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Criptosporidiose: é preciso falar sobre|Colunistas

Criptosporidiose: é preciso falar sobre|Colunistas

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Imagem de perfil de Danieli Coelho

A criptosporidiose é uma parasitose intestinal de caráter cosmopolita, sendo caracterizada como emergente e reemergente. Ressalta-se que este parasita afeta uma diversidade de animais, como mamíferos, répteis e peixes.

O agente causal é o Cryptosporidium, existem diversas espécies, entretanto as de relevância médica que mais causam enfermidades nos seres humanos são o C. parvum e C. hominis. Pertence ao filo Apicomplexa, classe Sporozoa e Subclasse Coccidia.

Criptosporidiose: contextualização

A primeira descrição desse protozoário aconteceu em 1907 por Edward Tyzzer em 1907, o mesmo conseguiu observar que a mucosa gástrica de alguns camundongos apresentava tal agente e descreveu ainda a formação de oocistos e a transmissão fecal-oral.

Já em 1995 relatou-se o aparecimento de uma diarreia em perus e foi constatado que se deu devido a presença de Cryptosporidium nas fezes dos animais.

A enfermidade humana por tal espécie foi relatada pela primeira vez nos Estados Unidos da América no ano de 1976, por Meisel e Nime, onde o primeiro constatou a presença na mucosa intestinal de um paciente que fazia utilização de imunossupressão e o segundo encontrou a presença nas fezes de uma menina com 3 anos de idade que apresentava gastroenterite severa.

Em 1982, o parasita descrito ganhou notória importância quanto ao seu poder patogênico, isto porque com o surgimento da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS), ele foi relatado como o causador de uma diarreia persistente nas pessoas com imunidade comprometida.

Ciclo biológico

O ciclo biológico é monoxênico, ou seja, realizado em um único hospedeiro. A forma infectante do parasita é por meio dos oocistos que são liberados nas fezes, estes possuem um formato esférico e aproximadamente de 5 a 7 µm.

Os oocistos são ingeridos e tem sua parede rompida no trato gastrointestinal devido a ação de enzimas proteolíticas e sais bileares, deste modo são liberados quatro esporozoítos que invadem as células epiteliais, mais precisamente na região das microvilosidades e passam por uma série de processos de replicação. A multiplicação ocorre tanto de forma assexual como sexual.

Ao final da reprodução formam dois tipos de oocistos: os de parede grossa e os de parede fina. Os de parede grossa são eliminados nas fezes, enquanto os de parede fina permanecem no organismo realizando a manutenção da autoinfecção interna.

A possibilidade da infecção fecal-oral direta é possível devido que os oocistos já são excretados na forma infectante, não necessitando assim nenhum processo de maduração no meio externo.

Como acontece a transmissão da criptosporidiose?

Ocorre por meio dos oocistos presentes nas fezes de um hospedeiro infectado para um hospedeiro não infectado, por via fecal oral.

Essa transmissão pode acontecer durante a atividade sexual, contato animal e humano, água e alimentos infectados ou ainda através de água de piscinas e outras atividades recreacionais.

Quanto aos alimentos, o leite não pasteurizado foi destacado como uma importante fonte de contaminação.

Os oocistos são muito resistentes e podem permanecerem viáveis no meio ambiente por longos períodos de tempo, desde que apresentem condições adequadas para tal. Altas temperaturas diminuem e viabilidade do oocisto.

Ressalta-se que estes não conseguem ser eliminados nos processos de cloração, ozonização e floculação de água e ainda são altamente resistentes a ação dos desinfetantes como água sanitária.

Criptosporidiose: enfoque clínico

O termo cripstosporidiose é utilizado para definir tanto as infecções por C. parvum quanto por C. hominis. Nem sempre a presença do parasita desencadeia alguma sintomatologia, ou seja, o hóspede pode desenvolver um quadro de portador assintomático.

O período de incubação varia de 2 a 10 dias, com uma média de normalmente 7 dias para apresentação dos sintomas, quando estes aparecem.

Este parasita se caracteriza por infectar a superfície dos enterócitos, sendo denominado como epicelular. Devido a essa invasão pode causar síndrome da má absorção, onde os alimentos não são absorvidos de maneira adequada no intestino delgado e são observadas fezes esteatorreicas e com presença de alimentos inteiros.

As manifestações clínicas variam muito de acordo com a idade do acometido, estado imunológico e a carga parasitária da qual a pessoa foi exposta.

Em imunocompetentes não causa nenhuma alteração grave. Normalmente o infectado apresenta somente uma enterocolite, que se caracteriza pela presença de diarreia aquosa e com ausência de sangue e muco. Manifestações como dor epigástrica espasmódica, anorexia, vômitos, náuseas e febre baixa também podem acontecer. Em grande parte das vezes não é necessária nenhuma intervenção medicamentosa, acontecendo a remissão espontânea da enfermidade.

Já em imunocomprometidos pode apresentar quadros mais severos e potencialmente letais, caracterizado por um aumento no número de evacuações, podendo chegar até mesmo a 50 em um único dia. Esse quadro torna-se grave devido a grande perda de água e eletrólitos pelas fezes, que pode levar a um choque hipovolêmico. Em alguns pacientes com AIDS foram observadas infecções disseminadas, como por exemplo no aparato respiratório, caracterizada por tosse persistente e dispneia. A criptosporidiose se torna muito preocupante quando acomete indivíduos portadores da AIDS.

Segundo Casimiro (2003) “Em um trabalho em Copenhagen, 8 de 86 broncoscopias diagnosticadas em paciente com AIDS foram positivas para Cryptosporidium”.

Ainda se tratando das alterações disseminadas em imunocomprometidos, também podemos citar as infecções hepatobileares e pancreatite.

Em crianças com estado nutricional debilitado e residentes em locais com saneamento inadequado, pode acontecer a perda de microvilosidades intestinais, o que acaba interferindo diretamente na absorção dos alimentos e acarreta em uma perda de peso.

Além dos quadros diarreicos podem ser observados ainda perda de peso, cólica, náuseas e dores de cabeça.

É possível prevenir a criptosporidiose?

Como se trata de um organismo com ampla distribuição e resistência, a prevenção acaba se tornando difícil.

Tendo em vista que a maioria das infecções são associadas a água contaminada, o melhor método de prevenção seria ingerir somente água de fontes confiáveis e que tenham passado pelo processo de filtração.

Medidas de higiene pessoal como lavar as mãos após ir ao banheiro e antes das refeições também contribuem.

É recomendando que as pessoas que apresentem quadros diarreicos evitem banhos de piscina até duas semanas depois que esta foi cessada.

Como se realiza o diagnóstico?

A criptosporidiose pode ser facilmente confundida com outras enfermidades de afetação intestinal, deve-se desconfiar da mesma quando os quadros com diarreia líquida que duram muitos dias, volume de evacuações intenso e presença de fezes esteatorreicas e com alimentos. É preciso a solicitação de exames laboratoriais para confirmação da suspeita.

No início o diagnóstico da criptosporidiose era feito por meio de biópsia da mucosa intestinal, onde o parasito era observado na superfície epitelial do órgão.

Entretanto com o passar dos anos desenvolveram-se outras técnicas menos evasivas. Atualmente o diagnóstico é feito através da observação de oocistos nas fezes. Para essa visualização se utilizam técnicas de centrífugo-flutuação em sulfato de zinco ou centrífugo-flutuação em sacarose de Sheather, estas duas técnicas concentram os oocistos.

O método de coloração mais utilizado é o de fucsina-fenicada modificada, podem também ser realizados métodos de coloração especiais como, por exemplo, Ziehl-Neelsen modificado, Kinyoun modificado, safranina-azul-de-metileno, carbol-fucsina com dimetilsulfóxidoe Giemsa. Podem ser realizados ainda técnicas de imunocromatografia para detecção de antígenos nas fezes.

Recomenda-se a realização de um estudo seriado das fezes, isto devido a dinâmica intermitente de saída dos oocistos.

É importante destacar que o Cryptosporidium não é detectado no exame de fezes de rotina, isto porque para detecção de tal é necessária coloração acidorresistente.

O teste para a detecção de anticorpos circulantes é considerado o padrão ouro, entretanto acaba não sendo muito utilizado devido ao custo elevado.

Qual o tratamento indicado?

Em imunocompetentes normalmente não se faz necessário a utilização de nenhuma terapia medicamentosa, ocorrendo a remissão espontânea, sendo recomendando apenas hidratação para compensar a perda de água na diarreia e melhorar o estado nutricional.

Ainda não se tem no mercado nenhum fármaco capaz de eliminar o parasita. Nos Estados Unidos da América o tratamento com nitrozaxanida foi liberado para crianças e adultos imunocompetentes, pois nestes houve uma diminuição significativa da taxa de morte. Entretanto nos pacientes com AIDS essa melhora não foi observada.

A azitromicina e a paromomicina são medicamentos que tem se demonstrado com efeitos satisfatórios na inibição da carga parasitária em imunocomprometidos, porém ainda não são cientificamente comprovados. Ressalta-se que em indivíduos portadores da AIDS o tratamento de torna mais difícil, uma vez que a eliminação do parasita é algo que não se obtém com facilidade.

Referências

Tortora, Gerard J. Microbiologia. 12. ed. – Porto Alegre, Artmed, 2017.

Murray, Patrick R.; Rosenthal, Ken S; Pfaller, Michael A. Microbiologia médica. 7. ed. ‑ Rio de Janeiro : Elsevier, 2014.

Casimiro, Angélica Maria. Padronização e avaliação do método sorológico ELISA, para detecção de anticorps IgG anti – Cryptosporidium sp. Universidade de São Paulo, São Paulo, 2003. Disponível em https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/9/9136/tde-06032015145009/publico/ANGELICA_CASIMIRO_MESTRADO.pdf

Bonatti, Taís Rondello. Coccídeos intestinais. Faculdade de medicina de Jundiaí, São Paulo, 2018. Disponível em https://estudeparasitologia.files.wordpress.com/2016/06/aula-5_coccidios.pdf.

CDC – Centros de Control y Prevención de Enfermedades Cryptosporidiosis. 2019. Disponível em:

Autora: Danieli Souza Coelho

Instagram: @danielicoelho2000


O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.

Observação: esse material foi produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido.