Carreira em Medicina

COVID-19 e sua associação com um fenótipo plaquetário pró-trombótico | Colunistas

COVID-19 e sua associação com um fenótipo plaquetário pró-trombótico | Colunistas

Compartilhar
Imagem de perfil de Comunidade Sanar

Introdução

                A COVID-19 é uma doença causada pelo novo coronavírus (SARS-COV-2), responsável pela pandemia mundial instalada atualmente. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), até o dia 02 de abril de 2021 foram confirmados 129.215.179 casos de infecção e 2.820.098 mortes em 223 países. Embora o vírus esteja em sua maioria relacionado ao desenvolvimento da síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA), complicações trombóticas são comuns e contribuem para insuficiência de múltiplos órgãos e consequentemente para a mortalidade.  É um fato que a COVID-19 induz um estado hipercoagulável, porém, os mecanismos responsáveis por tal situação ainda não estão bem elucidados. Uma das hipóteses está relacionada à mudança no fenótipo plaquetário pelo vírus, levando a um estado pró-trombótico. Neste texto iremos nos aprofundar um pouco mais no assunto, discutindo as informações de estudos recentes.

Discussão

                Na presença de infecções graves, a resposta inflamatória sistêmica pode gerar uma lesão endotelial, aumentando a produção de trombina e reduzindo a fibrinólise endógena, levando a um estado pró-trombótico, a chamada coagulopatia induzida pela sepse. Os principais fatores que determinam essa situação durante a sepse são as citocinas inflamatórias.

Infecções virais são conhecidas por estarem associadas a distúrbios de coagulação. Trombocitose, coagulação intravascular disseminada (CIVD) e tromboembolismo, já haviam sido observadas em infecções por SARS-COV-1. Em relação ao SARS-COV-2 não é diferente, parâmetros anormais de coagulação estão presentes em pacientes hospitalizados e estão relacionados com mau prognóstico. Além disso, foram encontrados trombos  na microvasculatura de órgãos como pulmão, coração e rins em pacientes portadores da infecção viral em estado grave. Tais trombos contêm armadilhas extracelulares de neutrófilos (NETs) associadas a agregados plaquetários de neutrófilos circulantes e desregulação imunotrombótica.

Drogas anticoagulantes e antiplaquetárias são conhecidas devido a sua vasta utilização como profilaxia e tratamento de trombose venosa e arterial. Porém, apesar de tromboprofilaxia com heparina de baixo peso molecular (HBPM), altas taxas de tromboembolismo venoso (TEV) foram observadas em pacientes portadores do vírus SARS-COV-2, bem como o aparecimento de eventos trombóticos arteriais incomuns e graves. Isso só reforça a importância de determinar de forma mais específica quais mecanismos estão envolvidos nesse estado de hipercoagulabilidade, favorecendo então o desenvolvimento de terapêuticas mais eficazes.

Estudos recentes envolvendo pacientes com COVID-19 buscaram determinar se a disfunção ou hiperatividade plaquetária contribuiria para a hipercoagulabilidade induzida pelo vírus. Foram avaliados os parâmetros clínicos das plaquetas e da atividade plaquetária circulante em pacientes portadores de SARS-COV-2 hospitalizados em estado grave (com necessidade de terapia intensiva) e em estado não grave, pacientes hospitalizados não portadores do vírus e doadores saudáveis. A função e a atividade plaquetária foram avaliadas por secreção e análise de marcadores específicos.

Foram demonstradas alterações no transcriptoma e proteoma das plaquetas, revelando mudanças na expressão gênica das vias associadas à ubiquitinação de proteínas, apresentação de antígeno e disfunção mitocondrial. Uma coisa muito interessante a se analisar é que, em uma pesquisa realizada em 2020 no Centro de Ciências da Saúde da Universidade de Utah em Salt Lake City, foi detectado mRNA do gene SARS-COV-2 nas plaquetas de 2 de 25 pacientes com COVID-19, na ausência de enzima conversora de angiotensina 2 (ECA2), apontando que é possível que as plaquetas consigam adquirir o vírus de forma independente. Vale lembrar que o vírus entra nas células através do receptor da ECA2, que está presente nos alvéolos.

Em relação a análise de marcadores específicos, observou-se que em pacientes portadores de COVID-19 houve um aumento da expressão da P-Selectina, LAMP-3, complexo GPIIb/IIIa e outras moléculas de adesão envolvidas na ativação plaquetária. A P-Selectina é responsável por mediar a adesão de plaquetas a leucócitos e células endoteliais e aumentar a expressão do fator tecidual nos monócitos, induzindo a formação de NETs. Consequentemente, os agregados de plaquetas-neutrófilos, monócitos e células-T circulantes também foram significativamente mais elevados em comparação com os doadores saudáveis. Por isso, estudos feitos em animais apontaram que a neutralização da P-Selectina reduz o recrutamento de neutrófilos, inibindo o desenvolvimento de lesão pulmonar aguda.

Em outro estudo realizado em 2020 no Mater Misericordiae University Hospital em Dublin, na Irlanda, plaquetas de indivíduos de cada grupo foram isoladas e ativadas com baixas e altas concentrações de trombina. As plaquetas dos pacientes com COVID-19 apresentaram um nível mais elevado de secreção de grânulos densos quando comparados a pacientes internados não afetados pelo vírus, sugerindo alta taxa de ativação plaquetária. Esses dados sugerem que as plaquetas dos pacientes portadores do vírus são mais responsivas a estimulação com agonista, indicando um limiar de ativação reduzido quando comparado ao grupo controle.

Conclusão

                É possível observar que, desde os estágios iniciais da doença, os distúrbios de coagulação parecem estar associados à taxa de mortalidade dos pacientes. Casos de tromboembolismo refratários a profilaxia bem como o aparecimento de eventos trombóticos arteriais incomuns, vem chamando a atenção quanto a segurança e a eficácia dos tratamentos disponíveis. Os estudos já realizados, alguns apresentados aqui, e os estudos em andamento, trabalham com o foco de determinar de forma objetiva os mecanismos moleculares envolvidos no estado de hipercoagulabilidade apresentado pelos portadores de COVID-19.

                A etiologia de tal situação é multifatorial e em sua maioria impulsionada pela resposta inflamatória sistêmica devido à presença da infeção. Os estudos recentes indicam que as plaquetas dos pacientes infectados pela doença apresentam um fenótipo pró-trombótico, aumentando o risco de trombose. Níveis circulantes de P-Selectina significativamente elevados foram encontrados em pacientes com COVID-19. Além disso, foi determinado que esses pacientes possuem uma hiper-reatividade plaquetária, aumentando o risco de hipercoagulabilidade e confirmando o papel das plaquetas bem como da coagulação na complexidade e prognóstico da doença.

Autora: Taise Calixto Gonçalves

Instagram: @taisecalixto


O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.

Observação: material produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar junto com estudantes de medicina e ligas acadêmicas de todo Brasil. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido. Eventualmente, esses materiais podem passar por atualização.

Novidade: temos colunas sendo produzidas por Experts da Sanar, médicos conceituados em suas áreas de atuação e coordenadores da Sanar Pós.


Referências

BONGIOVANNI, D. et al. SARS-CoV-2 infection is associated with a pro-thrombotic platelet phenotype. Cell Death and Disease, v. 12, n. 1, 2021.

COMER, S. P. et al. COVID-19 induces a hyperactive phenotype in circulating platelets. PLoS Biology, v. 19, n. 2, p. 1–15, 2021.

NASCIMENTO, J. H. P. et al. COVID-19 e Estado de Hipercoagulabilidade: Uma Nova Perspectiva Terapêutica. Arquivos Brasileiros de Cardiologia, v. 114, n. 5, p. 829–833, 2020.

OR CASPI, MICHAEL J. SMART, R. B. N. Since January 2020 Elsevier has created a COVID-19 resource centre with free information in English and Mandarin on the novel coronavirus COVID-. Ann Oncol, n. January, p. 19–21, 2020.