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Diante da realidade de país emergente, com enorme população e uma gestão básica escassa, a COVID-19 pode causar mais vítimas indiretas, caso se negligencie as grandes doenças infecciosas clássica.
Cenário e Perfil Populacional Brasileiro em um contexto pré COVID-19
Primordialmente, uma pandemia com dimensões vistas nos últimos meses ocasiona, por si só, inúmeras problemáticas, contudo, no Brasil, essas nuances tornam-se ainda mais preocupantes, visto que o cenário de má gestão, pouco investimento e perpetuação de dilemas básicos não é atual. Nessa perspectiva, alguns tópicos específicos devem ser analisados com maior cautela:
Saneamento Básico ainda não é para todos.
No Brasil, cerca de 47% da população ainda não possui acesso ao serviço de coleta de lixo, rede de esgoto, e acesso à água tratada. Esses dados explicam a enorme incidência de doenças de fácil prevenção, as DRSAIs, doenças relacionadas ao saneamento ambiental inadequado como malária, parasitoses intestinais e giardíase, por exemplo. Em outras palavras, o país encontra uma enorme barreira sanitária que é responsável por grande parte dos casos assistidos pela atenção primária e que seriam facilmente resolucionados caso houvesse investimento em promoção de condições sociais básicas, garantindo melhor escoamento de pacientes na rede hospitalar a longo prazo.

Internações por carência de saneamento básico no período de 2009 à 2018
As doenças crônicas são uma realidade dequase metade da população.
De acordo com o IBGE, mais de 45% dos brasileiros possuem, pelo menos, uma doença crônica, como diabetes e problemas cardiovasculares, ou seja, o sistema de saúde já possui uma alta demanda de pacientes na atenção primária. De acordo com o estudo de ‘Estatística Cardiovascular 2020’, por exemplo, cerca de 72% das mortes no Brasil devem-se à doenças crônicas não-transmissíveis, entre as quais as doenças cardiovasculares participam com a maior parte: 30%, com destaque para as Doenças Isquêmicas do Coração, Acidente Vascular Cerebral (AVC) e Insuficiência Cardíaca, alertando a necessidade de gerir a pandemia sem esquecer da realidade nacional.

Doenças crônicas no Brasil.
Grande parte da população possui pouco ou nenhum acesso à educação e à informação.
A realidade do analfabetismo, evasão escolar, desafios socioeconômicos por falta de oportunidades e desinformação são uma realidade para grande parcela da população brasileira, consequentemente, muitos não possuem instrução ou até disponibilidade de um profissional em casos de possíveis patologias.

pessoas de 14 a 29 anos com nível de instrução inferior ao médio completo, por motivo de abandono escolar ou de nunca ter frequentado a escola.
Remanejamento do Sistema para a COVID-19.
A atenção primária, já com poucos recursos, é remanejada para atender pacientes da COVID-19 e, devido a falta de gestão, ao invés de haver um planejamento de distribuição, ocorre competição de recursos, e, por consequência, a assistência à doenças comuns à população são deixadas para segundo plano, ocasionando impasses a longo prazo. Por consequinte, cirurgias eletivas, procedimentos que não são considerados de emergência, foram diminuídas e até mesmo canceladas promovendo uma enorme fila de espera de pacientes que perdem a cada dia mais qualidade de vida. Outro estudo, em que Margareth Portela, pesquisadora da Fiocruz, teve participação, registrou o aumento de mortes de pacientes sem COVID logo nos seis primeiros meses da pandemia e aponta que no Rio, por exemplo, a mortalidade de pacientes por insuficiência cardíaca depois da pandemia aumentou quatro pontos percentuais, evidenciando o remanejamento quase total de recursos para a pandemia e menor assistência a outros casos.
Empecilhos ligados às Fake News
Ao compararmos a atual pandemia com outros episódios ao longo da história, percebe-se que essa apresenta alguns fatores característicos da geração pós globalização. Diante disso, grande parte da população mundial possui acesso à internet, todavia, tal acessibilidade gera uma discussão com duas principais vertentes, em outras palavras, o meio virtual permite propagação de informações a larga escala, algo benéfico a nível informacional, porém, concomitantemente, a internet engloba dados, conhecimentos e opiniões de inúmeras naturezas, não necessariamente sendo todas verídicas. Nesse sentido, indivíduos leigos acerca de assuntos científicos detém espaço para divulgar informações de cunho dissimulado, as fake news, facilitando a propagação de dados falsos e levantamento de grandes massas na sociedade que defendem posicionamentos prejudiciais a nível populacional, tendo como exemplo o retorno do movimento anti vacina.

gráfico retrata queda brusca nos índices de vacinação, principalmente, no último ano
Em síntese, vivemos na era da desinformação e, nessa realidade, confunde-se, muitas vezes, opinião com ciência, coisas distintas. Dessa forma, as fake news prejudicam não só a atenção à COVID, mas, principalmente, à outras doenças que já possuem prevenção através de vacinação, como difteria, tétano, sarampo, rubéola e caxumba, já que o questionamento da veracidade das vacinas para o atual vírus, colocam em questão as outras já existentes e, a longo prazo, podem fazer com que patologias já erradicadas retornem à sociedade devido a alta taxa de pessoas em defesa do movimento contrário ao plano nacional de operalização de vacinas
Consequências ao Sistema a Curto e Longo Prazo
Assim como outros acontecimentos marcantes à existência humana, a COVID-19 induz algumas resultantes, não só a nível fisiológico, mas à sociedade como um todo.
Curto Prazo
Aumento da Taxa de Mortalidade.
Aumento da Desigualdade Social.
Aumento de casos de adoecimento psicológico.
Exposição de populações e grupos vulneráveis.
Sobrecarga do sistema de saúde e diagnósticos tardios.
Longo Prazo
Retorno de doenças erradicadas.
Escasso levantamento de dados.
Maiores dificuldades de resolução de problemáticas básicas, já que o sistema, agora mais do que nunca, está sobrecarregado.
novos grupos em vulnerabilidade, como pessoas que contraíram a doença e ficaram com sequelas.
Considerações Finais
Diante do exposto, torna-se nítido que a COVID-19, ao se deparar com um país com condições escassas na saúde, principalmente relacionada à ausência de consolidação da atenção básica, encontrou viabilidade para se propagar e causar danos ainda mais graves. Portanto, vê-se que a gestão da assistência multidisciplinar brasileira não prioriza estratégias de promoção e prevenção em saúde, ocasionando um desafio logístico, logo, ao lotar hospitais, saturar UTIs, a COVID-19 esgotou estoques de medicamentos e isso teve consequências fatais para quem precisou de atendimento médico por outros motivos. Nesse sentido, como aponta Focault, o Estado, ao invés de atuar na causa, atua na consequência, fazendo manutenção da problemática, analogamente, a não priorização de investimentos na atenção primária dificulta o escoamento de pacientes de baixa complexidade, afetando a atenção à casos emergenciais, como o atual vírus, e outras doenças já pré existentes na população.
Autora: Maria Fernanda Ramos
Instagram: https://www.instagram.com/mafer.cramos/
O texto acima é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto
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Referências
Mortes por outras doenças aumentam na pandemia, dizem pesquisadores da Fiocruz –
Covid-19 não pode deixar avançar outras doenças infeciosas, apelam especialistas-https://www.dw.com/pt-002/covid-19-n%C3%A3o-pode-deixar-avan%C3%A7ar-outras-doen%C3%A7as-infeciosas-apelam-especialistas/a-53424145
Com o mundo parado pelo Coronavírus, outras doenças também podem avançar-https://exame.com/mundo/com-o-mundo-parado-pelo-coronavirus-outras-doencas-tambem-podem-avancar/
Pandemia causa queda de 27 milhões de procedimentos de saúde em 2020-https://www.opovo.com.br/noticias/saude/2021/09/13/pandemia-causa-queda-de-27-milhoes-de-procedimentos-de-saude-em-2020.html
Antes, durante e depois da pandemia: que país é esse?-
https://www.epsjv.fiocruz.br/noticias/reportagem/antes-durante-e-depois-da-pandemia-que-pais-e-esse
Boletins Epidemiológicos – Linha do tempo-
http://www.aids.gov.br/pt-br/centrais-de-conteudos/boletins-epidemiologicos
EQUILÍBRIO ENTRE COMBATE À COVID-19 E ASSISTÊNCIA A DOENTES NÃO-COVID É UM DOS GRANDES DESAFIOS DO SNS
https://www.tcontas.pt/pt-pt/MenuSecundario/Noticias/Pages/noticia-20201103-01.aspx
Vamos sentir durante muitos anos a falta de assistência a doentes não-covid”