Medicina da Família e Comunidade

Crise Psicótica Aguda, uma urgência psiquiátrica | Colunistas

Crise Psicótica Aguda, uma urgência psiquiátrica | Colunistas

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Imagem de perfil de Isabella Andrade S. Freire

No atual contexto Covid-19, relatos de complicações relacionadas a distúrbios neuropsiquiátricos estão cada vez mais frequentes, contextualizado a necessidade de ter presente a clínica e o manejo inicial em situações de crises que podem colocar em risco a vida desses pacientes.

Dentro do capítulo de Urgências Psiquiátricas se encontra o robusto tema das psicoses, que é categorizado em tipos e subtipos no DSM (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais).

A esquizofrenia é a grande representação da Psicose. Entretanto, este artigo busca esclarecer uma situação que muitas vezes é retratada como um trovão no céu sereno, que interrompe uma calmaria, e que, se reconhecida a tempo, pode impedir muitos estigmas sociais, assim como permitir a instauração de um tratamento precoce.

Bouffée delirante: sopro delirante

A Psicose Delirante Aguda (bouffée delirante, na escola francesa) não é uma doença propriamente dita. É descrita como um estado psicótico que, de regra, tem uma instalação brusca, aguda, de curta duração podendo ser de dias ou semanas;

Apresenta-se com uma sintomatologia muito polimórfica, acompanhada por fenômenos delirantes, podendo ser precedida ou não de alterações comportamentais, como inquietude, agitação, insônia e alterações do humor que raramente são percebidas pelas pessoas do entorno.

Tal como o seu nome diz, é um sopro, um episódio transitório, a pessoa não sabe que está delirando, perdendo completamente o senso crítico de suas percepções.

Quadro Clínico

Os sintomas psicóticos são classicamente divididos em Positivos versus Negativos e não necessariamente estarão todos presentes em um único momento.

Interessante resaltar que não existe uma perda do contato com a realidade exterior como nos casos de delirium, mas sim, existe alteração da consciência de si mesmo e do ambiente externo, havendo uma despersonalização, momento em que os conviventes começam a perceber que “algo anda mal”.

As oscilações de um estado eufórico verborrágico a um sentimento de angústia, de não pertencer, recuo social e medo irracional de catástrofe iminente, leva a situações de fugas, brigas familiares ou no trabalho, e, no pior dos cenários, risco de suicídio ou agressão a terceiros.

As divagações discorrem sobre uma temática muito heterogenia, não é infrequente observar que o indivíduo manifeste sensação de poder e grandeza, sentindo-se um ser iluminado com tarefas divinas ou possuidor de intuições clarividentes.

Outras vezes, os delírios abarcam ideias de perseguição, de culpa, ciúme excessivo paranoico, e não menos frequente se assentam no campo místico erótico.

Sintomas Positivos:

  • Ideias Delirantes: podendo ser simples ou combinadas nas formas maníacas, eróticas, místicas, ambiciosas ou de perseguição.
  • Alucinações: sinestésicas e sensorial-visual as mais frequentes, mas também estão as auditivas (a pessoa ouve vozes), olfativas, gustativas, tátil- proprioceptiva, nociceptiva, termoceptiva.
  • Linguagem e pensamento desorganizado com um discurso sem coerência.

Sintomas Negativos:

  • Apatia/ introversão: falam pouco, com voz monótona, apagada, desinteressados nos diálogos e nas atividades cotidianas.
  • Baixa autoestima, pouco cuidado pessoal, sendo muito frequente os familiares relatarem que tal pessoa está mais “desleixada”.
  • Tendência ao isolamento.

Etiologias

Quando chega um quadro descrito como uma primeira crise psicótica aguda, é primordial pensar e descartar primeiramente as possíveis causas orgânicas devido ao risco de vida que pode implicar ao paciente, tarefa mais difícil quando não se tem informações fidedignas do próprio paciente ou de familiares.

Causas orgânicas possíveis:

  • Infecciosas: Encefalite herpética, Varicela, TBC meningea, Hidatidose.
  • Transtornos sistêmicos, Metabólicos e Endócrinos: Encefalopatia hepática/Urêmica, Cetoacidose diabética, Porfíria aguda, Hipo/Hiperparatiroidismo, Déficit de tiamina, Sme. wernicke-korsakoff, etc.
  • Vasculares, Tumores, Demências, Traumatismos, Epilepsia.
  • Tóxicos: cocaína, LSD, anfetaminas, quetamina, álcool, intoxicação por metais.

Uma vez descartado as causas orgânicas, considerar:

  1. Buscar episódio precipitante, como isolamento cultural e social, choque emocional, pensar em imigrantes.
  2. Presença de Personalidade esquizoide, histérica o psicopática.
  3.  Psicose puerperal ou pós-operatória.

Situações mais graves se relacionam com o consumo de substâncias e estados maníacos, tentativas de suicídio, agressões, agitação psicomotriz.

Evolução

O grande desafio é descobrir se é realmente um episódio agudo ou se de fato é o début do que poderia evoluir a uma esquizofrenia crônica. Entretanto, essa definição não será possível em princípio e, inevitavelmente, é necessário esperar a resolução e progressão do quadro, situação que já estará a cargo do especialista.

O bouffée delirante regride em alguns dias/meses (geralmente menos de 30 dias), e o paciente geralmente é capaz de ter claro na memória as situações.

Muitas vezes o episódio será único na vida, há uma remissão/cura completa dos sintomas e a pessoa volta a atuar de acordo com a personalidade que possuía antes. Outros vão reincidir de maneira intermitente, e, por fim, um grupo avança em caminho a uma cronicidade, evoluindo a um Transtorno Bipolar, ou este primeiro episódio será o começo de uma Esquizofrenia Paranoide Progressiva.

Alguns signos indicam uma regressão favorável, como a presença de fatores que desencadearam o bote, o caráter agudo e de rápida resolução, possuir uma personalidade anterior que é bem adaptada socialmente e antecedentes familiares de bipolaridade.

Tratamento

Estes pacientes com crise psicótica aguda requerem hospitalização quase sempre, uma vez que é uma urgência psiquiátrica, no qual deve ser avaliada a presença de ideação suicida e/ou homicida, a incapacidade de autocuidado ou falta de contenção familiar.

Portanto, os objetivos do manejo agudo implicam na contenção, vigilância, seguimento e cuidado, reduzindo a gravidade dos sintomas positivos, reduzir a agressividade e hostilidade.

O tratamento farmacológico não deve ser demorado devido a uma associação entre o tempo que o paciente permanece com os sintomas psicóticos e uma evolução desfavorável posteriormente.

A linha de tratamento farmacológico é estruturada nos antipsicóticos e benzodiazepínicos para controle da agitação e ansiedade. Para o caso de não ser possível administração oral, seguir com via intramuscular.

Exemplo de medicamentos utilizados na urgência:

Haloperidol – Lorazepam – levomepromazina.

Opções quando não se pode controlar a fase de agitação maníaca, valproato, lítio, carbamazepina.

Importante manter esses pacientes monitorizados e observar o nível de sedação, bem como a presença de sintomas extrapiramidais.

Conclusão

As crises psicóticas agudas possuem um extenso modo de apresentação, aparecem repentinamente desorganizando momentaneamente toda uma estrutura e podem colocar em risco a vida do paciente e a de terceiros.

O manejo da intervenção inicial, que, muitas vezes, ocorre inclusive nas UPAS, CAPS, SAMU, deve ser o mais rápido possível para prevenir possíveis danos, sendo necessária a busca inicial de causas orgânicas.

Por fim, o paciente necessitará posteriormente de um controle ambulatorial com psiquiatra e seguimento psicoterapêutico.

Instagram: @isabellaas.f

O texto acima é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.

Referências

  1. https://www.nimh.nih.gov/health/publications/espanol/como-comprender-que-es-la-psicosis/index.shtml
  2. https://revistas.rcaap.pt/psilogos/article/view/10564/10462
  3. https://www.saude.sc.gov.br/index.php/documentos/atencao-basica/saude-mental/protocolos-da-raps/9203-psicoses-agudos-e-transitorias/file
  4. http://scielo.isciii.es/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0211-57352015000400003
  5. https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-65642006000400014&script=sci_arttext
  6. https://www.vidal.fr/maladies/psychisme/bouffee-delirante.html#:~:text=Les%20bouff%C3%A9es%20d%C3%A9lirantes%20se%20caract%C3%A9risent,connu%20de%20troubles%20psychiques%20auparavant.