Índice
O Consenso sobre Anemia Ferropriva apresenta uma enorme relevância social, visto que os índices dessa doença continuam muito altos. Nos países em desenvolvimento, a busca por projetos de intervenção é constante e envolve, por exemplo, a suplementação de sachês à base de vitaminas e minerais, a qual demonstra resultados satisfatórios para populações de alto risco, mas não para o uso individual.
Uma vez que a faixa etária de maior risco engloba os lactentes, a intervenção relacionada a fortificação alimentar – especialmente a da farinha – não traz impactos para esta população que é mais vulnerável a adquirir a doença. Por causa disso, é necessário aprimorar a orientação nutricional prescrita pelo pediatra, visando divulgar orientações que considerem o contexto socioeconômico ao qual o lactente está inserido.
A Sociedade Brasileira de Pediatria buscou, em conjunto com outras instituições, atualizar as normas sobre a anemia ferropriva, com o intuito de incentivar o diagnóstico precoce, a profilaxia e o tratamento efetivo dessa emergência pediátrica.
O que mudou na diretriz de anemia ferropriva em relação à anterior
DIRETRIZ ANTIGA (2007) | DIRETRIZ ATUAL (2018) |
A fortificação de alimento consistia em uso obrigatório de compostos de ferro e ácido fólico nas farinhas de milho e trigo (100g do produto contêm 4,2mg de ferro e 150 µg de ácido fólico). | A política nacional de alimentos foi atualizada pela ANVISA, prevendo atualmente a fortificação das farinhas de trigo e milho com fumarato ferroso e sulfato ferroso (de boa disponibilidade) em 4 a 9 mg para cada 100g de farinha. |
Lactentes nascidos a termo, de peso adequado para a idade gestacional, em aleitamento materno exclusivo até 6 meses de idade: não era recomendado suplementação medicamentosa de ferro. | Atualmente, a Sociedade Brasileira de Pediatria orienta a suplementação profilática com dose de 1mg de ferro elementar/kg ao dia dos três aos 24 meses de idade, independentemente do regime de aleitamento. |
Definição de anemia
A Organização Mundial da Saúde afirma que anemia é uma condição marcada pela concentração de hemoglobina inferior a -2DP. Essa concentração é insuficiente para a realização de todas as atividades fisiológicas que são necessárias aos indivíduos. Além disso, é necessário saber que a variação do nível de hemoglobina sofre alterações de acordo com idade, sexo, gestação e altitude.
Epidemiologia/Etiologia
A origem multifatorial da anemia pode estar relacionada a diversos fatores, como por exemplo, à deficiência de diversos micronutrientes (principalmente o ferro); às perdas sanguíneas; os processos infecciosos e patológicos e ao uso de medicações que prejudiquem a absorção do ferro. Mas, de fato, a deficiência desse mineral é o principal fator causal da anemia, visto que está associada a mais de 60% dos casos mundiais.
A grande importância do ferro tem relação com a sua participação em todas as fases da síntese proteica e dos sistemas respiratórios, oxidativos e anti-infecciosos do ser humano. Ademais, a maior parte do ferro utilizado no organismo vem do próprio sistema de reciclagem das hemácias. Uma pequena parte é proveniente da dieta, sendo que o ferro não hemínico advém de fontes vegetais ou inorgânicas, enquanto que o ferro hemínico ou orgânico vem da carne e dos ovos. É importante salientar que a absorção do ferro não heme depende inclusive de fatores antinutricionais. Por outro lado, o ferro heme possui regulagem própria, de forma que não depende de mecanismos inibidores ou facilitadores da dieta. Além disso, outro fator relevante para a absorção do ferro é a secreção gástrica de ácido clorídrico.
Aproximadamente dois bilhões de pessoas em todo o mundo apresentam anemia e mais de 27% da população é afetada pela deficiência de ferro. Apesar da doença envolver várias faixas etárias e níveis sociais, a maior prevalência costuma estar associada às camadas socialmente menos favorecidas. Os dados brasileiros afirmam que as maiores porcentagens de casos ocorrem nas crianças menores de três anos e nas gestantes, principalmente nos indivíduos que moram na região Norte e Nordeste.
Nos últimos anos, a discreta melhora dos níveis de anemia no Brasil está relacionada ao aleitamento materno, ao uso de fórmulas enriquecidas, à melhoria do acesso a fontes alimentares e às modificações ambientais.
Fisiopatologia
A anemia ferropriva gera impactos ao desenvolvimento de populações, visto que afeta grupos em idade de crescimento, podendo estar relacionada ao comprometimento cerebral. No período pré-natal, a anemia traz prejuízos no desenvolvimento da linguagem e das habilidades motoras e cognitivas. O possível impacto negativo ocasionado por essa doença pode permanecer mesmo após a realização do tratamento precoce, principalmente em crianças de baixo nível socioeconômico que tiveram poucos estímulos ao longo da fase de crescimento.
A carência de ferro na infância aumenta a probabilidade de diversas complicações como: cáries dentárias, prejuízos no sentido do olfato e do paladar, alterações na imunidade não específica e danos ao desenvolvimento audiovisual.
Durante a gestação – principalmente no primeiro e segundo trimestres – a anemia está associada a problemas como: prematuridade, baixo peso ao nascer e aumento da mortalidade perinatal e neonatal.
Depois do nascimento do bebê, a anemia é um fator de risco para o desenvolvimento da depressão pós-parto, trazendo consequências para o cuidado do recém-nascido, principalmente com relação aos prejuízos ao aleitamento materno. Ademais, a anemia materna interfere nos valores de hemoglobina do lactente de 6 meses de vida, mesmo em aleitamento materno exclusivo. A Academia Americana de Pediatria inicia a suplementação de ferro aos 4 meses de vida.
Classificação quanto à gravidade
Depleção de ferro | Diminuição dos depósitos de ferro |
Deficiência de ferro | Diminuição do ferro sérico |
Anemia ferropriva | Diminuição da hemoglobina e hematócrito |
Abordagem inicial
Diagnóstico da Anemia Ferropriva
O diagnóstico da anemia ferropriva é clínico e laboratorial, pois, geralmente, o paciente procura atendimento médico após a percepção, sua ou de alguma pessoa próxima, de algum sintoma. Esses sintomas são determinados de acordo com o quão evoluída esta anemia se encontra, iniciando apenas como uma depleção de ferro, passando para uma deficiência de ferro e, por fim, chegando ao estágio de anemia propriamente dita, quando teremos os sintomas aparentes.
Quanto às manifestações clínicas da anemia ferropriva, temos apatia, cansaço, irritabilidade, taquicardia, distúrbios psicomotores, palidez da face, palmas das mãos e mucosas, unhas quebradiças e rugosas e outros
Os exames laboratoriais são imprescindíveis neste momento, principalmente para conseguirmos especificar em qual etapa o paciente se encontra.
Exames recomendados
Para o diagnóstico de cada período da instalação do quadro de anemia, podemos solicitar exames específicos.
Na fase de depleção de ferro, a ferritina sérica é o exame ideal, pois a partir dele podemos avaliar as reservas de ferro, mas, devido à influência de doenças hepáticas e processos inflamatórios e infecciosos sobre a concentração de ferritina, esse exame deve analisado cuidadosamente. Valores inferiores a 12mg/L já são fortes indicadores de depleção em crianças até 5 anos, já para as crianças entre 5 e 12 anos consideramos os valores abaixo de 15mg/L.
Na fase de deficiência de ferro, usamos para diagnóstico laboratorial o ferro sérico, a capacidade total de ligação da transferrina e a saturação de transferrina, que estará diminuído, aumentado e diminuído, respectivamente. É importante ressaltar que valores de ferro sérico abaixo de 30mg/dL são relevantes para o diagnóstico. Além destes, podem ser solicitados os exames de transferrina, zincoprotoporfirina eritrocitária e capacidade total de ligação do ferro.
Na fase de anemia ferropriva, o hemograma completo é o principal exame a ser analisado, se atentando principalmente aos valores de hemoglobina. A OMS indica que o diagnóstico de anemia ferropriva pode ser estabelecido ao se observar valores inferiores a 11g/dL e 11,5g/dL para crianças entre 6 a 60 meses e 5 a 11 anos de idade, respectivamente.
Tratamento da Anemia Ferropriva
O tratamento da anemia ferropriva consiste na orientação do paciente a aumentar o consumo de alimentos ricos em ferro e a reposição oral de ferro, usando ferro elementar em doses de 3 a 5 mg/kg/dia. Essa suplementação deve ser feita até que os estoques de ferro sejam repostos ou até que a ferritina sérica atinja níveis acima de 15μg/dL, de preferência entre 30 e 300 μg/dL. Dentre as opções viáveis atualmente para a reposição de ferro temos principalmente o sulfato ferroso, o fumarato ferroso e o gluconato ferroso, que são todos eficazes no tratamento, além de serem acessíveis para os pacientes, por conta do seu baixo custo, e apresentarem rápida absorção. Os sais de ferro devem ser tomados em jejum, uma hora antes das refeições ou antes de dormir.
Prevenção
A prevenção da anemia ferropriva se baseia, principalmente, em políticas públicas ativas no país, como é o caso do programa de fortificação de alimentos, recentemente atualizada, que determina a fortificação de farinhas de trigo e milho com fumarato ferroso em 4 a 9mg para cada 100g de farinha.
O Programa Nacional de Suplementação de ferro foi criado em 2005 e abrange crianças de 6 a 24 meses de idade, gestantes e lactantes, oferecendo sulfato ferroso profilático nas doses de 1mg/kg/dia para as crianças de 6 a 24 meses, 2mg/kg/dia para as crianças pré-termo ou com baixo peso ao nascer (menor que 1500g), 3mg/kg/dia para os prematuros com baixo peso (entre 1000g e 1500g) e de 4mg/kg/dia para aquelas crianças com peso abaixo de 1000g. Para as gestantes, a profilaxia é feita com 40mg/dia de ferro elementar por, no mínimo, 60 dias.
O que muda no dia seguinte
A partir da realização correta do tratamento, é esperado que haja uma reversão do quadro de anemia do paciente, que poderá ser constatado através da normalização dos valores de hemoglobina, ferro e ferritina sérica.
Autores, revisores e orientadores:
Autor(a): Maria Fernanda Guimarães Reis (@fernandaguimar); Samantha Almeida Máximo (@samanthaamaximo)
Revisora: Mayara Leisly
Orientadora: Mayara Leisly
O texto acima é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.
Referências
Sociedade Brasileira de Pediatria. Departamento de Nutrologia e Hematologia-Hemoterapia. Consenso sobre anemia ferropriva: mais que uma doença, uma urgência médica. São Paulo: Sociedade Brasileira de Pediatria. Departamento de Nutrologia e Hematologia-Hemoterapia, 2018. 13p.