Alergologia e imunologia

COVID-19: da contaminação à pós-infecção | Colunistas

COVID-19: da contaminação à pós-infecção | Colunistas

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Praticamente um ano após o relato do primeiro caso de infecção pelo Sars-Cov-2 no Brasil e ainda há muitas dúvidas sobre o processo de infecção e curso da doença, além das sequelas que podem durar meses após a cura.

Por esse motivo, faremos um apanhado geral com as principais informações que você precisa saber sobre a estrutura viral, fisiopatologia, sintomas e curso da doença.

Estrutura viral

            O Sars-Cov-2 é um vírus constituído por uma fita simples de RNA positivo, constituído por cerca de 30.000 pares de base que se associam com a proteína N, formando um nucleocapsídeo em formato helicoidal.

            Durante o processo de infecção, a tradução do seu genoma produzirá uma poliproteína que, quando clivada, gera uma enzima RNA polimerase RNA-dependente, culminando em um RNA de polaridade negativa. O novo modelo de RNA será utilizado para replicar novos genomas, produzindo de cinco a sete fitas de RNAm para as proteínas virais. Vale ressaltar que essa produção de RNAm está sujeita a recombinações entre os genomas, podendo ocasionar variabilidade genética.

            Em relação às proteínas estruturais, o COVID-19 possui um envelope em bicamada lipídica que envolve o nucleocapsídeo. Ancoradas nesse envelope estão as glicoproteínas E, S, N e M, além da hemaglutinina-esterase. Vamos ver com um pouco mais de detalhes cada uma delas, pois será importante para compreender todo o processo da doença.

  • Proteína S (spike): é a principal responsável pela entrada do vírus na célula hospedeira, além de servir como alvo para os anticorpos. Essa proteína interage com a enzima conversora de angiotensina 2 (ECA-2), mediando a entrada do vírus nas células epiteliais respiratórias.
  • Proteína M (membrana): auxilia o vírus a se fundir na célula hospedeira e produzir proteína antigênicas, além de ajudar na montagem viral dentro da célula.
  • Proteína E (envelope): contribui com o desenvolvimento da forma viral dentro da célula hospedeira.
  • Proteína N (nucleocapsídeo): localizada na hélice do RNA. Auxilia a manter a estrutura do RNA helicoical, além de ser responsável pela replicação e transcrição do mesmo.
  • Hemaglutinina-esterase: sua atividade está relacionada com a ligação ao receptor, hidrólise do receptor e fusão com a membrana. Funciona como um mecanismo de invasão.

De maneira geral, essa é a estrutura básica e as proteínas mais importantes para entender o processo de infecção.

Contaminação

            Ao inspirar gotículas respiratórias com o vírus ou tocar superfícies contaminadas em mucosas (lábias, nariz, olhos, entre outros), o Sars-Cov-2 adentra o organismo. Posteriormente, irá buscar a enzima ECA2, na qual consegue se ligar. Tal enzima é fortemente presente no epitélio respiratório, principalmente nos pneumócitos tipo II, essa é a explicação pela qual o COVID-19 afeta esse sistema.

            Quando encontra a ECA2, a glicoproteína S se conecta a ela, conseguindo penetrar na célula. Assim, utiliza o aparato celular para produzir cópias, que serão liberadas e farão o mesmo ciclo. Após uma determinada carga viral ser atingida, os pneumócitos têm seu funcionamento prejudicado.

            Além disso, no decorrer do processo, algumas APCs – células apresentadoras de antígeno – captam partículas virais. Com isso, apresentam a partícula antigênica aos linfócitos T auxiliares (LTH). Por ser o primeiro contato com esse tipo viral, o sistema imune ainda não possui resposta específica. Desse modo, o LTH recruta linfócitos T citotóxicos (LTC), levando junto células NK (natural killers) e macrófagos. Salienta-se que as APCs também apresentam o antígeno direto aos LTC via complexo de histocompatibilidade de classe I. Tal apresentação irá estimular a resposta humoral e celular, a qual é mediada pelos linfócitos T e B. Dessa maneira, os linfócitos B irão produzir anticorpos específicos para o vírus, sendo primeiro o IgM e depois o IgG.

            Caso a infecção se limite na parte superior do sistema respiratório (acima da traqueia) e a resposta imune seja eficiente, os sintomas serão similares a uma gripe, contendo tosse leve, dor na garganta, congestão nasal e pode haver até uma febre baixa. Normalmente esses sintomas se iniciam dentro de 5 a 7 dias após a infecção, podendo aparecer em até 14 dias depois.

Desenvolvimento da infecção

            Em grande parte dos casos, a infecção não se limita a isso. O prognóstico passa a piorar nos casos em que o sistema imune não consegue conter a infecção, e esta se estenda pelo trato respiratório inferior, se instalando nos alvéolos.

            Com a continuidade da infecção, a quantidade de partículas virais produzidas aumenta, tornando o processo inflamatório resultante cada vez mais severo. Isso irrita as fibras nervosas dos pulmões, gerando mais tosse. Além disso, na inflamação dos alvéolos o fluxo sanguíneo aumenta na região, além da alteração da permeabilidade dos capilares, o que resulta na migração de plasma e células inflamatórias para fora dos capilares, formando um exsudato.

            Esse processo altera a capacidade dos pulmões em obter quantidades suficientes de oxigênio e, como consequência, também diminui a capacidade em eliminar dióxido de carbono. Com isso, está estabelecida uma pneumonia, uma vez que o funcionamento dos pulmões é reduzido pela inflamação dos alvéolos.

            Ademais, a morfologia pulmonar também será alterada. Há um ligeiro endurecimento, comprometendo a mecânica ventilatória, tornando a respiração mais curta e acelerada. Isso resulta em um esforço grande para conseguir pouco ar, o qual ainda será mal absorvido.

Complicações

            Nos indivíduos com problemas cardiovasculares, pulmonares, doenças crônicas, câncer, idosos e fumantes, por exemplo, a resposta imune para combater a pneumonia fica comprometida. Com isso, o risco para o desenvolvimento de um quadro mais grave se eleva.

            Caso os danos pulmonares sejam capazes de impedir a troca efetiva dos gases, ocorre o que é denominado de insuficiência respiratória aguda (IRA), necessitando de ventilação mecânica. Em um primeiro momento pode ser utilizada máscara de oxigênio. No entanto, caso o paciente não melhore, a intubação se faz necessária. Ainda, se nada acabar com a infecção pulmonar e a inflamação continuar aumentando, a oxigenação será reduzida até a asfixia total.

Consequências pós-infecção

            As consequências futuras para os pacientes infectados que se curaram ainda não foram totalmente elucidadas, mas há alguns indícios. Observa-se na prática clínica que, nos quadros leves, alguns sintomas podem permanecer durante meses após a cura, como a perda de sensibilidade no paladar, olfato e uma leve dificuldade respiratória.

            Nos casos mais graves, o dano aos pulmões provavelmente eleva a predisposição à fibrose pulmonar. Além disso, a ocorrência do processo inflamatório irá ocasionar muitos danos ao tecido pulmonar que podem não ser reversíveis. O fato é que provavelmente os indivíduos que apresentaram a infecção nos níveis mais severos não terão mais o sistema pulmonar plenamente saudável.

Expectativas futuras

            Com a chegada das vacinas para a população, as expectativas em relação ao desfecho da pandemia são as melhores. No entanto, mesmo com todo o otimismo, deve-se continuar com todos os cuidados necessários. Lembre-se sempre de que a prevenção é o melhor caminho.

            Acredita-se que, pelo menos durante o ano de 2021, ainda sejam mantidas as medidas de distanciamento social, até que um grande percentual da população seja vacinado.

E você, está otimista em relação ao desfecho da pandemia?

O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.

Observação: esse material foi produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido.


Referências:

XU, Zhe et al. Pathological findings of COVID-19 associated with acute respiratory distress syndrome. The Lancet Respiratory Medicine, 2020.

WU, Zunyou; MCGOOGAN, Jennifer M. Characteristics of and important lessons from the coronavírus disease 2019 (COVID-19) outbreak in China: summary of a report of 72 314 cases from the Chinese Center for Disease Control and Prevention. Jama, 2020.

KRAFCIKOVA, Petra et al. Structural analysis of the SARS-CoV-2 methyltransferase complex involved in RNA cap creation bound to sinefungin. Nature communications, v. 11, n. 1, p. 1-7, 2020.