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Quase um ano depois da Organização Mundial de Saúde (OMS) declarar estado pandêmico de coronavírus, você provavelmente já sabe que os primeiros casos ocorreram em Wuhan, cidade da República Popular da China; já deve estar ciente e até ter se emocionado com todo o colapso que o vírus causou nos robustos sistemas de saúde dos países europeus, e, certamente, ficou em choque ao receber a notícia de que somente no dia 07 de Janeiro de 2021, nos Estados Unidos da América, foram contabilizadas 4.085 mortes pelo novo coronavírus. Entretanto, mesmo com quase um ano de notícias diárias sobre a pandemia, o que você sabe sobre o desenvolvimento dela no continente africano?
O primeiro caso confirmado de COVID-19 na África foi registrado no dia 12 de Fevereiro de 2020, no Egito. Dois dias depois, a Argélia também confirmava um primeiro caso. Em março, a doença já havia atravessado todo o continente, e, em Abril, quase todos os países do território africano já haviam relatado casos de coronavírus. Assim como em outros continentes, a transmissão do vírus começou a partir de turistas e evoluiu para um patamar de transmissão comunitária. Não obstante esse fator comum, o desenrolar da pandemia na África surpreendeu a muitos. A expectativa inicial era a pior possível. Se o vírus foi capaz de destroçar os sistemas de saúde do velho continente europeu, fruto de anos de política de bem-estar social, o que esperar dos sistemas dos pobres países africanos? Entretanto, ao analisar os dados da COVID-19 desses países, tal vaticínio não se cumpriu.
Só para fins de comparação, no dia 11 de Fevereiro de 2021, segundo a “Worldometer”, uma plataforma que reúne dados sobre COVID-19 de países de todos os continentes, o Brasil, com cerca de 213 milhões de habitantes, registrava 236.397 mortes por coronavírus, enquanto a Nigéria, com população semelhante, de 209 milhões de habitantes, registrava 2.171 mortes. O número total de mortos em toda a Europa chegava a 756.125 pessoas, já na África, mesmo tendo uma população quase duas vezes maior, esse número era 97.385. A resposta para essa discrepância e a análise de outros fatores sobre o desenvolvimento da pandemia na África serão abordadas a seguir.
O fator demográfico
O primeiro dado que começa a explicar o caso africano é a média de idade da população do continente. A expectativa de vida de países como Espanha (83.6 anos), Itália(83.5) e Reino Unido(81.3) e a baixa taxa de natalidade resulta em uma Europa com a maior média de idade entre os continentes. Na África ocorre justamente o oposto, uma alta taxa de natalidade e uma baixa expectativa de vida. Por exemplo, Costa do Marfim (57.8), Camarões(59.3) e Nigéria(62.4); esses dois fatores levam este continente a ter a menor média de idade, 19.7 anos, entre todos os continentes.
Continente | África | Ásia | Europa | América do Norte | América Latina | Oceania |
Média de Idade(2020) | 19.7 | 32.0 | 42.5 | 38.6 | 31.0 | 33.4 |
Por esses motivos, e, sendo os maiores de 65 anos e os portadores de doenças crônicas os principais grupos de risco da COVID-19, torna-se evidente que a baixa média de idade e a transição epidemiológica ainda em fase muito inicial da África são os principais responsáveis pelas baixas taxas de mortalidade por coronavírus. https://www.visualcapitalist.com/mapped-the-median-age-of-every-continent/

Fator Genético
Uma faceta importante e que ainda precisa ser mais explorada é o quanto a genética do hospedeiro pode influenciar na virulência do coronavírus. A maioria dos estudos foca em desvendar as características do vírus. Até o momento, pesquisas iniciais têm indicado uma maior afinidade entre o vírus e genes presentes em populações da Europa e do sul asiático. Por outro lado, a população nativa africana é caracterizada pela grande variabilidade genética, o que dá a esse grupo uma maior capacidade de resistir a doenças infecciosas.
Experiência com pandemias
Um fator importante e que não deve ser ignorado é o vasto histórico de doenças infecciosas que assolam ou assolaram o cotidiano da África; HIV, Ebola e cólera são algumas dessas. O fato é que, na medida do possível, os países africanos, pela experiência com diversos surtos de doenças, acabaram por se organizar e em certa medida até se antecipar ao coronavírus melhor do que outras regiões do mundo. Por exemplo, ainda em janeiro, antes mesmo do primeiro caso em território africano, a Costa do Marfim já começou uma vigilância mais criteriosa aos passageiros que chegavam nos aeroportos do país. Além desse tipo de iniciativa individual, também houve planejamento a nível continental, como reuniões organizadas pela “African Union Commission” entre os Ministros da Saúde africanos, a partir de 22 de Fevereiro de 2020, para planejar e mitigar os efeitos da chegada da COVID-19 na África.
Falta de testes e subdiagnóstico
É quase impossível estabelecer a real prevalência e incidência do coronavírus em qualquer lugar do mundo, porém, isso se agrava ainda mais nos países africanos. A falta de capacidade econômica somada aos altos custos da testagem IT-PCR em massa acarretam numa quantidade imensa de casos não diagnosticados, isso pode ser a principal explicação para os baixos números de casos de COVID-19. Ademais, ainda existe a grande possibilidade de diagnósticos errados, devido a doenças endêmicas com sintomas parecidos, como a malária, que podem levar ao erro médico.
Vacinação
O problema da falta de testes se estende também para a lenta vacinação. No dia 10 de Fevereiro de 2021, enquanto a média mundial era de 1.74 pessoas vacinadas a cada 100, na África, esse número era de apenas 0.06. A falta de desenvolvimento econômico e tecnológico, fruto de anos de exploração que o continente africano foi vítima, explica bem essa falta de competitividade em buscar testes, respiradores e, agora, em conseguir vacinar sua população em massa.

O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.
Observação: esse material foi produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido.
Referências
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Musa, Hassan H et al. “Addressing Africa’s pandemic puzzle: Perspectives on COVID-19 transmission and mortality in sub-Saharan Africa.” International journal of infectious diseases : IJID : official publication of the International Society for Infectious Diseases vol. 102 (2021): 483-488. doi:10.1016/j.ijid.2020.09.1456
Rosenthal, Philip J et al. “COVID-19: Shining the Light on Africa.” The American journal of tropical medicine and hygiene vol. 102,6 (2020): 1145-1148. doi:10.4269/ajtmh.20-0380
Zeberg, H., Pääbo, S. The major genetic risk factor for severe COVID-19 is inherited from Neanderthals. Nature 587, 610–612 (2020). https://doi.org/10.1038/s41586-020-2818-3
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