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Um Caso Clínico de Crise Convulsiva em Criança

Um Caso Clínico de Crise Convulsiva em Criança

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Autores do Caso Clínico de Crise Convulsiva em Criança

LAPED – Liga Acadêmica de Pediatria

Gabriela Sudré Lacerda, Talita Caroline da Silva Souza e Thomás Alves Gomes

Orientador (a): Margarida Maria Maia Barbosa Fernandes.

Identificação do paciente

Pré-escolar, 4 anos e 7 meses, masculino, natural de Vassouras.

Queixa principal

Paciente foi atendido na emergência com queixa principal “convulsionando”.

História da doença Atual (HDA)

Mãe refere que o pré-escolar iniciou há 1 dia, quadro de odinofagia e hiporexia e hoje aferiu febre de 38.8ºC, cedendo ao uso de dipirona, porém, houve retorno da febre esta tarde, sendo esta, não medicada, decidindo assim, procurar o pronto-socorro.

Refere que próximo ao hospital, há aproximadamente 1 minuto, houve piora do estado febril sendo aferida Temperatura axial de 40,2ºC e em seguida, iniciou quadro de hipertonia e sialorreia, dando assim, entrada pela porta de emergência do hospital.

No momento, pré-escolar encontra-se em crise convulsiva tônico-clônica generalizada, sialorreia, desvio conjugado do olhar, cianose labial e presença de urina em fralda.

Antecedentes pessoais, familiares e sociais

História Patológica Pregressa – HPP: Mãe nega internações prévias. Refere um episódio de Otite Média Aguda aos 9 meses de vida tratada com Amoxicilina por 14 dias e um episódio de amigdalite com 1 ano, sem uso de antibióticos. Nega doenças comuns da infância. Nega alergia medicamentosa. Nega cirurgias prévias.

História Gestacional e Neonatal: G1, P1, A0. Realizou 10 consultas pré-natais. Sorologias normais. Fez uso de ácido fólico e sulfato ferroso. Nega Doença Hipertensiva Específica da Gravidez e Diabetes Mellitus Gestacional. Gravidez desejada e sem intercorrências. Nascido de parto espontâneo, 39 semanas, apgar 9/10.

História do Crescimento e Desenvolvimento: adequado para idade.

História Vacinal: adequada para idade.

História Familiar: mãe e pai saudáveis. Nega doenças comuns.

História Social: casa de alvenaria, 8 cômodos, saneamento básico, reside com pai e mãe. Nega etilismo, tabagismo e uso de drogas.

Avaliação Geral 2 Horas Após Quadro de Crise: Pré-escolar encontra-se em regular estado geral, sonolento, hipoativo e reativo, corado, hidratado, acianótico, anictérico e com febre de 38,5ºC.

Sinais Vitais: FC: 118 bpm, FR: 25 irpm, SatO2: 99% em ar ambiente, TAX 38,5°C.

Exame Físico

Exame de Cabeça e Pescoço: Na otoscopia não há achados dignos de nota. Na oroscopia, hiperemia e hipertrofia bilateral. Adenomegalia cervical bilateral (aprox. 2cm).

Aparelho Cardiovascular: RCR, 2T, BNF, sem sopro/extrassístoles FC: 118 bpm.

Aparelho Respiratório: MVUA sem RA, sem esforço respiratório FR: 25 irpm         SatO2: 99%.

Exame do Abdômen: flácido, peristáltico, indolor, timpânico, sem massas ou VMG.

Exame dos Membros: MMII’s sem edema, perfundidos, pulsos femorais simétricos.

Genitália: masculina com testículos tópicos, sem fimose.

Exame Osteoarticular: sem alterações dignas de nota.

Exame neurológico: sem alterações.

Exames Complementares

Hematócrito 38%                                   PCR 62  mg/dL (< 8mg/dL)

Hemoglobina 12 g/dL                            HGT 92  mg/dL

Hemácias 4,05 1012/L                            Na – 137 mmol/L (135-145)

Leucócitos 15.300                                  K – 4,1   mmol/L (3,5-5,5)

Diferencial:0-2/0-0-7-68/20-3

Discussão sobre o caso de Crise Convulsiva em Criança

  • Qual o diagnóstico mais provável ?
  • Qual a conduta hospitalar perante o caso clínico?
  • Qual a importância de exames laboratoriais e exames de imagem para o diagnóstico do caso?
  • Como descartar diagnósticos de maior gravidade durante a avaliação do paciente?
  • Como proceder o tratamento?

O caso acima se trata de uma crise convulsiva febril, que é caracterizada como crise epiléptica, presença de febre, ausência de infecção de Sistema Nervoso Central (SNC) e ausência de alteração metabólica.

É a principal causa de crise epiléptica na emergência pediátrica, em média 2 a 5% de crianças menores que 5 anos apresentarão pelo menos um episódio de convulsão, sendo o pico de 14 a 18 meses e o limite máximo de 6 anos. Tem um prognóstico excelente. São fatores de risco a predisposição genética aumento rápido da temperatura acima de 39º C.

Fisiopatologia não foi claramente estabelecida, mas são causas de maior suscetibilidade segundo Penfield e Erikson: cérebro imaturo, falta de mielina, diferença de permeabilidade celular e atividade elétrica do cérebro da criança.

Etiologia não é determinante para CF, mas a presença de febre é essencial e o mecanismo de ação é indefinido. Principal patologia desencadeante é a doença respiratória. Em geral, vírus são mais envolvidos e existe associação com exantema súbito – (HHV-6).

Fatores de risco para recorrência são idade precoce da 1ª crise (< 18 meses), sexo masculino, HF + CF ou epilepsia, anormalidade do desenvolvimento neuropsicomotor, crises focais, duração prolongada e recorrência de crise epiléptica na mesma doença desencadeante.

A crise convulsiva do paciente acima é classificada como tônico-clônica generalizada simples, que origina-se dos dois hemisférios cerebrais e culmina com contrações musculares involuntárias, sialorréia, mordedura lingual, liberação esfincteriana, duração menor que 15 minutos, sem recorrência em 24 horas e sem alterações neurológicas.

O diagnóstico das crises convulsivas febris é clínico, através de anamnese e exame físico cuidadosos, devendo sempre classificar a crise em simples ou complexa e identificar o possível foco da febre. 

Ao receber uma criança com quadro de convulsão febril, ou com esse relato pelos pais, deve-se solicitar que descrevam com detalhes a crise, e pesquisar de imediato a presença de sinais meníngeos, bem como realizar o exame da fontanela, visando a descartar acometimento do sistema nervoso central.

É necessária uma história adequada, pesquisando-se todas as intercorrências no período da gestação, parto ou a presença de qualquer doença sistêmica concomitante como, por exemplo, cardiopatias, coagulopatias ou distúrbios hidroeletrolíticos.

Deve-se insistentemente questionar antecedentes de uso de drogas, traumas ou outras patologias. Exame laboratorial como o hemograma não auxilia tanto (há uma leucocitose pós crise).

Não é necessário solicitar neuroimagem, somente em caso de: déficit focal persistente, crise febril complexa recorrente, estado de mal-epiléptico, micro/macrocefalia. Há superioridade da RNM cerebral para avaliação de anormalidades estruturais que justifiquem a crise.

É de responsabilidade do médico descartar meningites e encefalites, logo o mesmo deve solicitar punção lombar do LCR quando há: crise prolongada, demora na recuperação do nível de consciência, sinais meníngeos, piora do estado geral, menor de 1 ano – manifestações SNC ausentes, foco não identificado.

Entretanto a punção lombar é contra indicada em casos de: instabilidade hemodinâmica, plaquetopenia , HIC, déficits focais, infecção no local da punção.  Lembrando que a proporção de glicose no LCR deve ser cerca de 2/3 da quantidade de glicose encontrada na amostra de sangue. Casos de hipoglicorraquia sugerem presença de bactéria.

O tratamento inicial hospitalar é feito com a conduta não-farmacológica que visa a estabilização do paciente (ABCDE) realizando posicionamento da cabeça, aspiração de VAS, oxigênio sob máscara ou IOT (se necessário), verificação de sinais vitais (monitorização contínua FC + SatO2), acesso venoso imediato, dosar glicemia e eletrólitos.

Já a conduta farmacológica é composta por antitérmico, hidratação e benzodiazepínicos (repetir a cada 10 minutos até 3 vezes caso a crise persista), sendo estes Diazepam 10mg/2ml – 0,3mg/kg IV ou 0,5mg/kg VR ou Midazolam 5mg/ml – 0,2mg/kg IV, nasal ou IM.

Se a crise persistir mesmo com a administração do benzodiazepínico por três vezes no intervalo de 10 minutos entre cada dose, fazer Fenitoína 50mg/ml – 20mg/kg IV. Se persistir podem ser feitas mais 2 doses 5 mg/kg/dose (máx 30mg/kg).

Se mesmo assim a crise persistir, usar Fenobarbital 200mg/ml – 20mg/kg IV, podendo ser repetido 10mg/kg IV após 10 minutos.

Observação: O fenobarbital deve ser a medicação de primeira escolha nos recém-natos.

Neste caso, a crise foi resolvida após a segunda administração de Diazepam.

Após estabilização do paciente devemos observar e reavaliar após 4h. Não usar antibioticoterapia prévia para não mascarar sinais meníngeos e não fazer uso de medicação intramuscular, pois seu funcionamento não é efetivo.

Nesta avaliação do caso atual após quadro estável, foi prescrito uso oral: Amoxicilina 250mg/5ml dar 6ml de 8 em 8 horas por 10 dias e dipirona 500mg/ml  11 gotas até de 6 em 6 horas em caso de dor ou febre ( ? 37.8ºC).

Diagnósticos Diferenciais

Síncope, perda de fôlego, RGE, distúrbios do sono, movimentos involuntários (bromoprida, metoclopramida), somatização e simulação.

Objetivos de Aprendizado/ Competências

1)Saber diferenciar se a crise convulsiva é de origem exclusivamente febril ou se há presença de infecções a nível de SNC .

2) Aprender a realizar o manejo adequado do paciente durante a crise convulsiva.

3) Saber como proceder com as medicações em caso de persistência da crise.

Pontos importantes

1) O diagnóstico da crise convulsiva febril deve ser clínico, no caso descrito exames complementares não ajudam no diagnóstico

2) Há diferença entre crise convulsiva febril e crise convulsiva em vigência de febre

3) A estabilização do paciente precedente a administração de benzodiazepínicos é a conduta correta

4) A crise convulsiva febril possui um bom prognóstico

5) A crise geralmente é ocasionada por um aumento rápido na temperatura corporal

6) Há estudos que comprovam a presença de crise convulsiva febril relacionada a predisposição genética

7) As crises podem ser acompanhadas de sialorreia e liberação esfincteriana

Referências

1-    Alencar SP. Convulsão febril: aspectos clínicos e terapêuticos. Artigo de revisão. Rev Med UFC. 2015 jan-jun;55(1):38-42.

2-    Revista de Pediatria SOPERJ – v. 13, no 2, p29-34 dez 2012

3-    Casella EB et al, Abordagem da crise convulsiva aguda e estado de mal epilépitico em crianças.  Jornal de Pediatria, vol.75, supl.2, 1999

4-    Instituto da criança, Hospital das clínicas – Pediatria: Pronto-Socorro; 2 edição

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