Índice
Introdução
Ao longo dos anos, mulheres que fazem uso de contraceptivos orais foram alertadas de que o efeito desta medicação pode ser afetado durante o uso de antibióticos ao mesmo tempo. No entanto, com o avanço da medicina, grande parte das novas pesquisas afirmam que os antibióticos, salvo a rifampicina (medicação utilizada para o tratamento da tuberculose) e outras rifamicinas (p. ex., a rifabutina), não alteram a eficácia do controle de natalidade dos contraceptivos orais.
Sendo assim, por que surgem cada vez mais novos casos de mulheres que afirmam que tiveram o controle de natalidade afetado devido ao efeito do contraceptivo oral diminuído durante o uso concomitante de antibióticos?
Apesar de grande parte da comunidade científica defender que apenas os antibióticos da família das rifamicinas causam esta interferência direta, alguns autores contrapõem esta linha de raciocínio ao afirmarem que vários estudos que encontraram uma falta de interação entre antibióticos e contraceptivos são estudos pequenos.
Para nos aprofundarmos ainda mais nesta discussão, é preciso entender como estes medicamentos funcionam em nosso organismo.
Contraceptivos orais
Os contraceptivos orais são constituídos por uma associação de estrógenos e progesterona sintéticos, que vão inibir a ovulação ao realizarem a supressão dos hormônios folículo-estimulante (FSH) e luteinizante (LH) na hipófise. Além disso, tornam o muco cervical mais viscoso e espesso, fazendo com que os espermatozoides não consigam penetrar essa “barreira”.
Logo, a eficiência dos contraceptivos orais depende da regulação dos níveis plasmáticos de estrógeno e progesterona no nosso organismo, havendo fatores que podem aumentar ou diminuir a eficácia destes hormônios.
Antibióticos
Os antibióticos podem ser de origem natural, semissintéticos e sintéticos. Os antibióticos naturais e seus derivados semissintéticos fazem parte da maioria dos antibióticos utilizados atualmente e são classificados em β-lactâmicos, tetraciclinas, aminoglicosídeos, macrolídeos, peptídicos cíclicos, estreptograminas, rifamicinas, entre outros. Já os antibióticos de origem sintética são classificados em sulfonamidas, fluoroquinolonas e oxazolidinonas.
De modo geral, os antibióticos podem ser classificados de acordo com o seu mecanismo de ação, como demonstrado na tabela abaixo:

- Inibidores da síntese da parede celular: os antibióticos dessa categoria inibem síntese de peptidoglicano, um dos constituintes da parede celular das bactérias, causando a lise da célula bacteriana.
- Inibidores da membrana plasmática: realizam a modificação da permeabilidade da membrana plasmática da bactéria, permitindo que metabólitos sejam perdidos através dela.
- Inibidores da síntese proteica: atuam por inibição da síntese das proteínas ao ligarem-se à uma fração do ribossomo bacteriano, impedindo a fixação do RNA de transporte ao ribossomo e bloqueando o aporte dos aminoácidos componentes das proteínas. Como existem diferenças estruturais entre os ribossomos dos seres procariontes e eucariontes, os antibióticos dessa classe não afetam a síntese proteica humana.
- Inibidores da síntese de ácidos nucleicos: inibem a duplicação do cromossomo das bactérias e a transcrição do DNA em RNA mensageiro, responsável por conter a informação necessária para a síntese proteica.
- Inibidores de enzimas atuantes nos processos metabólicos: estes antibióticos mimetizam substâncias, conhecidas como metabólitos, utilizadas pelas bactérias, e, desta forma, se ligam às enzimas e as inibem.
Ciclo entero-hepático
Após a ingestão dos contraceptivos, o estrógeno e a progesterona são absorvidos pelo trato gastrintestinal e vão para a corrente sanguínea, onde serão conduzidos para o fígado para que, então, sejam metabolizados. Cerca de pouco mais da metade do estrógeno metabolizado não terá atividade contraceptiva e será excretado na bile, que o retornará para o trato gastrointestinal. Uma parte destes metabólitos será hidrolisada pelas enzimas das bactérias da flora intestinal, havendo a liberação do estrógeno ativo, que poderá ser reabsorvido. Este processo é denominado de ciclo entero-hepático, que controla o nível plasmático do estrógeno circulante.
Mecanismos de interação entre antibióticos e contraceptivos orais
Em 1971, houve um aumento da incidência de sangramento intermenstrual entre mulheres que faziam uso concomitante de anticoncepcionais orais e rifampicina. A partir daí, diversos estudos provaram que drogas antimicrobianas indutoras de enzimas, como a rifampicina, aumentam o metabolismo hepático dos hormônios em contraceptivos orais, reduzem as concentrações circulantes dos fármacos ativos e reduzem a eficácia contraceptiva.
Antibióticos, sobretudo aqueles de difícil absorção, alteram a microbiota intestinal e, dessa forma, podem reduzir a hidrólise dos conjugados estrogênicos e a sua reabsorção subsequente, interferindo, assim, na sua circulação êntero-hepática. Todavia, esta situação não comprova a falta de eficácia de contraceptivos que possuem somente progesterona (em uso concomitante com antimicrobianos), visto que os metabólitos inativos de progesterona não são excretados na bile para serem hidrolisados em progesterona ativa.
Em agosto de 2020, pesquisadores do Reino Unido publicaram um estudo observacional no BMJ Evidence-Based Medicine. Apesar de descobrirem que a gravidez indesejada era 7 vezes mais provável em mulheres que tomavam antibióticos do que em mulheres que tomavam outros tipos de medicamentos, este estudo não conseguiu provar que os antibióticos podem diminuir a eficácia dos contraceptivos orais.
Recomendações
A principal razão pela qual as mulheres engravidam quando usam a pílula é porque elas não a utilizam corretamente. Outros eventos, como vômitos ou diarreia por mais de 48 horas, também podem diminuir a eficácia da prevenção da gravidez com a pílula. Logo, para mulheres que fazem tratamento com algum tipo de antibiótico enquanto tomam contraceptivos orais e querem prevenir uma gravidez indesejada, a principal recomendação é a associação de um método de barreira (p. ex., preservativo) com o contraceptivo oral até 7 dias após o uso do antibiótico.
O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.
Observação: esse material foi produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido.
Referências
1. Archer JS, Archer DF. Oral contraceptive efficacy and antibiotic interaction: a myth debunked. J Am Acad Dermatol, 2002.
2. Guimaraes DO, Momesso LS, Pupo MT. Antibióticos: importância terapêutica e perspectivas para a descoberta e desenvolvimento de novos agentes. Quím. Nova, São Paulo, v. 33, n. 3, p. 667-679, 2010.
3. Martins B, Castanheira G. Mecanismos de resistência a antibióticos. Monografia de Mestrado Integrado em Ciências Farmacêuticas – Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Lisboa, 2013.
4. Correa EMC, Andrade ED, Ranali J. Efeito dos antimicrobianos sobre a eficácia dos contraceptivos orais. Rev Odontol Univ São Paulo, São Paulo, v. 12, n. 3, p. 237-240, 1998.
5. Aronson JK, Ferner RE. Analysis of reports of unintended pregnancies associated with the combined use of non-enzymeinducing antibiotics and hormonal contraceptives. BMJ Evidence-Based Medicine, UK, 2020.