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O ano de 2019 terminou com o mundo acompanhando o surgimento de um novo vírus. Com os primeiros casos ocorrendo na província de Wuhan (China), entramos em 2020 e passamos a acompanhar a disseminação desses casos pelo mundo. Primeiramente como casos isolados. Logo após, como algo que há algum tempo não presenciávamos na história. Descobrimos tratar-se do novo coronavírus, nomeado tecnicamente de Sars-Cov-2.
Passaram-se algumas semanas até que a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarasse que estávamos diante de uma pandemia. Percebemos, a partir desse momento, que tínhamos a nossa frente um desafio que mexeria com todos os aspectos de nossas vidas e nos faria repensar as diversas atividades de nosso cotidiano no âmbito do que fazer, como fazer, quando fazer e por que fazer. Dentre as iniciativas das quais lançou-se mão como forma de combater o novo patógeno, como as campanhas de conscientização sobre a importância do uso de máscaras, da correta higienização das mãos e da necessidade de praticar o distanciamento (em alguns momentos, o isolamento) social, a mais esperada foi o início de uma corrida pelo desenvolvimento de uma vacina que seja capaz de freá-lo.
A história da vacinação tem início em 1789 (mesmo ano da Revolução Francesa) quando Edward Jenner passou a observar que as pessoas que atuavam na ordenha das vacas não contraíam a varíola quando tinham adquirido a forma animal da doença. Jenner, que nasceu em 1749 e havia se formado em medicina em Londres, realizou a extração de pus da mão de uma mulher que havia contraído a varíola bovina, inoculando, na sequência, o material em um menino de 8 anos. Estávamos no ano de 1796 e James Phipps ficou curado após contrair a doença de forma branda.
Dr. Edward foi além e cerca de dois meses depois realizou a inoculação no mesmo menino com o líquido que havia sido extraído de uma pústula de varíola humana. James não foi contaminado pela doença. Havia sido dado o primeiro passo para o desenvolvimento de um aliado poderoso na manutenção da saúde humana.
Como nem tudo são flores, inicialmente a Academia não aceitou o trabalho do médico, que teve o reconhecimento devido dois anos depois. Logo, médicos de outros países começaram a utilizar a vacina em seus pacientes e com a obtenção de resultados positivos houve a criação, em 1799, do primeiro instituto de vacinas em Londres, com a Marinha britânica, no ano seguinte, adotando a prática para seus marinheiros. De lá para cá, muitos avanços ocorreram e as vacinas tornaram-se primordiais contra muitas doenças.
Definidas como substâncias biológicas que são introduzidas no corpo com o intuito de ocasionar proteção contra as doenças, as vacinas promovem a ativação do sistema imune na prática ao levar nosso organismo a reconhecer vírus e bactérias e, com isso, produzir anticorpos contra esses. Para tanto, são compostas por vírus ou bactérias enfraquecidas (vacina de vírus/bactéria viva atenuada) ou mortos (vacina de vírus/bactéria inativa).
É preciso ter em mente que, antes de ser disponibilizada em unidades de saúde e clínicas privadas, é necessário que a vacina percorra um amplo caminho (como temos observado agora com as candidatas que estão em estudo para o combate do novo coronavírus). Isso se deve pela importância de que sejam verificadas além da eficácia da vacina em questão, os efeitos adversos que ela pode vir a causar, além de sua segurança para as pessoas que a receberão.
Esse processo, dividido em várias fases, costuma ser um pouco mais lento por precisarmos ter a certeza de que todas as fases e requisitos científicos foram cumpridos de forma metodológica e ética. Por isso é que ainda não temos uma vacina sendo distribuída para o novo coronavírus, embora já estejamos com alguns estudos em estágios avançados pelo tempo em que os iniciamos, como veremos a seguir.
Vacina da CanSino
- Desenvolvida com base em um adenovírus.
- Empresa chinesa em parceria com o Instituto de Biologia da Academia de Ciências Médicas Militares do país.
- Maio/2020: publicação de resultados promissores de teste de segurança da fase 1.
- 25 de junho de 2020: militares da China aprovaram a vacina por um ano por ser uma “droga especialmente necessária”.
- Julho/2020: testes da fase 2 geraram forte resposta imunológica.
- 09 de agosto de 2020: Ministério da Saúde da Arábia Saudita anunciou que a empresa realizaria um teste da fase 3 no país.
- 17 de agosto de 2020: Escritório de Propriedade Intelectual da China aprovou a primeira patente para a vacina.
Vacina da CoronaVac
- Empresa chinesa: 94,7% dos mais de 50 mil voluntários não apresentaram nenhum sintoma adverso em relação à vacina.
- Está na fase 3 de testagem.
- Testada no Brasil pelo Instituto Butantan em parceria com o laboratório Sinovac.
- Na China: 98% de eficácia na imunização.
Vacina da Johnson & Johnson
- Desenvolvida pela Janssen Pharmaceuticals (grupo Johnson & Johnson).
- Utiliza uma tecnologia baseada em um adenovírus não-recombinante.
- Está sendo testada em grande escala nos Estados Unidos.
- Voluntários da Espanha, Bélgica e Alemanha participarão dos testes da fase 3.
Vacina da Moderna
- Apoio do governo dos Estados Unidos.
- Está na fase 3 de testagem.
- Testes serão realizados em 89 locais dos EUA.
- 11 de agosto de 2020: EUA concedeu à empresa cerca de 1,5 bilhão de dólares em troca de 100 milhões de doses, caso a vacina se mostre segura e eficaz.
Vacina da Novavax
- Agosto/2020: farmacêutica anunciou que vacina produziu resposta positiva.
- 24 de setembro de 2020: início da terceira fase de testagem no Reino Unido, com participação de 10 mil voluntários.
Vacina de Oxford
- Farmacêutica AstraZeneca em parceria com a Universidade de Oxford (Reino Unido) e com a Universidade Federal de São Paulo (Brasil).
- Está na fase 3 da testagem.
- Aplicada em voluntários no Reino Unido, África do Sul e Brasil (Rio de Janeiro, São Paulo e Salvador).
- Interrupção de testes em setembro/2020, no Reino Unido, após um dos voluntários ter manifestado uma doença. Após a exclusão da possibilidade dessa com a vacina os testes foram retomados.
Vacina da Pfizer e BioNTech
- Pesquisadores dos Estados Unidos e Alemanha.
- Está na fase 3 de testagem.
- 05 de agosto de 2020: início dos testes em voluntários brasileiros (São Paulo e Bahia).
- Estados Unidos, Japão e União Europeia já fecharam acordos com os laboratórios para a compra de doses da vacina.
Vacina da Sinopharm
- Empresa chinesa iniciou testes da fase 3 (julho/2020) após descoberta de que vacina inativada contra o vírus era segura e que havia provocado uma resposta imune.
Vacina russa Sputnik V
- Primeira vacina registrada contra o novo coronavírus anunciada em 11 de agosto pelo presidente russo Vladimir Putin.
- 12 de agosto de 2020: acordo com governo do Paraná para futura testagem da vacina.
- 04 de setembro de 2020: estudo da The Lancet trouxe que a vacina russa é segura, não possui efeitos colaterais severos, sendo capaz de produzir anticorpos contra a doença em questão.
- 08 de setembro de 2020: Ministério da Saúde da Rússia anunciou que primeiro lote da vacina passou nos testes de qualidade, sendo liberado para a comunidade civil.
- Liberação da vacina ocorrerá junto com os testes da fase 3 na Rússia.
- OBS.: A Rússia já manifestou que espera registrar uma segunda vacina até o dia 15 de outubro.
Vacina contra a tuberculose
- Holanda, Grécia, Austrália e Reino estão conduzindo estudos para verificação da possibilidade da vacina BCG contra o novo coronavírus.
- Estudo conduzido pela Universidade de Michigan (EUA) indicou que infecção e morte pelo novo coronavírus foi menor em países onde a vacinação contra as formas graves de tuberculose é obrigatória.
Tão logo tenhamos todas as dúvidas e questionamentos respondidos, juntamente com a eficácia e segurança comprovadas, teremos a chance de iniciar a distribuição mundial de uma ou mais vacinas que serão capazes de frear a disseminação do novo coronavírus e, com isso, normalizar um pouco essa situação que vivemos. Torçamos e mantenhamos a esperança para que tudo corra bem e logo esse momento tão esperando chegue. Enquanto isso, que tal conversarmos um pouquinho sobre como funciona o processo de vacinação no Brasil?
Criado em 1973, o Programa Nacional de Imunizações (PNI) é referência internacional no campo de política pública voltada à saúde, buscando a inclusão social ao assistir todas as pessoas de todas as regiões do país e de forma gratuita. A primeira campanha de vacinação em massa no Brasil ocorreu em 1904, quando o sanitarista Oswaldo Cruz instituiu a vacina contra a varíola, episódio que culminou na Revolta da Vacina. Os anos passaram, avanços ocorreram e foi através do PNI o Brasil conseguiu erradicar doenças de alcance mundial, como a varíola e a poliomielite, tendo o programa alcançado avanços consideráveis e importantes.
Dados do Ministério da Saúde de 2015 mostram que na época o país contava com mais de 36 mil salas de vacinação, com a aplicação de cerca de 300 mil imunobiológicos por ano e com orçamento previsto de três bilhões de reais (2015). No entanto, ainda é considerável o número de pessoas que deixam de comparecer aos centros de vacinação para atualizar suas respectivas carteiras (vamos lembrar que existem vacinas para todas as faixas etárias).
E num tempo em que é forte a presença de fake news e grupos anti-vacinas elevam suas vozes, é preciso que reflitamos sobre essa importante ferramenta que foi descoberta e que tem nos ajudado ao longo dos anos. Vacinar-se é cuidar de si mesmo. Mas esse cuidado vai muito além. Vacinar-se é, sobretudo, cuidar do próximo. Percebe-se isso quando notamos que quando nos vacinamos temos a chance de controlar e erradicar doenças de nosso território e, com isso, proteger não apenas a nós mesmos, mas também aqueles que por algum motivo específico não podem fazer uso da vacina.
É por isso que precisamos divulgar as campanhas de vacinação, comparecer aos locais indicados para atualizarmos nossas carteirinhas e, de forma muito especial, lutar cada vez mais pela manutenção e melhoria do Sistema Único de Saúde (responsável pela manutenção do PNI). Somente através do fortalecimento do SUS é que conseguiremos manter suas conquistas e, por consequência, nos manter imunizados.
Autor: Leonardo Cardoso
Instagram: @notfakeleonardo