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Desde o surgimento da pandemia da COVID-19, o comportamento, a evolução e o padrão clínico do vírus infectante, o SARS-CoV-2, persistem com muitos segredos a serem desvendados pela comunidade científica. Com inúmeros órgãos do corpo humano sendo acometidos, o maior deles, a pele, não passou ileso; inúmeros são os relatos e registros das manifestações cutâneas em decorrência da infecção viral, do tratamento medicamentoso e, também, secundários ao uso dos equipamentos de proteção individual.
Por que a pele?
A pele, assim como o tecido adiposo, tem a capacidade de expressar a enzima conversora de angiotensina 2 – do inglês Angiotensin Converting Enzyme 2 (ACE2) – que atua como um receptor funcional para as proteínas spikes do SARS-Cov-2. Isso significa que a interação ACE2 da pele e proteínas spikes permite a entrada do vírus e sua ação direta sobre as células mucocutâneas cursando, mais comumente, com erupções maculopapulares e urticariformes. Além disso, é preciso levar em consideração que os indivíduos infectados podem apresentar um estado de Coagulação Intravascular Disseminada (CIVD), traduzido por manifestações cutâneas como a acro isquemia e a grangrena seca.

(RELVAS, M. et al, 2021.)
Categorização das manifestações cutâneas quanto à sua etiologia
Diretamente relacionadas ao vírus
Análises estatísticas sugerem que a incidência registrada de lesões cutâneas decorrentes da infecção pelo SARS-Cov-2 varia entre 0,2% e 20,4% e, por vezes, são consideradas como a primeira e única manifestação clínica. Devido à sua inespecificidade e semelhança com lesões presentes em outras doenças infecciosas, como a dengue, a COVID-19 passou a ser um importante diagnóstico diferencial.
As dermatoses [Pacheco1] relacionadas com a doença são plurais e, portanto, foram classificadas em quatro padrões para melhor identificação: exantemático, vascular, urticariforme e acro-papuloso. Sua apresentação quanto à localização é majoritariamente no tronco, seguido pelas mãos e pés. Estudos apontam que essas lesões são autolimitadas na maioria dos pacientes, tendo resolução expontânea em cerca de 10 dias.
Importante [Pacheco2] salientar, ainda, que a COVID-19 é responsável por uma importante comorbidade prognóstica: a síndrome inflamatória multissistêmica pediátrica (SIMP). Nesta condição aguda, um dos critérios diagnósticos são os sinais ou sintomas de disfunção orgânica – como a dermatológica – manifesta por erupções eritematomas ou polimorfas, associadas a mucosite, conjutivite, edema e algias acrais, que evoluem com descamação.
Secundárias ao tratamento
Nesse grupo estão as lesões cutâneas desencadeadas pelas drogas administradas no tratamento da COVID-19. Nesse contexto, os agentes terapêuticos utilizados na prática – hidroxicloroquina, azitromicina, favipiravir e corticoides sistêmicos (como a dexametasona) – possuem uma importante tendência à toxidermia aguda e interações medicamentosas entre si, visto que o manejo envolve, muitas vezes, um esquema múltiplo. A partir disso, é possível identificar erupções cutâneas que podem sugir a qualquer momento após o início do esquema terapêutico.
Das drogas citadas[Pacheco3] , a de maior efeito adverso na pele é a hidroxicloroquina. Tradicionalmente utilizada no tratamento da malária, a hidroxicloroquina causa reações dermatológicas já bem associadas, como a erupção maculopapular e, em menor frequencia, hiperpigmentação cutânea e descoloração capilar. Importante atenção deve ser dada aos portadores de psoríase, visto que existe, também, a possibilidade de sua exacerbação que pode assumir formas atípicas em decorrência do uso desse medicamento.
Secundárias ao uso de equipamentos de proteção individual
A utilização de equipamentos individuais de proteção (EPIs) e as medidas de higiene pessoal – como o uso do álcool gel e lavagens constantes das mãos – também aparecem como fontes de lesões dermatológicas e estão relacionadas, principalmente, com a perda da integridade da pele e da sua função de barreira. As lesões de pressão causadas pelo uso prolongado dos EPIs constituem uma importante queixa, especialmente, entre os profissionais da saúde. Máscaras, óculos e viseiras provocam lesões mecânicas na pele que podem resultar em maceração e erosões nos locais expostos. De forma adicional, o uso desses recursos em contato íntimo com a face tem sido responsável por desencadear reações de atopia na região nasal e geniana, além de agravar outras condições como a rosácea, em consequência do ambiente quente e úmido no interior da máscara. A desinfecção constante das mãos também tem aparecido como causa importante de eczema desidrótico, marcado pelo surgimento de pequenas vesículas e prurido.
Conclusão
Apesar de ser considerada uma infecção predominantemente respiratória, a pele também tem sofrido com os impactos da pandemia causada pelo SARS-CoV-2, que podem ser estratificados em três etiologias diferentes: diretamente relacionados ao vírus, secundários ao tratamento e secundários ao uso de equipamentos de proteção individual. Apesar do conhecimento científico ainda em crescimento acerca das manifestações dermatológicas na COVID-19, é preciso estar atento aos sinais que a pele dá: seu melhor entendimento é substancial na suspeita clínica oportuna de pacientes oligossintomáticos, principalmente naquelas localidades em que o acesso aos exames laboratoriais de finalidade diagnóstica é mais difícil.
O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.
Observação: esse material foi produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido.
Referências:
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- RELVAS, Maria; CALVÃO, Joana; OLIVEIRA, Raquel; et al. Manifestações Cutâneas Associadas à COVID-19: Uma Revisão Narrativa. Acta Médica Portuguesa, v. 33, n. 13, p. 128–136, 2020.
- ROCHA, Tauana Ogata Coelho da; SILVA, Thaís Cristina Santos da; LOUZADA, Fernanda Campos Lopes; et al. Manifestações Dermatológicas Como Único Sintoma Em Paciente Com Covid-19/Dermatological Disorders As the Only Symptom in Patient With Covid-19. Brazilian Journal of Development, v. 6, n. 11, p. 87710–87718, 2020.
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