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As intoxicações alimentares constituem um importante problema de saúde pública, sendo uma queixa recorrente nos consultórios médicos. O quadro clínico é bastante sugestivo quando é possível relacionar os sintomas com dados epidemiológicos do paciente e da localidade. Entretanto, o mais importante é saber diferenciar os quadros agudos leves daqueles com potencial de cronificação e/ou gravidade a fim de direcionar o tratamento específico e evitar prescrições desnecessárias.
Introdução
O termo “Intoxicação Alimentar” é utilizado para designar um quadro clínico decorrente da ingestão de água e/ou alimentos contaminados. O nome “Doenças Transmitidas por Alimentos” (TDA) foi cunhado com o intuito de englobar essas doenças e é mais utilizado no meio científico.
Dentre os principais agentes, estão fungos, bactérias, vírus e parasitas. Muitas vezes a determinação precisa do agente etiológico não é possível e nem necessária, haja visto que o tratamento em sua maioria das vezes não é específico. Em algumas situações a doença pode decorrer também por substâncias químicas presentes na água ou alimentos, sendo uma contaminação durante o armazenamento, preparo, transporte, refrigeração ou conservação do alimento, mas também pode se tratar de uma substância química produzida por um patógeno.
Sintomas
O quadro clínico mais comum é o surgimento de febre, náuseas, vômitos, dor abdominal, diarreia e mal-estar, não é raro que profissionais da saúde atribuam esse quadro a uma “virose”, tendo em vista o quadro clínico muito inespecífico.
Em alguns casos podem surgir também sangue nas fezes, fadiga excessiva, bradicardia com dissociação pulso-batimento, cianose, tontura, aumento do trânsito intestinal e astenia, os quais podem inclusive direcionar a alguns agentes etiológicos. Estes sintomas, na maioria das vezes, duram de poucas horas até 72 horas, porém alguns podem durar até anos, caso não sejam tratados. É importante ressaltar que as crianças e idosos apresentam maior risco de agravamento durante os episódios.
Dados da história clínica reforçam a suspeita diagnóstica:
- História muito recente de viagem: pacientes com esse relato trazem consigo a suspeita de ingestão de alimentos em locais não-habituais, principalmente quando o paciente viajou para locais com piores condições sanitárias. Vide: Diarreia do viajante (causada principalmente pela E.coli enterotoxigênica
- Surto: quando ocorrem surtos pontuais sempre deve-se investigar algo que essa população possui em comum. Não é raro observar surtos de intoxicação alimentar e conseguir relacioná-lo a eventos ou locais que forneçam alimentos supostamente contaminados (casamentos, festas, restaurantes…). Nestes casos a vigilância sanitária deve ser acionada para investigação do caso.
- Relato de “comer fora de casa”: apesar de ser um hábito cada vez mais comum (sobretudo em cidades grandes), trata-se de um fator de risco para intoxicação alimentar, visto o aumento de chances de alimentar-se em locais com piores condições sanitárias, principalmente em locais de fornecimento de alimentos de baixo custo (“Restaurantes populares” por exemplo).
Sendo assim, um quadro muito sugestivo de Intoxicação Alimentar é de um paciente com sintomas gastrintestinais de início muito recente e que traz consigo algum dos relatos mencionados acima.
Como é feito o diagnóstico
O diagnóstico na imensa maioria das vezes é clínico. Associar os dados clínicos e epidemiológicos em geral são suficientes para elucidar o diagnóstico sindrômico.
Entretanto, o diagnóstico etiológico é mais difícil. Isso ocorre porque muitos dos agentes dependem da coleta do alimento possivelmente contaminado e ainda associá-lo a amostras de sangue e/ou fezes do contaminado. A título de saúde pública muitas vezes não é viável a pesquisa em pacientes com a suspeita diagnóstica muito forte. Já no casos de surtos, a investigação etiológica pode ser uma ferramenta importante para orientação terapêutica e também de ação por parte da vigilância sanitária.
O Quadro 1 traz exemplos de algumas doenças decorrentes transmitidas por alimento (DTA) e os métodos diagnósticos para identificação etiológica ainda nos quadros agudos. Vale lembrar que muitos deles possuem métodos diagnósticos sorológicos.
DIAGNÓSTICO | MÉTODO DIAGNÓSTICO (agudo) |
BRUCELOSE | Brucella spp. em sangue dos doentes |
BOTULISMO | Clostridium botulinum em fezes do doente e nos alimentos suspeitos |
FEBRE TIFÓIDE | Salmonella thyphi em sangue, urina, fezes ou aspirado medular |
GASTROENTERITE POR E.COLI | E.coli em fezes e alimento suspeito |
SALMONELOSE | Salmonella spp e Salmonella enteritidis em alimento suspeito, fezes ou swab retal. |
SHIGELOSE | Shigella spp em alimento suspeito, fezes ou swab retal de doentes |
INFECÇÃO ESTREPTOCÓCICA | S.aureus em vômitos, fezes e alimento suspeito |
CÓLERA | Vibrio cholerae em fezes, swab retal ou vômito de doentes ou em alimento suspeito |
INFECÇÃO POR AEROMONAS | Aeromonas spp em fezes e alimento suspeito |
INFECÇÃO POR ROTAVÍRUS | Detecção do vírus pelo método imuno-enzimático em fezes. Pesquisa do RNA viral. PCR para triagem viral. |
HEPATITE A E E | Evidência sorológica com IgM anti-HAV e anti-HEV. |
ASCARIDÍASE | Ovos e vermes adultos de Ascaris lumbricoides em fezes e alimento suspeito |
AMEBÍASE | Trofozoitos ou cistos de Entamoeba histolytica em fezes, swab retal, biópsia de tecido |
GIARDÍASE | Trofozoitos ou cistos de Giardia intestinalis em fezes do doente, trofozoitos no líquido duodenal ou biópsia de mucosa intestinal |
TOXOPLASMOSE | Toxoplasma gondii em biópsia de tecidos ou líquidos e sangue. Isolamento do agente por cultura celular |
TENÍASE/CISTICERCOSE | Taenia solium Taenia saginata Cisticercus celulose Cisticercus bovis Pesquisa de ovos e/ou larvas de Taenia em fezes e alimentos. Pesquisa de anticorpos anticisticerco em sangue ou líquor |
Fonte: Ministério da Saúde (adaptado)
Complicações da Intoxicação Alimentar
As complicações decorrentes desse quadro são mais ligadas à exuberância dos sintomas. Sendo assim, vômitos e diarreia em excesso podem cursar com desidratação grave, sendo essa a complicação mais comum em crianças e idosos, inclusive demandando tratamento específico imediato. O choque hipovolêmico pode ser o último grau de evolução da desidratação, apresentando elevada taxa de mortalidade.
Outras complicações também podem ocorrer como septicemia a depender do grau de imunocomprometimento do paciente bem como do grau de virulência e disseminação do patógeno envolvido. Há também elevada taxa de mortalidade nesses casos.
A Síndrome da Má Absorção pode ocorrer em quadros de infecção de patógenos que conseguem se fixar no TGI do paciente e se manterem por longos períodos (até anos) e acabam por “roubar” nutrientes ingeridos pelo doente. Destaca-se o emagrecimento, anemia, hipoproteinemia e diarreia crônica como um dos achados.
Quais são os tratamentos indicados ?
O tratamento é voltado basicamente para o suporte do paciente, destacando-se o suporte volêmico e controle da febre alta. Algumas exceções são: botulismo; intoxicações por algumas espécies de cogumelos e mariscos; cólera grave; shiguelose; febre tifóide.
O Ministério da Saúde preconiza que, na vigência de certeza de uma intoxicação alimentar cursando com diarreia aguda, estão contraindicados antieméticos e antipiréticos. O Quadro 2 resume os motivos para essa afirmação e cita outros.
MEDICAMENTOS | JUSTIFICATIVA |
Antieméticos (Metoclopramida, Clorpromazina, etc.) | Podem provocar manifestações extrapiramidais, depressão do sistema nervoso central e distensão abdominal. Podem dificultar ou impedir a ingestão do soro oral. |
Antiespasmóticos (Elixir paregórico, Atropínicos, Loperamida, Difenoxilato, etc.). | Inibem o peristaltismo intestinal, facilitando a proliferação de germes e, por conseguinte, o prolongamento do quadro diarréico. Podem levar à falsa impressão de melhora. |
Adstringentes (Caolin-pectina, Carvão ativado, etc.) | Têm apenas efeitos cosméticos sobre as fezes, aumentando a consistência do bolo fecal, além de expoliar sódio e potássio |
Antipiréticos (Dipirona, etc…) | Podem produzir sedação, prejudicando a tomada do soro oral. |
Lactobacilos | Não há evidência de sua eficácia, apenas onera o tratamento. |
Fonte: Ministério da Saúde
Tratamento farmacológico
Mas então, afinal de contas, existe tratamento específico para intoxicações alimentares? O tratamento vai depender do agente etiológico (quando for possível identificá-lo) e desde que o quadro não seja autolimitado. O Ministério da Saúde disponibiliza sugestões de esquemas terapêuticos a partir do agente etiológico.
Vale ressaltar que, quadros em que há febre importante com duração >3 dias; eliminação de sangue pela fezes; comprometimento do estado geral ou risco de septicemia por vezes podem indicar tratamento com antibióticos. Não deve se esquecer também que na maioria das vezes que o aumento da ingesta de água é o tratamento indicado para aqueles quadros que não agravam e nem cronificam, mas se a desidratação se agravar, deve-se prosseguir ao esquema de condutas no paciente desidratado grave (principalmente em crianças).
*Este é um texto de promoção de saúde e educação. Não substitui uma consulta médica. Na suspeita de alguma enfermidade, procure seu médico e não se automedique.*
Autor: Víctor Miranda Lucas
Instagram: @victormirandalucas
Referências:
MINISTÉRIO DA SAÚDE. Manual Integrado de Prevenção e Controle de Doenças Transmitidas por Alimentos. Secretaria de Vigilância em Saúde. Disponível em: <https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/manual_integrado_prevencao_doencas_alimentos.pdf>. Acesso em abr/2022.
DANI, R.; PASSOS, M.C.F. Gastroenterologia Essencial 4ªed. Editora Guanabara Koogan, Rio de Janeiro, 2018.
O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.
Observação: esse material foi produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido.