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Coronavírus e IECA x BRAS | Colunistas

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Qual a relação entre a hipertensão e os anti-hipertensivos na infecção pelo coronavírus?

Desde os primeiros casos da infeção pelo novo coronavírus na China, percebemos a rápida propagação do vírus. Sua principal característica é a alta infectividade e a imensa capacidade de transmissão. Vem se alastrando de forma rápida, atingindo milhares de pessoas por todo o planeta.

Apesar de até agora ter demonstrado uma taxa de mortalidade inferior ao de outros agentes com a SARS (Síndrome Respiratória Aguda Grave), a qual possuía uma taxa de mortalidade de 8%, ou como o surto de Mers, um outro agente da família corona, que mata aproximadamente 34% dos pacientes infectados, a taxa de mortalidade desta nova infecção está próxima de 3,7%, sendo 2.800 vezes maior do que a da gripe comum (0,13%) e 1.770 vezes maior que a H1N1 (0,2%).

Neste contexto também percebemos que o vírus causa mais complicações em indivíduos idosos elevando a taxa de morte neste grupo de pacientes.

Mesmo sabendo que mais de 80% das pessoas infectadas se recuperam bem sem necessidade de intervenção hospitalar, quando avaliamos o número de internamentos e a taxa de mortalidade dos indivíduos com faixa etária acima de 60 anos, este índice aumenta muito, chegando a 14,8% em pacientes com mais 80 anos. O fator idade é o principal envolvido neste processo.

Porém, as comorbidades mediadas pelas doenças de base como quadros de hipertensão, doenças coronárias, diabetes, doenças degenerativas, imunológicas ou tumores são fatores agravantes para os quadros clínicos do paciente com Coronavírus.

No dia 13 de março de 2020 a SBC (Sociedade Brasileira de Cardiologia) emitiu uma nota de esclarecimento, que dentre outros itens aborda uma relação, ainda em estudos, sobre o uso de IECA (Inibidores da Enzima Conversora de Angiotensina), os BRAs (Bloqueadores de Receptores e Angiotensina) e o quadro clínico de pacientes infectados pelo coronavírus.

Os estudos são preliminares e ainda não são conclusivos, mas neles podemos observar caminhos diferentes na relação entre a hipertensão, o uso de anti-hipertensivos e o quadro clínico de pacientes infectados pelo novo coronavírus.

Neste sentido primeiro precisamos entender alguns aspectos:

O paciente hipertenso tem maior chance de sofrer complicações na infecção pelo coronavírus?

Em estudos preliminares que aconteceram na China e alguns trabalhos rápidos e iniciais realizados na Itália, visualizamos que a prevalência de hipertensão nos indivíduos que morreram foi de 76%, enquanto que a de diabetes foi de 36%, doenças cardíacas 33% e de DRC se aproximou de 18%. No entanto, a idade média dos pacientes era de 80,5 anos, demonstrando que a prevalência de morte pode estar mais relacionada ao fator idade, o que já era esperado para a faixa etária.

Devemos levar em consideração que a hipertensão é uma comorbidade mais comum que o diabetes no grupo estudado, não sendo possível correlacionar diretamente, sem dados mais estratificados, o aumento da mortalidade ao fator hipertensão na infecção pelo coronavírus.

Quando nos aproximamos do mecanismo de infecção do vírus e a sua capacidade de penetração em células pulmonares, percebemos um fator importante neste processo. Uma enzima que possui o papel de conversão da Antiotensina II em Angiotensina 1-7, a enzima ACE2, possui um sitio de ligação que pode facilitar a entrada do vírus dentro de células pulmonares.

O papel fisiológico da ACE2 é realizar a conversão da Ang II em uma molécula de Ang 1-7, a qual tem a função de realizar vasodilatação e redução da retenção hídrica, atuando como contrarreguladora da elevação da pressão arterial.

A ACE2 está presente na membrana da célula de diversos tecidos, inclusive no tecido pulmonar. Os estudos preliminares demostraram que o coronavírus, através da sua proteína S, utiliza a ACE2 como mecanismo de entrada nas células pulmonares e outras células do nosso organismo, mecanismo apresentado na figura abaixo:

Fonte: Heurich et al Journal of Virology January 2014

Qual é a relação entre os IECAs e o uso de BRAs com este sistema?

Foi demonstrado em modelos animais (ratos) que, tanto os inibidores da enzima conversora da angiotensina, quanto os bloqueadores dos receptores da angiotensina, podem regular positivamente a ACE2 no coração e em outros tecidos, inclusive no tecido pulmonar. Outros trabalhos demonstraram um aumento dos níveis de atividade da ACE2 no tecido cardíaco de ratos após a administração de enalapril.

Isso levantou a discussão sobre um possível risco no uso destes fármacos em paciente com COVD-19. O aumento da expressão da ACE2 pode estar relacionada à uma desregulação sobre o feedback de ação da Ang II no tecido analisado.

Porém, as alterações de modelos experimentais não foram visualizados em estudos com humanos, não demonstrando que estes grupos de anti-hipertensivos possam aumentar a expressão de ACE2.

A análise experimental também demonstrou um caminho extremamente interessante sobre este processo. O bloqueio de receptores AT1 mediados por drogas antagonistas destes receptores, poderia aumentar o desacoplamento e internalização da enzima ACE2, reduzindo a presença desta enzima na membrana das células e diminuindo a possível entrada do vírus no ambiente intracelular, conforme visualizado na figura abaixo:

Fonte: NEPHJC. The Coronavirus Conundrum: ACE2 and Hypertension Edition, Março de 2020

Neste dois sentidos, os estudos devem se aprofundar deslumbrando um caminho para uma possível interação entre estes agentes e complicações nos casos graves da infeção pelo coronavírus, como também na possibilidade de novas terapêuticas que possam reduzir a entrada do vírus na células.

O fato é que estamos vivenciando algo sem precedentes, muitos estudos ainda preliminares e que precisamos de tempo para nos aprofundarmos neste processo.

Quanto à relação direta entre o uso de IECAs e BRAS não podemos correlacionar o uso destes fármacos à complicações pela nova infecção, devemos deixar claro que é extremamente importante o paciente manter a terapêutica preconizada para ele, neste momento qualquer alteração no tratamento pode ser extremamente prejudicial. A terapêutica deve ser mantida enquanto aguardamos novas análises para melhor entendimento deste processo.

Autor: Juarez de Souza, Farmacêutico

Docente Assistente II/ Campus XII Centro de Ciências da Saúde Departamento de Saúde Integrada Docente do Instituto Esperança de Ensino Superior – IESPES Membro Efetivo da Sociedade Brasileira de Farmacologia e Terapêutica Experimental – SBFTE

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