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Consenso: I Campanha sobre uso de antibióticos em infecções de vias aéreas superiores | Ligas

Consenso: I Campanha sobre uso de antibióticos em infecções de vias aéreas superiores | Ligas

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A resistência de infecções a antibióticos é um fato crescente nos últimos anos e que vem se tornando um grave problema de saúde pública. Em virtude da dificuldade de se tratar tais bactérias resistentes, a presença de resistência antimicrobiana prolonga o tempo de internação, eleva os custos de tratamento e, ainda mais grave, aumenta consideravelmente a mortalidade relacionada às doenças infecciosas.

Além do risco de lidarmos em um futuro breve com infecções de difícil controle, que outrora eram triviais, o uso inadequado de antibióticos está associado a outros problemas, como o risco de efeitos colaterais e o aumento considerável de custo de tratamento ao sistema de saúde, seja público ou privado.

Diante dessa problemática e dos números alarmantes, é necessária uma ampla revisão das indicações e formas de uso de antibióticos para as mais diversas condições infecciosas, com ações coletivas com base em evidências. Assim, essa diretriz é o reflexo da preocupação da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial (ABORL-CCF) em orientar adequadamente os médicos sobre a prescrição adequada de antibióticos nas otites médias, rinossinusites e faringotonsilites agudas, oferecendo uma atualizada orientação de conduta nessas três afecções.

Otite Média Aguda

 A otite media aguda é uma doença comum na primeira infância, com pico de incidência entre 6 meses e 2 anos, que também afeta crianças maiores e, menos comumente, adolescentes e adultos.

A maioria dos casos de OMA é diagnosticada e tratada por médicos pediatras ou médicos generalistas. Para o diagnóstico, deve-se levar em conta que a hiperemia, a diminuição de translucidez da membrana timpânica ou a presença de líquido retro timpânico isoladamente, sem abaulamento ou otorreia, não são sinais que distinguem OMA.

 Isoladamente, abaulamento da membrana timpânica é o sinal mais fidedigno. Muito do criticismo às evidências do pequeno efeito dos antimicrobianos se baseia na possibilidade do erro diagnóstico ao incluir crianças nos ensaios-clínicos ou sem a doença ou sem OMA bacteriana. O diagnóstico de certeza da OMA se baseia na otoscopia, que em crianças pequenas pode ser extremamente difícil.

Tratamento

O uso de analgésicos e antitérmicos deve ser imediato, já que os antibióticos demoram até 48 horas para aliviar o quadro de febre e otalgia. Dentre os analgésicos mais comumente usados, estão a dipirona, o acetaminofen (paracetamol) e o ibuprofeno.

O tratamento recomendado para casos não complicados é a amoxicilina (45-90 mg/Kg/dia dividida em duas ou três doses), podendo ser associada a inibidores de beta-lactamase em casos de pacientes com comorbidades agravantes ou suspeita/confirmação de infecções resistentes. A Academia Americana de Pediatria recomenda o uso de doses de 90 mg/Kg/dia de amoxicilina, associada ou não ao clavulanato de potássio.

As complicações das OMAs podem incluir ruptura da membrana timpânica, astoidites, meningites, abscessos subperiosteais, abscessos intracranianos, abscessos subdurais, tromboses de seios durais, labirintites, petrosites, paralisias faciais e sepse; a utilização precoce de antibiótico não previne a ocorrência de complicações supurativas, tendo em vista que a maioria das pessoas que apresentam complicações estava em uso de algum tipo de antibiótico.

Figura1 – Fluxograma do diagnóstico e tratamento da OMA

Rinossinusites agudas

Rinossinusite aguda é a inflamação da mucosa do nariz e dos seios paranasais que se apresenta geralmente com dois ou mais dos seguintes sintomas, como rinorreia e/ou obstrução nasal, dor facial e alterações do olfato.

 Nos pacientes pediátricos, a tosse é um sintoma bastante frequente, mais comum do que as alterações de olfato. As diretrizes americanas para rinossinusites (2015) ressaltam que a rinorreia purulenta é o sintoma mais fidedigno para o diagnóstico.

Figura 2 – Evolução das rinossinusites agudas (modificada do EPOS 2012).

Tratamento

O tratamento sintomático é extremamente importante para a melhora da qualidade de vida, podendo ser instituído em todos os casos de RSA. A medicação deve ser escolhida de acordo com os sintomas mais intensos do paciente. Analgésicos, anti-inflamatórios não-esteroidais e descongestionantes tópicos ou sistêmicos são boas opções terapêuticas, pois abordam sintomas que trazem grande incômodo, como dor, mal-estar e obstrução nasal.

Lavagens nasais com soro fisiológico ou solução hipertônica são recomendadas no tratamento das RSA, sejam virais ou bacterianas, pois contribuem para a diminuição dos sintomas e resolução mais rápida do quadro.

RSA Viral: pode-se utilizar medicações com efeito antiviral, como o Pelargonium sidoides, que aumenta a resposta imunológica frente a infecção, diminuindo a replicação viral. Anti-histamínicos orais podem ser utilizados para diminuir os sintomas de prurido, espirros e rinorreia. Corticosteroides (CE) tópicosapresentam alto efeito anti-inflamatório local, com baixo índice de efeitos colaterais, auxiliam na diminuição do edema da mucosa nasal, melhorando os sintomas obstrutivos e contribuindo para a patência dos óstios de drenagem sinusais, reduzem a produção de muco e a inflamação neurogênica, diminuindo sintomas como espirros e prurido.

RSA Bacteriana: Corticosteroides tópicosé recomendado pelos efeitos anti-inflamatórios tendo eficácia similar ao uso de antibiótico isolado nas RSA bacterianas mais leves, o que poderia poupar o uso de antibióticos, em pacientes com sintomas intensos, especialmente dor, corticosteroides orais podem ser prescritos por curto período, os corticosteroides sistêmicos de depósito (intramusculares) não são recomendados.Antibióticos podem ser recomendados para os pacientes que preenchem os critérios de RSA bacteriana (cerca de 0,5 a 2% do total de RSA viral), deve ser iniciado se não houver melhora em 7 dias ou se houver piora a qualquer momento.

As complicações das RSA são extremamente raras e ocorrem quando a infecção se estende além dos limites dos seios paranasais, necessitando obrigatoriamente do uso de antibióticos nessas situações. Alguns sinais de alerta quando observados apontam para uma possível complicação de RSA, são eles: alterações orbitárias; alterações visuais; dor frontal intensa; abaulamento frontal; sinais de meningite; sinais neurológicos focais e rebaixamento do nível de consciência.

Figura 3 – Fluxograma de avaliação de acordo com a presença dos sinais e sintomas, a fim de se elucidar o provável diagnóstico e seu tratamento.

Faringotonsilites agudas

Faringotonsilite é uma doença benigna, caracterizada essencialmente por dor de garganta, podendo estar associada a uma grande variedade de outros sintomas locais, regionais ou sistêmicos. A grande maioria das faringotonsilites são causadas por vírus (70-95% casos), entre eles o rinovírus, coronavírus, adenovírus, herpes simples vírus, parainfluenza vírus, enterovírus, Epstein-Barr vírus, citomegalovírus e o vírus influenza.

Em virtude da alta prevalência de faringotonsilites existem testes que podem auxiliar na distinção entre um quadro viral e um quadro bacteriano; hemograma e PCR não são específicos para distinguir uma infecção causada por S. pyogenes das demais infecções, entretanto, quadros virais habitualmente cursam com linfocitose e níveis baixos de PCR, enquanto quadros bacterianos podem cursar com neutrofilia e níveis de PCR mais elevados.

Tratamento

O uso de antibióticos em faringotonsilites depende da apresentação clínica, ou seja, baseia-se em aspectos da história e dos achados ao exame físico, no entanto, a recomendação de tratamento das faringotonsilites agudas mais comumente empregada é a seguinte:

  • Quadro clínico sugestivo de S. pyogenes: tratar com antibiótico > antibióticos direcionados: fenoximetilpenicilina (Penicilina V) ou Penicilina benzatina; outra opção terapêutica é a amoxicilina na dose de 50 mg/kg/dia dividida em 3 doses VO, por 10 dias. Em caso de alergia a penicilinas > claritromicina ou eritromicina.
  • Quadro clínico moderadamente sugestivo para S.pyogenes: realizar teste rápido ou cultura se possível. Se resultado (+) esquema terapêutico anterior, caso resultado (-) apenas utilizar medicamentos sintomáticos e acompanhar o indivíduo.
  • Quadro clínico pouco sugestivo de S. pyogenes: Não utilizarantibióticos, tratar apenas com sintomáticos. Caso haja possibilidade de outras bactérias deve-se utilizar antibióticos com bom espectro de cobertura > Amoxicilina; Amoxicilina-clavulanato; Cefuroxima e Ceftriaxona.
  • Em complicações supurativas, como abscessos peritonsilares, parafaríngeo ou retrofaríngeo, realizar a drenagem (com lâmina fria ou punção aspirativa) e introdução de antibiótico sistêmico (Amoxicilina-clavulanato; Clindamicina e Ceftriaxona). Considerar internação em casos mais graves (trismo, desidratação, disfagia intensa, mau-estado geral).
Figura 4 – Fluxograma de conduta para a Faringotonsilite Aguda

O uso abusivo e indiscriminado de antibióticos em escala global tem levado a uma crescente preocupação de todos os setores da área saúde. Os principais motivos relacionados ao médico prescritor, estão: anos de prática, o desconhecimento técnico do manejo de quadros infecciosos, a complacência com diretrizes e normativas e, especialmente, o medo – seja de perder o paciente ou de que apresente alguma complicação que poderia ser prevenido com o uso do antibiótico, porém o risco de apresentar consequências negativas pelo uso de antibiótico é muito maior do que a chance de ocorrer complicações das infecções de vias aéreas superiores bacterianas.

Deve-se urgentemente reduzir os alarmantes 50% de prescrição desnecessária de antibióticos para infecções de vias aéreas superiores, pois esta prática a tem impactos negativos para o próprio paciente (acentuando chances de efeitos colaterais), para o Sistema de saúde (aumentando os custos das nossas prescrições) e para a população em geral (aumentando consideravelmente a resistência aos antibióticos).

Autores, revisores e orientadores:

Autor: Cintia Mendes de Sousa – @cintiamendes540

Coautor: Matheus Leonel Oliveira de Freitas – @leonelmatheus

Revisor(a): Luis Filipe Ribas Sousa -@luis_filipe17

Orientador(a): Frederico Augusto Rocha Ferro – @fredrocha_fisio

Coordenador: Thiago Weiss – thiagoweiss2@gmail.com

Liga: Liga Acadêmica de Anatomia Humana e Cirúrgica – @laahcporto – laahcitpac@gmail.com

O texto acima é de total responsabilidade do(s) autor(es) e não representa a visão da sanar sobre o assunto.

Observação: material produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar junto com estudantes de medicina e ligas acadêmicas de todo Brasil. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido. Eventualmente, esses materiais podem passar por atualização.

Novidade: temos colunas sendo produzidas por Experts da Sanar, médicos conceituados em suas áreas de atuação e coordenadores da Sanar Pós.


Referências:

Consenso I Campanha sobre o uso de antibióticos em infecções de vias aéreas superiores. Disponivel em: https://www.aborlccf.org.br/imageBank/Consenso_Antibiotico-v6.pdf