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COVID19: anticorpos que diminuem defesas antivirais em pacientes graves | Colunistas

COVID19: anticorpos que diminuem defesas antivirais em pacientes graves | Colunistas

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Cerca de 10% dos infectados pelo coronavírus multiplicam o perigo da infecção

Em retrospectiva, o primeiro caso da pandemia pelo novo coronavírus, SARS-CoV-2, foi identificado em Wuhan, na China, no dia 31 de dezembro de 2019. Em fevereiro, a transmissão da Covid-19, nome dado à doença, no Irã e na Itália chamou a atenção pelo crescimento rápido de novos casos e mortes. No mesmo dia, o primeiro caso do Brasil foi identificado, em São Paulo. Há um ano, a Organização Mundial da Saúde (OMS) definiu o surto da doença como pandemia. Poucos dias depois, foi confirmada a primeira morte no Brasil, em São Paulo. No mesmo dia, dois pacientes que haviam testado positivo para coronavírus, do Rio de Janeiro, vieram a óbito, mas laudos das mortes ainda não foram divulgados. Atualmente, o coronavírus no Brasil contabiliza quase 11 mil casos confirmados, em que há uma letalidade de 2,4%, conforme dados do Ministério da Saúde. Dessa forma, fica evidente a importância de estudar a respeito da incidência dos casos graves, capazes de diminuir as respostas imunológicas antivirais em uns indivíduos, e mais leves em outros.

Portanto, em contexto de surtos do Sars-Cov-2 na pandemia, vale salientar que o papel do anticorpo no organismo é defesa contra possíveis agentes agressores. Para você entender melhor, farei uma analogia, para um organismo funcionar contra um agente invasor/infeccioso é como se fosse uma grande guerra, uma batalha contra Thanos da Marvel, o coronavírus, em que nosso sistema de defesa possui inúmeros heróis que combatem o agente agressor. No entanto, um novo estudo da Revista Science foi lançado sobre os pacientes graves de Covid-19, em que 10,2% produzem um tipo de anticorpo que burla o sistema imunológico do indivíduo e piora a infecção. Retomando a ideia da Marvel, seria como se houvesse um capacete tampando a visão dos heróis no momento da guerra contra o vírus, acho que você percebeu que isso enfraquece eles na luta e fortifica o Thanos, vulgo Sars-Cov-2.

O estudo contou com uma equipe de cientistas internacionais, mil pacientes com pneumonia grave devido ao coronavírus, 1200 pessoas saudáveis, 600 infectados assintomáticos ou sintomáticos levemente. Desses analisados, cerca de 95% eram homens, contrário ao que se esperava de doenças autoimunes, predominantes em mulheres.

A explicação para essa condição é um defeito genético em parte dos pacientes com o Sars-Cov-2, em que produzem anticorpos bloqueadores do produto das células dendríticas, apresentadoras de antígeno, que seria a proteína sinalizadora de atividade viral, o interferon 1. Essa molécula é capaz de se ligar a quase todo tipo de célula em prol da defesa antiviral. Isso explicaria o motivo de os pacientes não terem boa resposta terapêutica e se tornarem casos graves de Covid-19.

É importante entender o mecanismo de defesa natural do organismo, no qual proteínas e partículas virais são captadas por essas células dendríticas (DCs) que as transportam para os órgãos linfóides, onde são especificamente reconhecidas pelas células T e B. Em casos de infecção contra diversos vírus, é possível ter a união dos ramos celular (célula T) e humoral (célula B) da imunidade adaptativa para uma defesa mais efetiva. As magnitudes das respostas das células T e B são determinadas por fatores como a patogenicidade do vírus, a extensão da inflamação, as frequências das células T e B específicas do vírus e a cinética da replicação viral.

Essas células T foram visivelmente reduzidas, com diminuição da expressão de IFNγ, em células T CD4+ no sangue periférico de pacientes graves, ou seja, seus linfócitos de sangue periférico falharam na produção de IFNγ contra proteínas virais. Assim, os pacientes graves com Covid-19, no estágio de infecção aguda, desenvolveram respostas de anticorpos específicas para SARS-CoV-2, mas estavam prejudicados na imunidade celular, o que enfatiza o papel da imunidade celular no COVID-19.

Após os resultados, observou-se duas opções de tratamento para esses casos. Uma seria a alternância de proteínas interferons, pois se os pacientes produzirem interferon alfa, tipo de interferon 1, pode-se tratá-los com interferon beta, com o propósito de paralisar a doença, evitando a multiplicação viral. A outra ideia seria realizar uma plasmaférese. Trata-se de uma filtragem do sangue para eliminar os anticorpos malignos e outras moléculas inflamatórias que podem agravar a doença.

Conclusão

Em suma, a ideia de que o organismo reage sempre positivamente ao se defender de uma infecção precisa de ressalvas quanto à resposta autoimune, em que condições genéticas são capazes de provocar uma reação oposta. É o que acontece com cerca de 10% dos voluntários de um estudo internacional sobre Covid-19. Desse modo, aqueles indivíduos com determinadas mutações de proteínas interferon 1 são mais acometidos por casos graves do vírus Sars-Cov-2, em que há um autoboicote e bloqueio da apresentação viral das células dendríticas, fazendo com que a atividade antiviral não seja efetiva e a multiplicação viral permaneça, agravando a doença. É fato que os estudos estão em processo, pois não se sabe a duração dessa atuação do anticorpo, mas o que se sabe é que conhecendo o mecanismo de bloqueio se pode propor o oposto, como alguns tratamentos sugerem, a troca de interferons. Essa doença é nova, existem outros fatores de risco e as conclusões podem evoluir e mudar, mas uma coisa é certa: a pandemia não acabou e todo cuidado é essencial.


O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.

Observação: material produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar junto com estudantes de medicina e ligas acadêmicas de todo Brasil. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido. Eventualmente, esses materiais podem passar por atualização.

Novidade: temos colunas sendo produzidas por Experts da Sanar, médicos conceituados em suas áreas de atuação e coordenadores da Sanar Pós.


REFERÊNCIAS:

HOPE, J. L., BRADLEY, L. M. Lições sobre imunidade antiviral. Science,  29 de jan. de 2021, Vol. 371, Issue 6528, pp. 464-465. Disponível em:<https://science.sciencemag.org/content/371/6528/464>.

DOMÍNGUEZ, NUÑO. Um em cada dez pacientes graves de covid-19 produz anticorpos que pioram a doença. EL PAIS, Madrid, 24 de set. de 2020. Disponível em:.

NI L,  et. al. Impaired Cellular Immunity to SARS-CoV-2 in Severe COVID-19 Patients. Front Immunol. 2021 Feb 2;12:603563. Disponível em:.