram realizados e que ainda estuda-se realizar linhas de pesquisa específicas nesta área.

Outro ponto prático da diretriz afirmou que aparelhos automáticos também podem ser utilizados como método de escolha para aferição da PA. Tudo isso pode ser beneficiado devido aos aparelhos programarem um período para descanso e aumentar as probabilidades de adesão às medidas de preparação adequadas. Outro benefício é em relação à possibilidade dos aparelhos poderem realizar várias medidas e fornecer uma PA média, com boa acurácia. Apesar de alguns estudos recentes sugerirem que o uso destes aparelhos pode resultar em valores mais baixos, as diferenças notadas durante um estudo randomizado mais recente demonstrou que as diferenças foram pequenas e restritas.

Já em relação aos alvos pressóricos, o KDIGO 2021 recomenda que a pressão sistólica permaneça abaixo de 120 mmHg e a diastólica abaixo de 80 mmHg em pacientes não dialíticos, mediante aferição padronizada. Caso seja bem tolerado, níveis abaixo de 120 mmHg podem trazer uma melhora nos desfechos cardiovasculares e renais. Esta recomendação foi considerada como 2B, haja vista que apenas um estudo de alta qualidade foi feito sobre o assunto e ainda são poucos os estudos robustos nessa linha.

Apesar desta recomendação é digno de nota que o próprio estudo SPRINT alcançou uma média de 121,4 mmHg de sistólica, e que neste o médico saía para fora da sala por 5 minutos enquanto a aferição era realizada. Portanto pode haver uma discordância entre os valores do estudo e os valores encontrados na prática médica em que há a presença do médico.

Outro fator a ser pesado é em relação ao controle intensivo da PA nos diferentes níveis de proteinúria. Sabe-se que a progressão da doença é diferente em pacientes com níveis de decréscimo da função renal diferentes. Nesse âmbito, a própria diretriz afirma que o objetivo dos alvos pressóricos é o de justamente aumentar a expectativa de vida nas diversas fases da doença.

TERAPÊUTICAS RECOMENDADAS

NÃO FARMACOLÓGICA

O segundo item do KDIGO 2021 vem trazendo recomendações acerca da intervenção no estilo de vida dos pacientes.

É feita a recomendação de restringir o consumo de sódio para 2g ao dia para pacientes não dialíticos (equivalente a 5g de cloreto de sódio ou 90 mmol de sódio). Outras boas práticas a serem propostas para os pacientes incluem a realização de atividades físicas de moderada intensidade por 150 minutos semanais ou em nível compatível com seu sistema cardiovascular e tolerância física; redução do peso, sobretudo em pacientes obesos ou com sobrepeso e a adoção de uma dieta saudável e com pouco potássio.

Todas essas medidas são realizadas com enfoque na manutenção de uma HAS ideal e de uma boa saúde cardiovascular.

FARMACOLÓGICA

Novamente é recomendado aos pacientes com albuminúria (em níveis superiores a 300 mg/g ou 300 mg em 24h) a utilização de medicamentos da classe dos Inibidores da enzima conversora de angiotensina (IECA) ou bloqueadores do sistema renina angiotensina (BRA). É enfatizada também a contraindicação de associação dessas duas classes farmacológicas usadas concomitantemente.

Um tema que ainda ficou obscuro desde a antiga diretriz foi em relação à piora da função renal imediatamente ao iniciar o uso dos inibidores do sistema renina angiotensina e à hipercalemia. É tolerada uma queda de no máximo 20 a 30% da taxa de filtração glomerular, sendo necessário investigar doenças renovasculares ou outras alterações que possam cursar com esta alteração quando detectada. A diretriz recomenda que seja realizada avaliação laboratorial entre 2 e 4 semanas do aumento da dose ou mesmo do início destas medicações, para avaliação da função renal. Recomenda ainda que os níveis de potássio sejam medidos antes do início ou do aumento da dose do medicamento e novamente entre 1 e 2 semanas de seu início.

GRUPOS ESPECIAIS

A diretriz lista 3 grupos principais: idosos, população pediátrica e transplantados renais.

Dentre os idosos, epidemiologicamente há um aumento de pessoas deste grupo evoluindo para a DRC. Não é definida uma meta pressórica para estes pacientes, devendo haver uma individualização de acordo com fatores como expectativa de vida, efeitos adversos dos medicamentos e tolerância do paciente. O estudo SPRINT não demonstrou aumento dos riscos de efeitos adversos em maiores de 75 anos.

Em relação à população pediátrica, são incomuns os eventos cardiovasculares. Novamente não é definido um alvo terapêutico, porém é recomendado que a PA se mantenha abaixo do percentil 50 para a idade, altura e sexo, visualizável no exame MAPA 24h. Recomenda-se ainda que este exame seja repetido anualmente para verificar a eficácia do tratamento medicamentoso. As classes dos IECAs e BRAs ainda são as recomendadas, apesar de serem escassos os estudos clínicos nesta área.

Dentre os transplantados renais, o alvo terapêutico segundo o KDIGO 2021 é de manter a PA por volta de 130 por 80 mmHg, sendo o controle intensivo não totalmente elucidado, pela baixa amostra nos estudos clínicos. A classe preferencial para estes é a dos bloqueadores do canal de cálcio (BCC) dihidropiridínicos, associados a melhor sobrevida e menor rejeição do enxerto, ainda que não haja vantagens em relação ao desfecho cardio e cerebrovascular. Excetua-se aqui pacientes transplantados com proteinúria, grávidas ou em pós-operatório com Insuficiência renal aguda, em que se recomenda o uso de BRAs.

CONCLUSÃO

Portanto, apesar das lacunas que ainda persistem em relação ao manejo de pacientes com DRC e hipertensão, o KDIGO vem trazendo algumas novidades em relação a sua versão anterior de 2012, com ênfase nas pressões alvos e no manejo dos grupos especiais.

O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.

Observação: esse material foi produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido.

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REFERÊNCIAS

CHEUNG, Alfred K et al. KDIGO 2021 Clinical Practice Guideline for the Management of Blood Pressure in Chronic Kidney Disease.Kidney International, v.99, issue 35, 2021. Disponível em: . Acesso em 27/03/2021

MARANHÃO, Ricardo. KDIGO 2021: veja as atualizações sobre controle pressórico na doença renal crônica. Portal Pebmed, 25 de mar de 2021. Disponível em: <https://pebmed.com.br/kdigo-2021-veja-as-atualizacoes-sobre-controle-pressorico-na-doenca-renal-cronica/>. Acessado em 27/03/2021.

MARTIN, Luis Cuadrado; PAULA, Rogério Baumgratz; PLAVNIK, Frida Liane. Um breve comentário sobre as diretrizes do KDIGO para o tratamento da hipertensão arterial na doença renal crônica. Sociedade Brasileira de Hipertensão, 18 de mar 2021. Disponível em: <https://www.sbh.org.br/arquivos/um-breve-comentario-sobre-as-diretrizes-do-kdigo-para-o-tratamento-da-hipertensao-arterial-na-doenca-renal-cronica/>. Acesso em 27/03/2021.